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Infectologia18 novembro 2024

Diagnóstico e manejo de infecções necrotizantes: revisão prática 

As infecções necrotizantes de partes moles são infecções bacterianas raras da pele e tecidos moles com alta taxa de morbidade e mortalidade

As infecções necrotizantes são infecções associadas a grande morbidade e mortalidade, cujo diagnóstico é muitas vezes difícil, uma vez que a apresentação pode ser sutil e variada. Diante disso, é importante que a equipe assistencial mantenha um alto nível de suspeição e que o manejo adequado seja implementado precocemente. Veja a seguir os pontos principais sobre essa condição. 

Epidemiologia: mortalidade e morbidade 

Segundo estudos, a mortalidade associada a infecções necrotizantes vem diminuindo nos últimos anos, embora sua incidência venha aumentando. Acredita-se que esse fato esteja relacionado a um melhor reconhecimento da doença. Contudo, a taxa de mortalidade segue elevada, variando entre 10 e 20%. Entre os sobreviventes, estima-se que 15% necessitem de amputação e até 30% apresentam alguma forma de limitação. 

Diagnóstico 

O diagnóstico é essencialmente clínico. Fatores de risco incluem obesidade, diabetes mellitus, doença vascular periférica e imunossupressão. Uso de drogas injetáveis ou feridas profundas também estão associados ao seu desenvolvimento. 

Os locais mais comumente acometidos são as regiões perineais, anorretais, pés e membros inferiores, mas a infecção pode se desenvolver em qualquer área do corpo. 

Inicialmente, o quadro clínico pode ser semelhante ao de uma celulite, com eritema ou descoloração leve da pele. Os sinais clássicos raramente estão todos presentes, especialmente nas fases iniciais. Crepitação ou gás em partes moles são sinais específicos, mas estão presentes somente em 10% dos casos. 

Sinais e sintomas mais frequentes incluem febre, dor, enduração e edema. A presença de dor desproporcional aos achados físicos é uma característica que pode auxiliar na diferenciação com quadros de celulite simples. 

Bolhas, equimoses precedendo necrose cutânea e anestesia cutânea são sugestivos de infecção necrotizante, porém são achados tardios e são relativamente pouco frequentes, com relatos de ocorrência em 7 a 44% dos casos. 

Em relação aos exames complementares, os exames de imagem podem auxiliar o diagnóstico, com visualização de gás em partes moles em 47,9% em radiografias e 70,3% em tomografias computadorizadas. Entretanto, é importante destacar que a ausência de achados radiológicos não é capaz de excluir o diagnóstico. 

Exames laboratoriais compõem alguns escores clínicos que têm o objetivo de aumentar a suspeição de infecção necrotizante. Um dos mais utilizados é o Laboratory Risk Indicator for Necrotizing Fasciitis Score, mas sua acurácia não é suficiente para permitir que decisões clínicas sejam baseadas em seu uso isolado. Um escore de até 5 é classificado como baixo risco, ≥ 6 é considerado como risco intermediário e ≥ 8, como de alto risco. 

Laboratory Risk Indicator for Necrotizing Fasciitis 

Variável Escore 
Proteína C reativa  
< 15 mg/dL 0 
≥ 15 mg/dL 4 
Leucograma  
< 15.000/mm³ 0 
15.000 – 25.000/mm³ 1 
> 25.000/mm³ 2 
Hemoglobina  
>13,5 g/dL 0 
11,0 – 13,5 g/dL 1 
< 11,0 g/dL 2 
Na  
≥ 135 mmol/L 0 
< 135 mmol/L 2 
Creatinina  
≤ 1,6 mg/dL 0 
>1,6 mg/dL 2 
Glicose  
≤ 180 mg/dL 0 
>180 mg/dL 1 

Diagnóstico e manejo de infecções necrotizantes: revisão prática 

Imagem de CDC - Alterações necróticas em fibra muscular

Microbiologia 

Infecções necrotizantes são comumente polimicrobianas, com cocos Gram-positivos, bastonetes Gram-negativos e bactérias anaeróbias sendo implicados como agentes etiológicos. 

Historicamente, essas infecções podem ser classificadas de acordo com a etiologia em: 

  • tipo I: polimicrobiana; 
  • tipo II: monomicrobiana; 
  • tipo III: derivada de bactérias aquáticas. 

