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Infectologia27 outubro 2025

Infecções por bactérias Gram-negativas multirresistentes: Nova diretriz brasileira

Um consenso nacional é crucial para abordar os desafios relacionados as infecções causadas por bactérias multirresistentes no Brasil
Por Camila Rangel

A crescente resistência antimicrobiana entre as bactérias Gram-negativas (BGN) representa um dos grandes desafios da medicina, especialmente em países como o Brasil, onde há elevada prevalência de patógenos multirresistentes em ambientes hospitalares. 

A nova diretriz da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), publicada em outubro de 2025, oferece recomendações práticas e baseadas em evidências para o manejo de infecções causadas por BGN-MDR, considerando as particularidades epidemiológicas e estruturais do sistema de saúde brasileiro, as diferenças no padrão de resistência aos patógenos, ferramentas diagnósticas e disponibilidade de antimicrobianos.  

Metodologia 

Foram selecionados médicos infectologistas de diversas localidades do Brasil com experiência em tratamento de infecções causadas por bactérias gram-negativas multirresistentes, pela Sociedade Brasileira de Infectologia. O processo incluiu revisão de literatura, reuniões presenciais e virtuais, apresentação em congresso nacional e consulta pública. 

Foram considerados os microrganismos classificados como críticos pela Organização Mundial de Saúde, que incluem:  

  • Enterobactérias Resistentes a Carbapenêmicos (ERC); 
  • Acinetobacter baumannii; 
  • Pseudomonas aeruginosa; 
  • Enterobactérias produtoras de ESBL e AmpC; 
  • Stenotrophomonas maltophilia e Burkholderia cepacia. 

Em relação aos testes de sensibilidade, considerou-se a classificação do BrCAST/EUCAST: 

  • S: sensível 
  • (S): sem ponto de corte para uso em monoterapia 
  • I: sensível com aumento de exposição (usar doses mais altas para determinado antibiótico) 
  • R: resistente 

Leia também: Passo a passo para o uso de antibióticos em infecções graves 

Infecções por bactérias Gram-negativas multirresistentes: Nova diretriz brasileira

Ilustração da bacteria Pseudomonas aeruginosa. Imagem de Jennifer Oosthuizen/CDC

Recomendações: infecções por bactérias Gram-negativas multirresistentes

As recomendações foram divididas por patógeno e por sítio de infecção: trato respiratório, pele e partes moles, infecções primárias da corrente sanguínea e infecções intra-abdominais. 

A escolha da terapia empírica deve-se basear: 

  • Presença de colonização no paciente; 
  • Uso recente de antimicrobianos e/ou internações recentes; 
  • Epidemiologia local do perfil bacteriano, de acordo com sítio de infecção, sensibilidade antimicrobiana e fatores de risco individuais para infecções por bactérias multirresistentes.

Terapia antimicrobiana  

  • Enterobacterales produtoras de EBSL e AmpC: 

Os carbapenêmicos são os medicamentos de escolha para infecções sistêmicas. Em pacientes com hipoalbuminemia ou criticamente doentes, preferir meropenem ou imipenem em detrimento a ertapenem. Avaliar uso de Cefepime em casos de isolados de AmpC sensíveis a cefalosporinas de terceira geração e em casos selecionados, de infecções não graves, de isolados resistentes a essas cefalosprinas (mas não em casos de ESBL). 

Fluoroquinolonas podem ser consideradas como agentes alternativos em pacientes estáveis com infecções mais leves e em que há suscetibilidade confirmada. 

Para casos de infecção urinária, quando há suscetibilidade confirmada, fluoroquinolonas (ciprofloxacino ou levofloxacino) são uma alternativa para casos de infecção por bactérias produtoras de ESBL e AmpC. Contudo, para casos de pacientes críticos ou hemodinamicamente estáveis, recomenda-se meropenem. Cefepime pode ser usado nesse perfil de pacientes em infecções por produtores de AmpC sensíveis a cefalosporinas de terceira geração. Piperacilina/tazobactam pode ser uma alternativa em pacientes estáveis, não graves, com infecções causadas por ESBL (mas não em casos de AmpC). 

Para infecções urinárias não complicadas, considerar fosfomicina e nitrofurantoína contra Escherichia coli. Dar preferência a antimicrobianos orais, como ciprofloxacino, levofloxacino ou SMX-TMP. 

