Nas últimas décadas, temos presenciado uma tendência de encurtamento da antibioticoterapia em infecções comuns, como pneumonia, pielonefrite, celulite e as intra-abdominais. Além de não implicar em piora dos desfechos, essa prática tende a reduzir custos em saúde e a minimizar eventos adversos, como infecção por Clostridioides difficile, alergia a antibióticos e pressão seletiva para a resistência antimicrobiana. Entretanto, a bacteremia geralmente era definida como critério de exclusão na maioria dos estudos que embasaram essa recomendação. O estudo BALANCE, publicado em março de 2025 no NEJM, nos trouxe mais segurança para a redução da antibioticoterapia de 14 para 7 dias na maioria das infecções de corrente sanguínea.
As infecções de corrente sanguínea são graves e potencialmente fatais. Embora a antibioticoterapia precoce seja crucial, não há uma definição clara sobre a duração ideal do tratamento. As vantagens de se encurtar o tratamento incluem questões orçamentárias e a contingência de efeitos colaterais. Por outro lado, o receio é de que tal prática possa aumentar a falha terapêutica ou a taxa de recorrência da infecção.
Em março de 2025, foi publicado o estudo multicêntrico BALANCE – Bacteremia Antibiotic Length Actually Needed for Clinical Effectiveness, com base em não inferioridade, randomizado, aberto e controlado, que alocou indivíduos hospitalizados com infecção de corrente sanguínea, proveniente de mais de 70 hospitais sediados em 7 países, em 2 braços: 7 vs. 14 dias de antibioticoterapia.
Os critérios de exclusão foram imunodepressão grave, focos de infecção com demanda por tratamento prolongado (endocardite, osteomielite, artrite séptica, coleções não drenadas ou infecções associadas a próteses, por exemplo), interpretação de hemoculturas positivas como simples contaminação (Staphylococcus coagulase-negativo), fungemia e bacteremia por Staphylococcus aureus ou S. lugdunensis, em virtude de sua maior virulência, capacidade de adesão tecidual e disseminação metastática.
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O desfecho primário foi a mortalidade por qualquer causa em 90 dias, tendo sido adotada a margem de não inferioridade de 4%.
Foram incluídos mais de 3.600 pacientes na análise por intenção de tratamento, um número que atendeu ao cálculo amostral para um poder estatístico de 80%. A mediana de idade de 70 anos, com discreto predomínio do sexo masculino (53% vs. 47%). O escore de SOFA mediano foi de 4 pontos, a internação em terapia intensiva superou metade dos casos e um quinto dos indivíduos estava sob ventilação mecânica. As comorbidades mais comuns foram diabetes mellitus, maligidades de órgãos sólidos e obesidade. A origem da infecção foi comunitária em três quartos da amostra.
Os sítios primários mais frequentes foram o trato urinário (~42%), abdome e vias biliares (~18%) e trato respiratório inferior (13%); enquanto os principais patógenos identificados foram a Escherichia coli (~44%), Klebsiella (15%) e Enterococcus (7%).
Desfecho primário |
Tempo de antibioticoterapia |
Diferença | |
7 dias |
14 dias | ||
Mortalidade geral (90 dias) |
14,5% |
16,1% |
-1,6% (IC 95%: -4 a 0,8%) |
Dessa forma, concluiu-se a não inferioridade do tratamento encurtado em relação ao ampliado, ao atender a margem previamente definida de 4%.
Os principais méritos do estudo foram a metodologia apurada, a grande amostra envolvida, a inclusão de pacientes críticos e a estreita margem de não inferioridade utilizada. Em contrapartida, as maiores limitações incluíram o desvio do tempo de duração do tratamento inicialmente designado em uma parcela significativa dos pacientes; a natureza aberta do estudo e a ausência de grupo placebo, que amplificam o risco de viés; a escolha a cargo da equipe assistente do antibiótico, posologia e via de administração, que induzem à heterogenidade; e a exclusão do segundo principal agente implicado em bacteremias: S. aureus.
Conclusão e mensagens práticas
- O tratamento encurtado, com duração de sete dias, destinado às infecções de corrente sanguínea, demonstrou-se não inferior ao tratamento ampliado e tradicional de 14 dias, excluindo-se indivíduos com imunossupressão grave e bacteremia por Staphylococcus aureus, por exemplo.
- Os benefícios da terapia encurtada incluem a mitigação de custos em saúde e redução da exposição antimicrobiana.
- Os resultados amparam fortemente um tratamento mais curto nas infecções de corrente sanguínea, mas são necessárias pesquisas adicionais para validação desses dados e individualização do plano terapêutico em subgrupos de maior vulnerabilidade à falha do tratamento.
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