Atualizações sobre manejo medicamentoso da insuficiência cardíaca
A insuficiência cardíaca (IC) é um problema de saúde comum e crescente. A BMJ publicou recentemente uma revisão com o objetivo de destacar o que há de mais atualizado sobre o assunto, tendo como base artigos do PubMed e Cochrane de 2015 a 2023.
Abaixo encontram-se os principais pontos dessa revisão.
Diagnóstico de IC
O diagnóstico se baseia na presença de sintomas consistentes com disfunção cardíaca na presença de redução da função sistólica do ventrículo esquerdo ou do aumento das pressões de enchimento.
A IC é categorizada em três grupos com base na fração de ejeção do ventrículo esquerdo
(FEVE):
– Insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER): FEVE ≤40%;
– Insuficiência cardíaca com fração de ejeção levemente reduzida ou intermediária (ICFEI):FEVE entre 41-49%;
– Insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEP): FEVE ≥50%.
O diagnóstico de ICFEP pode ser desafiador, já que a FEVE é normal e a determinação do aumento das pressões de enchimento pode ser difícil, já que o padrão ouro para essa avaliação é o cateterismo. Então, foram desenvolvidos escores clínicos para auxílio diagnóstico. Os mais utilizados são o H2FPEF e o HFA-PEFF, que tem valor prognóstico semelhante (Insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada: como diagnosticar – PEBMED).:
Etiologia da IC
Determinar a causa da IC é fundamental, já que algumas condições têm tratamentos específicos. O ecocardiograma transtorácico (ecoTT) identifica algumas etiologias, porém testes adicionais podem ser necessários.
A ressonância magnética pode auxiliar em casos selecionados, como nos pacientes com cardiomiopatia dilatada ou hipertrofia significativa no ecoTT. Além disso, pode sugerir o diagnóstico de miocárdio não compactado, miocardite, doença de Chagas ou amiloidose, assim como outras doenças mais raras.
Tratamento ICFER
Nesse grupo, quatro medicações melhoram a sobrevida e são indicadas para todos os pacientes: inibidores do sistema renina-angiotensina (IECA, BRA ou INRA), betabloqueadores (BB), antagonistas dos receptores mineralocorticoides e inibidores do SGLT2 (iSGLT2), sendo os INRA e iSGLT2 os mais recentemente incorporados ao tratamento. A combinação das medicações leva a redução relativa de 73% do risco de morte com NNT (número necessário para tratar) de quatro.
- Inibidor do receptor angiotensina/neprilisina
Desde 2022, a diretriz americana recomenda essa classe como preferencial em relação a IECA ou BRA. O estudo
PARADIGM-H randomizou pacientes com ICFER para tratamento com sacubitril/valsartana ou enalapril e mostrou redução de 20% de morte cardiovascular ou internação hospitalar por IC (HR 0,80, IC 95% 0,73–0,87). Também houve redução significativa dos sintomas no grupo intervenção.
Depois, o estudo PIONEER-HF mostrou benefício no início da medicação durante internação por IC, com redução de NT-proBNP comparado ao enalapril sem aumento de eventos adversos, ou seja, foi uma estratégia segura.
A Diretriz de Insuficiência Cardíaca dos EUA de 2022 agora recomenda INRA como agente de primeira linha em relação ao BRA e Ieca.
- ISGLT2
Diversos estudos mostraram redução de mortalidade e internações por IC com essa classe de medicação, representada por dapafliflozina e empagliflozina.
A sotagliflozina, combinação de inibidor SGLT1 e SGLT2 também parece ter benefício e a diretriz de 2021 da Sociedade Europeia de Cardiologia também passou a recomendá-la para pacientes com IC e diabetes.
- Diuréticos
Os diuréticos auxiliam na redução de sintomas de congestão e não tem efeito em mortalidade. A escolha é pelos diuréticos de alça. Embora os diuréticos sejam a base do tratamento para pacientes com sinais ou sintomas de congestão, eles não reduzem mortalidade.
Um estudo recente, o TRANSFORM-HF, comparou furosemida e torsemida e mostrou resultados semelhantes entre os dois.
Recentemente, um outro diurético, a acetazolamida, foi avaliado no estudo ADVOR, que mostrou melhora mais rápida da congestão nos pacientes que receberam a medicação via endovenosa, associada a diurético de alça, comparado aos que receberam apenas diurético de alça.
Os tiazídicos, avaliados em associação aos diuréticos de alça no estudo CLOROTIC, também mostraram melhora mais significativa da congestão nos que receberam a medicação comparado ao placebo, às custas de aumento da creatinina.
Esses estudos sugerem que adicionar outra classe de diurético pode melhorar a congestão em comparação a usar apenas diuréticos de alça, porém, a segurança a longo prazo ainda é incerta.