  • Enterobacterales resistentes a carbapenêmicos: 

Preferencialmente monoterapia com ceftazidima-avibactam ou imipenem-relebactam, de acordo com perfil de resistência. Em casos de indisponibilidade, sugere-se combinações de polimixinas com meropenem ou aminoglicosídeos. 

Em infecções causadas por produtores de metalo-betalactamases, a opção preferencial é a combinação de ceftazidima-avibactam e aztreonam. Quando há sensibilidade a aztreonam isolado, esse antimicrobiano pode ser considerado como opção em combinação com uma polimixina. 

  • Acinetobacter baumannii resistente a carbapenêmicos: 

Recomenda-se terapia combinada, com destaque para ampicilina-sulbactam associada a tigeciclina ou polimixina B, a depender dos resultados do teste de sensibilidade. 

  • Pseudomonas aeruginosa resistente a carbapenêmicos: 

Cosiderar o uso racional dos novos betalactâmicos com inibidores de betalactamase, como a ceftazidima-avibactam, com atenção ao mecanismo de resistência envolvido. Para infecções por P. aeruginosa resistentes a imipenem, mas não produtoras de carbapenemase, betalactâmicos ou fluoroquinolonas podem ser utilizados em monoterapia em pacientes com infecções menos graves, com controle de foco adequado e sem neutropenia, sendo ceftazidima ou cefepime os agentes preferenciais. Nos demais casos, dar preferência a ceftalozane-tazobactam ou, se indisponível, ceftazidima-avibactam. 

Em casos de infecção urinária sem sinais de gravidade, um betalactâmico ou fluoroquinolona em monoterapia podem ser usados como primeira escolha, com aminoglicosídeos como opção se não houver risco considerável de nefrotoxicidade. Nos casos em que só há sensibilidade há polimixina, essa classe pode ser considerada como opção em monoterapia em pacientes estáveis. Para infecções com sepse, recomenda-se a combinação de polimixina com meropenem. 

Nas infecções sistêmicas em que o mecanismo de resistência é a produção de carbapenemases, a recomendação é monoterapia com ceftazidima-avibactam ou imipenem-relebactam. Combinação de polimixina com um aminoglicosídeo ou uma fluoroquinolona é uma alternativa quando as opções anteriores não estiverem disponíveis. Se houver produção de metalo-betalactamases, recomenda-se ceftazidima-avibactam combinado com aztreonam, com ou sem polimixina, a depender do quadro clínico do paciente e do perfil de sensibilidade do isolado.  

  • Stenotrophomonas maltophilia: 

O tratamento desse patógeno continua desafiador. As opções terapêuticas preferenciais para infecções moderadas incluem TMP-SMX combinado com tigeciclina ou levofloxacino. A combinação ceftazidima-avibactam com aztreonam deve ser considerada em paciente com doença grave que não respondam ao esquema de primeira linha ou quando as combinações anteriores não forem possíveis. 

  • Burkholderia cepacia 

Recomenda-se o manejo de infecções graves baseado nos resultados da CIM (concentração inibitória mínima). Avaliar uso de TMP-SMX, meropenem, ceftazidima ou levofloxacino e a combinação de dois agentes. 

O tempo de tratamento deve ser individualizado e baseado em evidências científicas, que, no geral, favorecem cursos mais curtos de antibioticoterapia. É importante salientar que controle do foco é essencial para resolução do quadro infeccioso e que infecções em locais considerados como de difícil tratamento – como infecções em sistema nervoso central, endocardite ou osteomielite – geralmente tempos e doses maiores são necessários. 

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Mensagem prática 

Esta diretriz representa um avanço na prática clínica no Brasil, ao oferecer recomendações adaptadas à realidade nacional, com foco na segurança do paciente e no uso adequado de antimicrobianos. O documento também reforça a necessidade de ampliar o acesso a novos antimicrobianos e métodos diagnósticos, especialmente no sistema público, como estratégia para reduzir a mortalidade e a disseminação de resistência. 

O documento original apresenta tabelas com os medicamentos, doses e posologias sugerias para cada sítio de infecção.

Autoria

Foto de Camila Rangel

Camila Rangel

Médica graduada pela Universidade Federal de Juiz de Fora em 2018. Infectologista pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais de 2019 a 2022. Mestra pela Faculdade de Medicina da UFMG em 2025. Infectologista do Controle de Infecção Hospitalar do HC-UFMG e Auditora Médica da Unimed Federação Minas.

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Referências bibliográficas

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