ACP 2024: Em que situações devemos manter o uso do IBP?
Na explanação do Dr. Peter Kahrilas, da Universidade Northwestern de Chicago, foi abordado o panorama do uso dos inibidores da bomba de prótons (IBPs). Uma vez iniciado o uso de IBP, mais de um quarto dos pacientes persistem por mais de um ano, muitas vezes sem qualquer indicação específica para fazê-lo. Essa é a constatação em até dois terços dos usuários crônicos.
Por trás dessa epidemia vários fatores estão implicados: ausência de tempo do profissional de saúde dedicado à explicação sobre as mudanças de estilo de vida necessárias para amenização dos sintomas gastrointestinais; desejo de soluções simples para os sintomas pelos pacientes; facilidade de acesso aos fármacos; superdiagnóstico de doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e atribuição inadequada de causalidade a possíveis manifestações extraesofágicas, prática muito comum na otorrinolaringologia.
Quais os efeitos colaterais mais importantes?
Uma miríade de efeitos colaterais dos IBPs tem sido descrita:
Efeitos adversos dos IBPs | |
Associação definida |
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Associação fraca |
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Meras Hipóteses |
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Em relação às interações medicamentosas, os IBPs realizam inibição competitiva do citocromo CYP 450. Dessa forma, deve-se ter atenção ao uso concomitante de varfarina, diazepam e clopidogrel. Em relação ao último, a diminuição da atividade foi demonstrada in vitro, mas não há qualquer evidência de que esteja associado ao aumento de risco cardiovascular.
As reações idiossincráticas, como reações de hipersensibilidade, nefrite intersticial alérgica (NIA) e hipomagnesemia grave, foram apontadas como raras e provavelmente superestimadas.
Uma meta-análise de 2021, publicada por Salvo e colaboradores, analisou os eventos adversos dos IBPs, demonstrando os seguintes dados:
Impactos sobre a saúde óssea, renal e gastrointestinal
Em relação aos desfechos ósseos, foi identificada associação estatisticamente significativa com fratura de quadril (RR 1,2), coluna vertebral (RR 1,49), punho (1,09), osteoporose (HR 1,23) e falha de implante dental (OR 2,02).
O RR atrelado ao uso de IBPs para a ocorrência de NIA foi de 3,76, DRC de 1,32, DRC terminal 1,88 e injúria renal aguda de 1,61.
As infecções entéricas apresentaram odds ratio (OR) de 4,28 (corroborada por RCTs subsequentes), a pneumonia de 1,43, a colite por C. difficile de 1,99 e a sua recorrência de 1,73.
Em relação às complicações gastrointestinais pautadas, há plausibilidade biológica, pela perda do mecanismo protetor contra infecções a partir da hipocloridria.
A visão crítica é importante por ocasião da interpretação da evidência científica. Os estudos observacionais estão sujeitos a inúmeros vieses não reconhecidos, que podem levar a conclusões enganosas. Portanto, as informações aqui levantadas devem ser compreendidas no máximo como geradoras de hipóteses, muitas das quais desprovidas de qualquer plausibilidade biológica.
A problemática do uso abusivo de IBPs merece, sim, atenção, mas os indivíduos que mais fazem o uso são os que apresentam outras comorbidades, e essa característica parece ser a grande mediadora das fracas associações identificadas.
O único evento adverso robusto a ser destacado, corroborado por RCTs, é o risco de infecções entéricas.
Em quais cenários desprescrever os IBPs?
Por tudo o que foi mencionado anteriormente, a decisão pela desprescrição dos IBPs deve se basear primariamente na ausência de indicação para o seu uso, e não receio quanto ao risco de eventos adversos.
As indicações para uso de curto prazo de IBPs (4 a 8 semanas) incluem: esofagite grau A ou B, erradicação de H. pylori em conjunto com antibióticos, sintomas de doença de refluxo gastroesofágica (DRGE) ou dispepsia de magnitude e/ou frequência suficientes para prejudicar a qualidade de vida e profilaxia de lesão aguda de mucosa gastroduodenal na terapia intensiva.
O uso crônico, para além de 8 semanas, em esquema de manutenção, está indicado na DRGE erosiva grau C e D ou complicada por estenose péptica ou esôfago de Barrett, esofagite eosinofílica, sangramento digestivo prévio por úlcera gástrica ou duodenal (H. pylori negativo), síndrome de Zollinger-Ellison, fibrose pulmonar idiopática, uso crônico de AINE com risco moderado a alto de sangramento (idade > 65 anos, altas doses de AINEs, doença péptica prévia, uso concomitante de corticoides, antiplaquetários e doença renal significativa).
