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Cardiologia7 outubro 2024

Nova diretriz avaliação pré-operatória AHA 

As recomendações da American Heart Association (AHA) para a etapa pré-operatória foram atualizadas com novas evidências consolidadas

Anualmente estima-se que sejam realizadas 313 milhões de cirurgias no mundo. Os fatores de risco e doenças cardiovasculares (DCV) são bastante prevalentes nos pacientes submetidos a cirurgias não cardíacas e complicações cardiovasculares perioperatórias são importante causa de morbimortalidade. Recentemente foi publicada a nova diretriz americana de avaliação pré-operatória.

Abaixo, seguem os principais pontos em relação a como avaliar o paciente, do ponto de vista cardiovascular, para cirurgia não cardíaca.  

Nova diretriz avaliação pré-operatória AHA 

Imagem de freepik

Cuidado multidisciplinar 

Cada vez mais tem-se usado modelos de cuidados multidisciplinares, o que permite alinhar o cuidado pré, intra e pós-operatório. Protocolos padronizados parecem facilitar a recuperação e reduzir o risco de complicações.  

Avaliação do risco cardiovascular 

  • Escores de risco 

O risco de eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE) no perioperatório pode ser estimado por uma ferramenta de predição de risco validada. Existem diversos escores de risco e os principais são o RCRI, ou escore de Lee, a calculadora de risco do American College of Surgeons National Surgical Quality Improvement Program (NSQIP), o Gupta NSQIP para Myocardial Infarction and cardiac arrest (MICA), o escore de Goldman e o AUB-HAS2, entre outros. 

Não há evidência de que um escore seja melhor que o outro e existem algumas diferenças, inclusive em relação aos desfechos avaliados. Além disso, o poder discriminativo para cirurgias vasculares é menor e esses escores podem subestimar o risco de infarto agudo do miocárdio (IAM) neste tipo de cirurgia. 

O RCRI é um escore bastante simples, validado e comumente utilizado. É composto por 6 preditores de risco com pesos iguais (presença de doença coronária, insuficiência cardíaca (IC), doença cerebrovascular, creatinina > 2 mg/dL, diabetes em uso de insulina e cirurgia intratorácica, intraperitoneal ou vascular suprainguinal). O risco é considerado baixo quando 0-1, intermediário quando 2 e alto quando ≥ 3.  

O AUB-HAS2 também é facilmente calculado e avalia o risco de eventos em 30 dias, classificando os pacientes em risco baixo (0-1), intermediário (2-3) ou alto (> 3) com base em 6 variáveis: história de cardiopatia, história de angina ou dispneia. 

Já a calculadora do NSQIP é composta por 21 componentes e parece ter um poder discriminativo superior. 

Esses escores são utilizados em conjunto com a avaliação do tipo de cirurgia e outros fatores relacionados ao paciente, como capacidade física e alterações do exame clínico. 

  • Capacidade funcional 

A capacidade funcional também é um preditor de risco de eventos importante. Geralmente é medida em equivalentes metabólicos (METS) e podemos estimá-la perguntando ao paciente se consegue subir 2 lances de escada, o que é associado a mais de 4 METS, o corte para capacidade funcional baixa é 4. 

Podemos utilizar também um instrumento chamado DASI, uma ferramenta semiquantitativa que se baseia na avaliação da capacidade de realizar um total de 12 atividades diárias. Em alguns casos, a capacidade funcional pode ser avaliada de forma mais objetiva por meio de um teste de esforço. Ao se associar a capacidade funcional ao RCRI temos melhora do poder preditivo de risco.  

Importante ressaltar que, na maioria das vezes, pacientes assintomáticos e com boa capacidade funcional podem ser encaminhados para cirurgia sem exames adicionais. 

  • Fragilidade 

A avaliação de fragilidade é recomendada para os pacientes com 65 anos ou mais ou nos mais novos com suspeita da síndrome que serão submetidos a cirurgias não cardíacas de alto risco. Fragilidade é fator de risco independente para desfechos adversos no pós-operatório e deve ser avaliada por uma ferramenta validada, como a Clinical Frailty Scale ou o Frailty Index. Essa avaliação auxilia na definição de cuidados e decisão compartilhada com a família sobre o procedimento proposto. 

Leia também: AHA: cuidados paliativos em cardiologia

Exames complementares 

  • Biomarcadores  

A dosagem de biomarcadores, como BNP ou NT-proBNP e troponina, pode ser considerada antes da cirurgia para pacientes com DCV estabelecida ou idade ≥ 65 anos ou idade ≥ 45 anos com sintomas sugestivos de DCV que serão submetidos a cirurgia de alto risco.  

São exames baratos e facilmente disponíveis que têm mostrado bom valor prognóstico e excelente valor preditivo negativo para complicações cardiovasculares, porém não há um ponto de corte bem estabelecido. Também não há nenhuma recomendação específica em relação a manejo caso os biomarcadores venham aumentados e eles não foram avaliados nos pacientes de baixo risco. A dosagem pré-operatória de troponina também pode auxiliar na interpretação da troponina e diagnóstico de IAM no contexto pós-operatório. 

  • Eletrocardiograma 

O eletrocardiograma (ECG) é indicado para todos os pacientes com DCV conhecida, doença arterial periférica, doença cerebrovascular ou para pacientes com sintomas cardiovasculares. Também pode ser considerado para os pacientes assintomáticos que serão submetidos a cirurgia de alto risco.  

Pacientes assintomáticos que serão submetidos à cirurgia de baixo risco não têm indicação de ECG. 

  • Ecocardiograma 

O ecocardiograma (eco) deve ser realizado quando há dispneia nova, achados de IC no exame físico ou suspeita de piora de função ventricular. Nos pacientes com antecedente de IC deve ser realizado em caso de piora de dispneia ou outras alterações no status clínico, não de rotina. Nos assintomáticos e estáveis não está indicado. 

