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Cardiologia20 março 2025

Nova diretriz americana de síndromes coronarianas agudas: principais pontos 

A diretriz para o tratamento de pacientes com síndromes coronarianas agudas da ACC/AHA/ACEP/NAEMSP/SCAI de 2025 incorporou novas evidências
Por Isabela Abud Manta

Apesar dos avanços no diagnóstico e tratamento das síndromes coronarianas agudas (SCA), inclusive com redução de mortalidade após infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnivelamento do segmento ST (IAM CSST) nos últimos anos, ainda há importante morbimortalidade pela doença. Recentemente foi publicada a nova diretriz americana de SCA, que aborda principalmente o manejo do IAM tipo 1.

Abaixo seguem os principais pontos abordados em relação a definição, diagnóstico e avaliação inicial. 

Nova diretriz americana de síndromes coronarianas agudas: Os principais pontos 

Imagem de freepik

Definição e classificação 

As síndromes coronarianas agudas (SCA) são causadas tipicamente por ruptura ou erosão de uma placa aterosclerótica instável, com trombose parcial ou completa da coronária, o que resulta em redução do fluxo sanguíneo para o miocárdio e consequente isquemia. 

Podemos dividir a SCA em três condições, a depender da história clínica, eletrocardiograma (ECG) e troponina: 

  • Angina instável (AI): caracterizada por isquemia transitória e ausência de necrose, ou seja, não há aumento de troponina.  
  • IAM sem supradesnivelamento do segmento ST (IAM SSST): caracterizado por isquemia mais prolongada, decorrente de obstrução parcial do vaso, com consequente necrose e aumento de troponina. O ECG pode apresentar sinais de isquemia subendocárdica.  
  • IAM CSST: caracterizado por isquemia mais prolongada, decorrente de obstrução total do vaso, com consequente aumento da troponina. O ECG mostra supradesnivelamento do segmento ST, sinal de isquemia transmural. 

Avaliação inicial 

Pacientes com suspeita de síndromes coronarianas agudas (SCA) devem ser levados a um serviço de emergência, de preferência em ambulância, e um ECG deve ser realizado o mais precocemente possível. Caso o ECG inicial seja não diagnóstico, deve ser repetido de forma seriada e devem ser realizadas as derivações posteriores (V7-V9), principalmente na presença de infra de ST em V1-V3. 

A reperfusão precoce é associada a melhora da sobrevida e pacientes com IAM CSST extra-hospitalar devem preferencialmente ser transportados para serviço com hemodinâmica em até 90 minutos. Caso não seja possível, pode-se ainda considerar o serviço com hemodinâmica como preferência caso o tempo para transporte seja de até 120 minutos. 

Quando o paciente procura diretamente o serviço de emergência, deve ser avaliado e medicado imediatamente. A utilização de protocolos para auxílio na decisão clínica mostrou melhora de desfechos e reduziu a realização de exames desnecessários, mantendo um alto valor preditivo negativo para ocorrência de eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE). 

O ECG deve ser realizado e interpretado rapidamente, em até dez minutos. Um ECG normal não exclui SCA e as alterações podem ser dinâmicas, sendo necessário repeti-lo durante o período em que o paciente está em observação, principalmente se houver recorrência de dor ou alteração na condição clínica. 

A troponina é o marcador de escolha e a troponina ultrassensível (US) é preferível, pois tem maior sensibilidade e especificidade. IAM é definido como aumento ou queda da troponina com pelo menos um valor acima do percentil 99. A dosagem deve ser feita na chegada e em uma ou duas horas, a depender do protocolo utilizado, e o valor preditivo negativo é alto, assim como o reconhecimento rápido da injúria miocárdica.  

Alguns pontos importantes 

  • Quando os sintomas se iniciaram há pelo menos três horas da chegada e a troponina é US, uma dosagem negativa é suficiente para excluir IAM. 
  • Quando a troponina utilizada é a convencional, deve ser coletada na chegada e após três a seis horas.  

Estratificação de risco  

A estratificação de risco pode ajudar no manejo e nas decisões sobre o tratamento. Existem diversos escores de risco tanto para avaliação em curto quanto longo prazo e estes consideram variáveis clínicas e laboratoriais. Os mais utilizados são o GRACE e o TIMI. Quanto maior o valor dos escores, pior o prognóstico do paciente e mais precoce devem ser as intervenções. 