Nos casos de esôfago de Barrett, uma questão importante é que o uso de IBPs não previne a ocorrência de adenocarcinoma, ao contrário da cirurgia antirrefluxo, e o seu uso em esquema de manutenção é para aliviar os sintomas da DRGE, sem concepções errôneas sobre o seu papel na gênese da malignidade.
Por fim, nos casos em que as tentativas prévias de interrupção do IBP resultaram em sintomas gastrointestinais recorrentes com prejuízo da qualidade de vida, o tratamento de manutenção é razoável, mas deve-se buscar as menores doses possíveis e reiterar a importância da adoção das medidas dietéticas-comportamentais.
Como minimizar os sintomas após a descontinuação do IBP?
As estratégias para a desprescrição envolvem a interrupção abrupta, que traz como dificuldade a hipersecreção gástrica de rebote (RR 3,021 para recorrência sintomática), sendo desencorajada; a interrupção gradual da dose, incluindo a tomada em dias alternados, que apresenta plausibilidade, mas sem respaldo na literatura; redução da dose do IBP; uso sob demanda de forma intermitente (RR 1,71 para recorrência sintomática); e substituição por antiácidos, alginato ou anti-histamínicos.
Quais pacientes devo avaliar para cirurgia antirrefluxo?
A cirurgia antirrefluxo mais comumente realizada é a fundoplicatura a Nissen, que pode ser realizada pela via laparoscópica.
A tolerância e sucesso do procedimento são boas, com durabilidade próxima de uma década, sendo os efeitos colaterais mais frequentemente relatados são a disfagia e o bloating.
A mortalidade atribuída à cirurgia encontra-se entre 0,4 e 0,8% e as complicações ameaçadoras à vida ocorrem entre 2 e 4%, mostrando a necessidade de seleção cuidadosa para o procedimento e ampla discussão sobre os riscos e benefícios com os pacientes. Vale ressaltar que os melhores candidatos à cirurgia são os que respondem bem aos IBPs: será que esse grupo realmente precisa da intervenção?
Uma das tarefas importantes que deve preceder a indicação da cirurgia é reconhecer o binômio entre fisiologia alterada e percepção dos sintomas alterada, em uma interação entre o trato gastrointestinal e o sistema nervoso central. Logo, é preciso diferenciar os transtornos funcionais, como refluxo de hipersensibilidade e pirose funcional, das etiologias orgânicas, pois as primeiras claramente não se beneficiam da intervenção.
Devemos ter em mente a importância do controle de comorbidades, como a obesidade, etilismo e tabagismo, bem como da ansiedade, depressão, hipervigilância, somatização e insônia. O sucesso no manejo delas pode trazer alívio significativo da sintomatologia gastrointestinal, evitando-se a progressão para condutas de maior morbidade.
Nesse aspecto, é importante o envolvimento de equipe multiprofissional, a exemplo de psicólogos (terapia cognitivo comportamental) e psiquiatras, a utilização de fármacos neuromoduladores, em especial os tricíclicos e, em alguns casos, recorrer à medicina alternativa, como é o caso da acupuntura.
A propedêutica que precede a abordagem cirúrgica inclui a endoscopia digestiva alta e manometria esofágica de alta resolução. É válido ainda a testagem para H. pylori e a realização de testes funcionais, como a pH-impedânciometria. A propedêutica é importante para elucidar diagnósticos diferenciais, como esofagite resistente aos IBPs, esofagite eosinofílica, distúrbios de motilidade esofágica, regurgitadores persistentes e síndrome de ruminação.
Mensagens finais e considerações práticas
- O uso indiscriminado de inibidores da bomba de prótons (IBPs) é um fato.
- A estratégia de desprescrição deve primar pelos casos em que os IBPs não estão indicados, e não no receio dos efeitos colaterais, cujas evidências apontam associações fracas e especulativas.
- As indicações de longo prazo do uso de IBPs devem ser reconhecidas, a exemplo da DRGE erosiva grau C e D ou complicada por estenose péptica ou esôfago de Barrett.
- As estratégias de desprescrição devem envolver redução gradual da dose, uso em dias alternados ou substituição por antiácidos, alginato ou anti-histamínicos. Por conta da hipersecreção ácida de rebote, a suspensão abrupta deve ser evitada.
- Antes de prosseguir com a cirurgia antirrefluxo devemos nos atentar para os amplos diagnósticos diferenciais da “DRGE refratária”: transtornos psiquiátricos, esofagite eosinofílica e transtornos da motilidade esofágica, entre outros.
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