  • Testes de estresse 

Os testes de estresse podem ser realizados para pacientes que serão submetidos à cirurgia de alto risco, que têm capacidade funcional baixa ou desconhecida e risco cardiovascular perioperatório aumentado pelos escores de risco. O objetivo é avaliar se há isquemia induzível no exame.  

Não estão indicados para pacientes com baixo risco de complicações perioperatórias, que têm capacidade funcional adequada e sintomas estáveis ou que serão submetidos a procedimentos de baixo risco. 

Não está claro se um teste positivo tem valor prognóstico incremental em relação aos escores de risco habituais ou biomarcadores. Além disso, os testes são caros, muitas vezes atrasam a cirurgia e a revascularização pré-operatória não reduz MACE ou mortalidade cardiovascular, gerando potencial de excesso de exames e excesso de tratamento.   

Assim, o objetivo da avaliação pré-operatória não é identificar doença coronária não conhecida, mas identificar os pacientes nos quais uma revascularização teria benefício, como nos que tem doença de tronco de coronária ou doença multiarterial com redução da fração de ejeção, porém esses pacientes foram excluídos dos estudos.   

Em pacientes selecionados, com isquemia de alto risco suspeitada pelos sintomas ou outros fatores de risco, o teste de estresse pode guiar o manejo e angiografia só deve ser realizada se o paciente tiver características de alto risco no teste de estresse. 

  • Angiotomografia de coronárias (angioTC) 

A angioTC pode ser considerada em pacientes que serão submetidos a cirurgia de alta risco, que tem capacidade funcional baixa ou desconhecida e risco cardiovascular perioperatório alto pelos escores de risco. Não deve ser realizada em pacientes de baixo risco, com capacidade funcional adequada e sintomas estáveis que serão submetidos a procedimentos de baixo risco.  

Uma angioTC positiva tem baixo valor preditivo, ou seja, superestima o risco de MACE perioperatório, o que acaba atrasando a cirurgia e levando a procedimentos desnecessários. Além disso, não há benefício de revascularização coronária profilática para reduzir MACE em pacientes estáveis submetidos a cirurgia não cardíaca. Assim, angioTC de rotina não é recomendada. 

  • Angiografia coronária 

A angiografia coronária, ou cateterismo, não é recomendada de rotina para pacientes que serão submetidos a cirurgia não cardíaca. 

Saiba mais: Atualização das diretrizes de dislipidemia: uma visão global

Como fazer na prática? 

1º passo: Avaliar se o paciente apresenta fatores de risco cardiovasculares, DCV estabelecida ou sintomas. Caso não tenha, prosseguir para a cirurgia. Caso tenha, prosseguir para o 2º passo. 

2º passo: Avaliar se a cirurgia é de emergência. Caso seja, prosseguir para cirurgia, caso não seja, prosseguir para o 3º passo. 

3º passo: Avaliar se o paciente tem alguma descompensação cardiológica grave: síndrome coronariana aguda, arritmias instáveis, IC descompensada. Caso tenha alguma dessas condições, deve ser compensado clinicamente e a cirurgia postergada. Caso não tenha, prosseguir para o 4º passo. 

4º passo: Estimativa do risco perioperatório pelos escores e avaliação de modificadores de risco (doença valvar grave, hipertensão pulmonar grave, doença cardíaca congênita de alto risco, presença de stents ou cirurgia de revascularização prévia, AVC recente, presença de marcapasso ou cardiodesfibrilador implantável, fragilidade). 

  • Caso o paciente não tenha nenhum modificador de risco e o risco pelos escores seja baixo, deve prosseguir para cirurgia.
  • Caso tenha algum dos modificadores de risco, deve ser avaliado em relação ao melhor momento para cirurgia e necessidade de avaliação complementar específica. Realiza-se eletrocardiograma para todos e ecocardiograma se houver doença valvar, dispneia nova ou suspeita de piora de função ventricular. Deve-se iniciar tratamento específico para doença coronária ou IC ou outras, com objetivo de redução de risco. Então, prosseguir para o 5º passo.
  • Caso o paciente tenha risco elevados pelos escores e não tenha nenhum dos modificadores de risco, iniciar tratamento específico para doença coronária ou IC ou outras, com objetivo de redução de risco. Realizar ECG e prosseguir para o 5º passo.  

5º passo: Avaliar capacidade funcional: se > 4 METS ou DASI > 35, prosseguir com cirurgia. Se capacidade funcional baixa, ponderar se avaliação adicional terá impacto em tratamento e manejo perioperatório. Se não terá impacto, prosseguir com a cirurgia ou considerar estratégias alternativas, como considerar cancelar, optar por tratamento não invasivo ou cuidados paliativos. Se terá impacto, coletar troponina e BNP/NT-proBNP.  

Se os biomarcadores estiverem normais, prosseguir para cirurgia. Se alterados, avaliar risco e benefício de prosseguir com investigação adicional e se optado por prosseguir, considerar eco, testes de estresse ou angioTC de coronárias.  

Caso exames de baixo risco, prosseguir para cirurgia. Caso risco aumentado, considerar estratégias alternativas, como cancelar cirurgia, tentar tratamento não invasivo, cuidados paliativos ou proceder com cirurgia. No último caso, seriar troponina no pós-operatório.  

Comentários e conclusão 

A avaliação perioperatória teve grande evolução nos últimos anos e é importante ressaltar que os exames para avaliação cardiológica devem ser solicitados apenas quando há possível impacto em mudança de conduta, pois pode levar a diagnósticos e tratamento em excesso, com atraso do procedimento cirúrgico.

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Referências bibliográficas

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