Pacientes com sinais e sintomas de insuficiência cardíaca (IC), maiores níveis de troponina e peptídeos natriuréticos também tem pior prognóstico. Ainda, o choque cardiogênico ocorre em 7-10% e tem altíssimo risco de mortalidade.  

No caso de parada cardiorrespiratória (PCR) em pacientes com IAM CSST a indicação de revascularização depende do nível de consciência. Se o paciente tem retorno da circulação espontânea e está acordado, deve ser encaminhado para angioplastia primária. Caso esteja comatoso, o encaminhamento para angioplastia deve ser individualizado de acordo com cada caso. Já em pacientes com IAM SSST estáveis que retornam de uma PCR, o momento da estratificação invasiva deve ser definido de forma individual.  

Medidas iniciais  

Oxigenioterapia não é recomendada para todos os pacientes, estando indicada apenas quando a saturação de oxigênio está abaixo de 90%. 

O alívio da dor é fundamental e as medicações indicadas são os nitratos (nitrato sublingual ou nitroglicerina endovenosa) e opioides (morfina ou fentanil endovenosos). É importante ressaltar que a tentativa de aliviar a dor com medicação não deve atrasar a revascularização coronária rápida nos pacientes com isquemia persistente. 

Existem algumas preocupações em relação ao uso de opioides e seu potencial de retardar a absorção gástrica e intestinal dos inibidores de P2Y12 orais, porém a relevância clínica dos achados farmacodinâmicos continua controversa. Assim, caso indicado, devem ser realizados.  

Tratamento antiplaquetário 

Aspirina está indicada para todos os casos e deve ser administrada em dose inicial de 162-325 mg o mais rápido possível. Um inibidor de P2Y12 também está indicado para todos os pacientes. Essa estratégia reduz a ocorrência de MACE, às custas de pequeno aumento do risco de sangramento. 

Clopidogrel é o menos potente e necessita de mais tempo para alcançar a inibição plaquetária máxima após a dose de ataque, além de apresentar variabilidade farmacodinâmica, com alguns pacientes sendo hiporrespondedores. O ticagrelor e o prasugrel são mais potentes e tem inibição plaquetária mais rápida. 

A escolha do inibidor de P2Y12 envolve considerações em relação a estratégia de tratamento e o risco de sangramento do paciente. Atualmente as orientações de dupla antiagregação (DAPT) são:  

  • Aspirina associada a ticagrelor ou prasugrel para pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea (ICP) nos casos de IAM com ou sem supra. 
  • Aspirina associada a ticagrelor ou prasugrel para pacientes encaminhados para cirurgia cardíaca (aspirina mantida o tempo todo e o inibidor de P2Y12 iniciado ou reiniciado no pós-operatório).  
  • Aspirina associada a ticagrelor quando não há avaliação invasiva programada.  
  • Aspirina associada a clopidogrel quando paciente submetido a tratamento fibrinolítico no IAM CSST (pode-se trocar posteriormente). 

Caso o paciente tenha indicação de revascularização cirúrgica, o clopidogrel e o ticagrelor devem ser suspensos cinco dias antes do procedimento e o prasugrel sete dias antes. 

A aspirina deve ser mantida em dose baixa ao longo de toda a vida e o inibidor de P2Y12 é suspenso geralmente após um ano.  

Os inibidores do GP IIb/IIIa são utilizados em casos específicos, como quando há alta carga trombótica, ausência de fluxo ou fluxo lentificado após ICP. 

Anticoagulação 

Todos os pacientes devem receber também anticoagulação, com objetivo de reduzir MACE. A escolha do anticoagulante depende de diversos fatores, incluindo sítios de punção, função renal e uso concomitante de outras medicações.  

Os esquemas mais utilizados são com heparina não fracionada (HNF) em dose ajustada pelo TTPa e enoxaparina na dose de 1 mg/kg a cada 12 horas.  