Subtipos especiais de infecção necrotizante monomicrobiana incluem as causadas por espécies de Clostridium spp e por estreptococos β-hemolíticos do grupo A, que estão associados à produção de toxinas e desenvolvimento de quadros graves. As infecções por Clostridium spp. classicamente se apresentam com leucocitose significativa e uma contagem de leucócitos > 40.000 na admissão está associada a pior prognóstico. Achados radiológicos e cirúrgicos podem incluir gangrena gasosa e mionecrose, com evolução rápida para destruição tecidual. As infecções de origem estreptocócica também podem estar associadas à mionecrose, além de liberação intensa de citocinas e síndrome do choque tóxico. Vibrio spp. e Aeromonas spp. são bactérias aquáticas que, embora raras, apresentam alta mortalidade, podendo chegar a 20-30%, geralmente nas primeiras 48 horas. 

Tratamento 

O tratamento das infecções necrotizantes é baseado em medidas de suporte, antibioticoterapia e desbridamento cirúrgico, que devem ser realizados o mais precocemente possível. Atrasos em 6 a 12 horas na abordagem cirúrgica estão associados ao aumento de mortalidade. 

A extensão do desbridamento depende das camadas de tecido comprometidas e a fáscia muscular deve ser exposta e explorada completamente, com retirada de qualquer tecido que pareça isquêmico ou necrótico. Sangramento de bordas, ausência de trombos vascular visível, planos fasciais que não se separam facilmente com tensão e aparência de viabilidade em fáscias e músculos são sinais de desbridamento adequado. Como a infecção é primariamente de tecidos profundos, a incisão inicial não precisa englobar toda a área de celulite visível na pele. Casos de gangrena de Fournier devem ser manejados em conjunto com equipes de Urologia. 

O tempo para reabordagem não está bem definido, mas a maior parte dos cirurgiões recomenda que seja realizada dentro de 24 horas. Um limiar baixo deve ser mantido para revisões cirúrgicas caso haja suspeita de progressão. Para pacientes com acometimento de região perineal, cirurgias de derivação de trânsito podem ser consideradas, mas não são consideradas obrigatórias. Curativos com pressão negativa devem ser evitados na fase aguda devido à necessidade frequente de inspeção e revisão da ferida. 

O esquema antibiótico empírico inicial deve ser de amplo espectro, com cobertura para bactérias Gram-positivas (incluindo MRSA), Gram-negativas e anaeróbias. O uso de antibióticos que atuem sobre a produção de toxinas, como a clindamicina, é recomendado. Amostras de tecido e fluidos coletados durante o ato cirúrgico devem ser enviados para cultura e o esquema, ajustado após os resultados. 

O tempo total de antibioticoterapia após o desbridamento ainda é controverso. Para pacientes com bacteremia, deve ser guiado de acordo com o agente isolado. Para os casos sem bacteremia, após desbridamento e estabilização, o tempo de tratamento é muito variável, variando de 5 a 16 dias, a critério da equipe assistente. 

Não existem recomendações para o uso de terapias adjuvantes, como terapia hiperbárica e imunoglobulina. 

Cuidados pós-operatórios 

Pacientes com infecção necrotizante são considerados de alto risco para o desenvolvimento de complicações no pós-operatório, incluindo pneumonia associada à ventilação mecânica, disfunção renal aguda e complicações cardíacas. Amputações de membros extremidades são reportados em aproximadamente 25% dos casos. Recomenda-se que o pós-operatório seja realizado em ambientes de alta vigilância. 

Fatores como idade avançada, disfunção renal, hepatopatias, insuficiência cardíaca, doença vascular periférica, neoplasias e outras formas de imunossupressão e uso de drogas intravenosas estão associados a maiores morbidade e mortalidade. A presença de Clostridium spp. como agente etiológico configura um fator independente para mortalidade e amputação. 

Saiba mais: Infecções necrotizantes de pele e partes moles  

As feridas resultantes do acometimento profundo e após o desbridamento comumente são grandes e complexas, exigindo cuidado multidisciplinar. Os objetivos dos cuidados no pós-operatório devem ser manter a ferida limpa, monitorar progressão da infecção e evitar dissecção de estruturas como ossos, tendões ou cartilagens. O controle adequado de dor não deve ser negligenciado, podendo interferir com o manejo dos curativos. Uma vez que a infecção esteja controlada, curativos com pressão negativa podem ajudar na revascularização da ferida e no controle álgico. O envolvimento de profissionais com experiência em cuidados de grandes queimados e feridas complexas pode ajudar no manejo desses pacientes.

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Referências bibliográficas

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