Início precoce da terapia
O estudo STRONG-HF avaliou o início e titulação rápidos do tratamento em mais de 1000 pacientes internados por IC. O grupo intervenção alcançou 100% das doses recomendadas dentro de duas semanas após a alta e o desfecho primário de reinternação por IC ou morte por todas as causas teve redução absoluta de 8,1%. Vale lembrar que esse estudo foi realizado antes dos i SGLT2 serem recomendados.
No estudo DAPA-HF, o tempo para benefício foi surpreendentemente rápido, com redução de desfechos em 28 dias após a randomização para dapagliflozina ou placebo (HR 0,51, IC95% 0,28 0,94).
Qual medicação começar primeiro e em qual ordem ainda é controverso. Porém, o início combinado parece ser a maneira mais rápida de se atingir as doses recomendadas, embora também possa aumentar o risco de efeitos colaterais temporários.
Tratamento de pacientes com fração de ejeção melhorada
Cerca de 15% dos pacientes com ICFER têm melhora da FEVE. Embora esta melhora possa implicar em recuperação, um estudo com 51 pacientes que tinham cardiomiopatia dilatada (maioria familiar ou idiopática) e recuperaram a FEVE mostrou que a interrupção da medicação levou à recidiva da IC em 46% dos casos em seis meses. Não houve recidiva nos que mantiveram a medicação.
Dessa forma, atualmente utiliza-se o termo “melhorado” e não “recuperado” e a recomendação é que mesmo que haja melhora da FEVE, o tratamento deve ser mantido, exceto se a causa da IC tiver sido completamente resolvida (taquicardiomiopatia, toxina, entre outras).
Tratamento de ICFEI e ICFEP
Os iSGLT2 são as únicas medicações recomendadas como primeira linha de tratamento (recomendação I). Os outros tratamentos são considerados de segunda linha (recomendação IIb), pois a evidência de benefício é muito mais fraca.
É importante ressaltar que os BB não são recomendados para pacientes com ICFEP. A falta de benefício foi observada em uma meta-análise que mostrou tendência não significativa de aumento de em pacientes com FEVE preservada e ritmo sinusal.
Outros tratamentos medicamentosos
- Hidrazina/dinitrato de isossorbida
Essa combinação é recomendada para pacientes negros com ICFER e NYHA III ou IV tratamento clínico otimizado. O estudo A-HeFT comparou essa medicação com placebo e mostrou redução relativa de 43% na mortalidade no seguimento médio de 10 meses.
- Ivabradina
A ivabradina inibe o canal responsável pela corrente do marcapasso cardíaco, I(f), no nó sinusal. No estudo SHIFT, a ivabradina reduziu morte cardiovascular e internações por IC em pacientes com ICFER, ritmo sinusal e frequência cardíaca ≥70 bpm, comparado ao grupo placebo (HR 0,82, IC95% 0,75–0,90). Uma ressalva é que apenas 26% dos pacientes estavam em uso da dose alvo de BB. Assim, os pacientes devem primeiro ter sua dose de BB otimizada antes do início da terapia com ivabradina.
- Infusão intravenosa de ferro
A deficiência de ferro e a anemia estão associadas a aumento da mortalidade e diminuição da capacidade de esforço. Alguns estudos mostraram que o ferro intravenoso reduz o risco de internação por IC e melhora sintomas nos pacientes com ICFER. Esses resultados não ocorrem com administração por via oral.
- Agonistas do receptor GLP1
A utilização da semaglutida ainda é controversa. No estudo SELETC houve redução de morte cardiovascular e infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral não fatais em pacientes com doença cardiovascular estabelecida e sobrepeso ou obesidade, mesmo na ausência de diabetes. Apenas 24% dos pacientes tinham IC.
Uma análise conjunta de dois estudos mostrou aumento de internação por IC com pacientes com ICFER que usaram a medicação.
Assim, os dados disponíveis até hoje concordam com o uso de agonistas de GLP1 em pacientes com ICFEP e obesidade, mas dados adicionais sobre a segurança e eficácia nos pacientes com ICFER ainda são necessários.
Conclusão
O tratamento de ICFEr atualmente é baseado no “quarteto fantástico”: inibidores do sistema renina-angiotensina (IECA, BRA ou INRA), betabloqueadores (BB), antagonistas dos receptores mineralocorticoides e inibidores do SGLT2 (iSGLT2). Quanto mais precoce o início e a otimização das doses – ainda durante a internação, se possível – maiores os benefícios. A administração de ferro IV, nesses pacientes, reduz sintomas e hospitalização.
Nos pacientes com ICFEP e ICFEI, os inibidores do SGLT2 são os únicos com recomendação I.
Os diuréticos melhoram sintomas e a associação de diferentes classes parece ser efetiva.
Os agonistas de GLP1 podem ser utilizados com segurança nos pacientes com ICFEP e obesidade, mas ainda não nos pacientes com ICFER.
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