No IAM CSST em que se opta por tratamento fibrinolítico, a enoxaparina deve ser realizada na dose de 30 mg, via endovenosa, seguida de 1 mg/kg a cada 12 horas, sendo a primeira dose 15 minutos após a dose endovenosa.  

Quando o clearence é menor que 30 mL/min a dose da enoxaparina deve ser corrigida para 1 mg/kg uma vez ao dia e quando o paciente tem 75 anos ou mais para 0,75 mg/kg a cada 12 horas. 

Fondaparinux pode ser utilizado na dose de 2,5 mg 1x ao dia, via subcutânea, nos casos em que o paciente não será submetido a estratificação invasiva, pois está associado a trombose de cateter. Nos casos de fibrinólise, a dose inicial é de 2,5 mg endovenosa, seguida de 2,5mg via subcutânea a partir do dia seguinte. 

Tratamento hipolipemiante 

Todos os pacientes com síndromes coronarianas agudas (SCA) devem receber estatina de alta potência na dose máxima tolerada, com alvo de LDL < 55 mg/dL. As opções são atorvastatina 40-80 mg e rosuvastatina 20-40 mg. Quando este não é atingido pode-se associar outras medicações, como ezetimibe, inibidores do PCSK9 e ácido bempedóico.  

A coleta do perfil lipídico deve ser o mais precoce possível, pois há tendência de queda discreta dos valores de LDL após 24 horas do início dos sintomas, e a reavaliação após início das medicações deve ser feita em quatro a oito semanas. 

Outras medicações 

  • Betabloqueadores (BB): devem ser prescritos todos que não tem contraindicação, nas primeiras 24 horas, com objetivo de reduzir reinfarto e arritmias ventriculares. As contraindicações são sinais de IC aguda, alto risco de choque cardiogênico, intervalo PR > 0,24 ms, bloqueios atrioventriculares de 2º ou 3º grau, bradicardia grave e broncoespasmo ativo. As contraindicações devem ser reavaliadas periodicamente e, caso resolvidas, pode-se iniciar o BB. O tempo de manutenção ainda é incerto.  
  • Inibidores do sistema renina angiotensina aldosterona: IECA ou BRA estão indicados para pacientes com síndromes coronarianas agudas (SCA) com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ≤ 40%, hipertensão, diabetes ou IAM CSST anterior. Antagonista mineralocorticoide está indicado para pacientes dom FEVE ≤ 40% e sintomas de IC e/ou diabetes. 

Estratégias de reperfusão  

Em pacientes com IAM CSST com menos de 12 horas de sintomas, a ICP deve ser realizada em até 90 minutos da chegada ao serviço ou em até 120 minutos caso o paciente seja transferido para serviço de referência. Quando o tempo de sintomas está entre 12 e 24 horas pode-se considerar a ICP e após esse período não há benefício, sendo reservada apenas para pacientes com isquemia persistente ou arritmias graves.  

Pacientes com choque cardiogênico ou instabilidade hemodinâmica tem indicação de revascularização de emergência por ICP ou revascularização miocárdica cirúrgica (RMC), independente do tempo de início dos sintomas. 

A ICP é a estratégia preferencial, porém quando o paciente não está em serviço com hemodinâmica e não há tempo hábil para transferência indica-se a terapia fibrinolítica, que deve ser realizada em até 30 minutos da chegada, desde que o paciente não tenha contraindicação. A escolha é pelos agentes fibrino-específicos, como tenecteplase, alteplase ou reteplase.  

Todos os pacientes devem ser transferidos para avaliação angiográfica entre 2 e 24 horas, pois o risco de re-oclusão é alto. Quando há falha na reperfusão, a angiografia deve ser de emergência, com objetivo de angioplastia de resgate. 

Pacientes com síndromes coronarianas agudas (SCA) SSST de risco intermediário ou alto devem ser avaliados com estratificação invasiva. Quando o risco é intermediário deve ser realizada em até 72 horas, quando o risco é alto em até 24 horas e nos casos de choque cardiogênico, angina refratária, instabilidade elétrica ou hemodinâmica o paciente tem indicação de estratificação invasiva imediata, em até duas horas.  

Caso o risco seja baixo, pode-se realizar estratificação invasiva ou não invasiva, a depender do paciente e o ideal é que essa estratificação seja feita antes da alta. O objetivo é obter informação prognóstica e avaliar a extensão e gravidade da DAC. 

Considerações em relação a estratificação invasiva 

  • O acesso radial é preferido em relação ao femoral, por menor risco de complicações. 
  • Exames de imagem intracoronária, como ultrassom intravascular (IVUS) ou tomografia por coerência óptica (OCT), estão indicados na angioplastia de tronco ou de lesões complexas, com objetivo de reduzir risco de falha de tratamento da lesão alvo. 
  • Pacientes com IAM CSST hemodinamicamente estáveis com doença multiarterial, após ICP primária tem indicação de angioplastia de outras artérias com estenose significativa, de preferência no mesmo procedimento. Se o paciente estiver em choque cardiogênico, o ideal é realizar apenas o tratamento da lesão culpada. Em casos de estenose de tronco ou descendente anterior proximal pode-se considerar revascularização cirúrgica. 
  • Nos casos de síndromes coronarianas agudas (SCA) SSST, a forma de revascularização depende da complexidade da DAC e das comorbidades do paciente. Em pacientes estáveis com doença multiarterial deve-se realizar a angioplastia da lesão culpada e das lesões com estenose significativa. Em alguns casos pode-se considerar a avaliação funcional das lesões para definir sobre o tratamento. 
  • Prefere-se a CRM em pacientes com:  estenose de tronco com DAC complexa; doença multiarterial complexa ou difusa em paciente com diabetes ou envolvimento da descendente anterior proximal; pacientes com DAC multiarterial ou doença de tronco complexa com disfunção ventricular importante.  

Complicações 

  • Complicações mecânicas, como ruptura de septo ou de parede livre e insuficiência mitral por infarto ou ruptura de músculo papilar devem ser manejadas por equipe cirúrgica e pode-se considerar dispositivos de assistência circulatória como ponte para cirurgia. 
  • Pericardite: diagnosticada pela presença de dor pleurítica associada a atrito pericárdico, alteração típica no ECG ou derrame pericárdico novo ou em piora. O tratamento consiste em aspirina em dose alta (500-1000 mg a cada seis a oito horas) até melhora dos sintomas e colchicina na dose de 0,5 mg 1 ou 2x ao dia por pelo menos três meses. 
  • Trombo em VE: ocorre em 5-10% dos casos de IAM, principalmente quando há supra anterior extenso. Outros fatores de risco são FEVE < 30% e tempos mais prolongados para reperfusão.  

Prevenção de morte súbita 

Pacientes com IAM e FEVE ≤ 40% após pelo menos 40 dias ou pelo menos 90 dias após revascularização tem indicação de cardioversor desfibrilador implantável (CDI) com objetivo de reduzir mortalidade. 

Se ocorrerem bloqueios atrioventriculares de 2º grau Mobitz II, de 3º grau, bloqueios avançados ou bloqueio de ramo alternante persistentes indica-se marcapasso definitivo. 

Tratamento no longo prazo 

Quando o risco de sangramento não é alto, DAPT com aspirina mais um inibidor do P2Y12 deve ser mantida por pelo menos um ano. Caso o risco de sangramento seja alto, existem algumas medidas para reduzi-lo, como por exemplo monoterapia com ticagrelor a partir de um mês da angioplastia e uso de inibidor de bomba de prótons (IBP) quando em uso de DAPT, anticoagulantes orais ou ambos. 

Quando há indicação de anticoagulação oral concomitante, a aspirina é suspensa uma a quatro semanas após tripla terapia, com manutenção de um inibidor de P2Y12 (de preferência o clopidogrel) associado a anticoagulação oral. 

A diretriz coloca ainda outras medidas que reduzem eventos cardiovasculares, como uso de colchicina e vacinação anual para influenza. 

Comentários e conclusão 

Essa diretriz traz de maneira bastante prática os pontos fundamentais para diagnóstico e manejo inicial da síndromes coronarianas agudas (SCA), tanto com supra quando sem supradesnivelamento do segmento ST e aborda de forma bastante prática a abordagem da doença, colocando as indicações de intervenção percutânea ou cirúrgica em diversos cenários. 

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Referências bibliográficas

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