Bacteremia por Staphylococcus aureus: quais as controvérsias no manejo atual?
Infecções por S. aureus constituem uma importante causa de morbidade mundialmente e estão relacionadas à alta mortalidade. Casos de bacteremia apresentam alta heterogeneidade clínica, podendo cursar com complicações como endocardite.
Apesar de diversas diretrizes publicadas, o manejo de bacteremia por S. aureus é heterogêneo. Uma revisão publicada na Clinical Infectious Diseases discutiu os principais aspectos da investigação e tratamento dessa condição, com foco nos pontos que ainda são controversos.
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Avaliação mínima da bacteremia
Diante de um caso de bacteremia por S. aureus, há consenso de que a avaliação mínima do paciente deve conter:
- Anamnese e exame físico rigorosos, pesquisando tanto o foco inicial quanto possível comprometimento metastático;
- Acompanhamento conjunto com especialista em Infectologia;
- Coleta de hemoculturas de controle;
- Ecocardiograma.
Quando solicitar ecocardiograma transesofágico?
Apesar de variar entre os estudos, a sensibilidade do ecocardiograma transesofágico (ECO-TE) é consistentemente maior do que a modalidade transtorácica (ECO-TT). Além disso, o ECO-TE tem historicamente demonstrado melhor detecção de vegetações pequenas, abscessos intracardíacos, perfurações em valvas esquerdas e envolvimento de valva protética.
A escolha de realizar um ECO-TE na presença de um ECO-TT normal depende da probabilidade pré-teste de endocardite infecciosa, da qualidade do ECO-TT e dos fatores de risco do hospedeiro. O ECO-TT pode ser suficiente em pacientes de baixo risco: aquisição nosocomial da infecção estafilocócica, com culturas de controle negativas, sem dispositivo intracardíaco permanente, sem dependência de hemodiálise e sem sinais clínicos de endocardite infecciosa e nem de foco secundário.
Alguns escores clínicos, como o POSITIVE, o PREDICT e o VIRSTA, foram desenvolvidos como uma forma de tentar melhorar a estratificação do risco de endocardite. Desses, o VIRSTA apresentou melhor valor preditivo negativo e pacientes classificados como tendo risco muito baixo provavelmente não se beneficiam de investigação adicional com ECO-TE.
O escore VIRSTA consiste em 10 variáveis que devem ser avaliadas nas primeiras 48h a partir da documentação de bacteremia de S. aureus. Uma pontuação ≥ 3 é considerada como positiva (alto risco) e pontuações ≤ 2, como negativas (baixo risco) para endocardite. Os critérios considerados no VIRSTA estão relacionados na tabela abaixo. Note que as primeiras 5 variáveis, quando presentes, já configuram uma pontuação ≥ 3 mesmo se isoladas e já indicariam a realização de ECO-TE segundo o escore.
Variável | Pontuação |
Presença de êmbolos cerebrais ou periféricos | 5 pontos |
Meningite | 5 pontos |
Presença de dispositivo intracardíaco definitivo ou endocardite infecciosa prévia | 4 pontos |
Doença valvar prévia | 3 pontos |
Uso de drogas intravenosas | 4 pontos |
Bacteremia persistente (hemoculturas positivas após 48h de tratamento) | 3 pontos |
Osteomielite vertebral | 2 pontos |
Aquisição comunitária (ou não nosocomial) | 2 pontos |
Sepse ou choque séptico | 1 ponto |
PCR > 190mg/L (19mg/dL) | 1 ponto |
Qual a frequência de solicitação de hemoculturas de controle?
Hemoculturas persistentemente positivas são um marcador de mau prognóstico em casos de bacteremia por S. aureus e alguns consideram sua presença como um indicativo para aprofundamento de investigação. O guideline de 2011 da IDSA recomenda a coleta de hemoculturas em 2 a 4 dias e conforme necessário após isso.
Embora a prática mais usual seja interromper a realização desse procedimento, uma vez que os resultados sejam negativos, alguns pacientes podem apresentar bacteremia intermitente, o que pode ter implicações em casos em que o implante de dispositivos é necessário.
Qual o papel dos testes moleculares no manejo e tratamento?
O uso de métodos moleculares multiplex, que permitem testagem e identificação de patógenos a partir de amostras positivas diretamente do frasco de hemocultura, foi associado a menor tempo para ajuste de antibioticoterapia na presença de S. aureus sensível à oxacilina (MSSA), uma vez que muitas plataformas permitem a identificação de genes de resistência. O impacto da intervenção foi ainda maior quando utilizada em conjunto com comunicação direta com a equipe assistente.
Quando deve-se solicitar outros exames de imagem?
Nos casos de suspeita de acometimento de coluna vertebral, a RNM com contraste é o exame de imagem de escolha. Porém, quais pacientes devem ser submetidos à RNM e, para os casos de osteomielite, se o exame deve contemplar toda a coluna ou somente o segmento suspeito são questões que ainda precisam ser mais investigadas.
O uso de PET/CT ainda é controverso, com resultados de alguns estudos mostrando benefício em redução de mortalidade. Entretanto, tais resultados foram questionados pela possibilidade de viés de sobrevivência. Um ensaio clínico randomizado para avaliar o uso de PET/CT na identificação de focos secundários está em curso, com previsão de término em 2024.
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Tratamento da bacteremia
Em relação ao tratamento, as recomendações atuais são as seguintes:
- Uso de cefazolina ou de penicilina anti-estafilocócica para MSSA;
- Uso e monitorização de nível sérico de vancomicina e daptomicina para MRSA;
- Controle precoce de foco;
- Tratamento de quatro a seis semanas para bacteremias de alto risco.
Deve-se associar betalactâmicos à cobertura empírica para MRSA em locais em que a prevalência de resistência é alta?
Dados retrospectivos mostraram que a adição precoce (durante os primeiros quatro dias de bacteremia) de beta-lactâmicos no tratamento de bacteremia estafilocócica apresentou performance semelhante à de monoterapia com vancomicina.
Além disso, dados do estudo CAMERA-2 mostraram aumento significativo na incidência de lesão renal aguda no grupo com terapia combinada para MRSA em comparação com o grupo que recebeu monoterapia. Entretanto, a disfunção renal só foi aparente após cerca de cinco dias de tratamento e períodos mais curtos podem ser mais seguros.
Quando penicilinas anti-estafilocócicas são preferíveis em relação à cefazolina?
Historicamente, oxacilina tem sido preferida em relação à cefazolina em casos de endocardite ou de comprometimento de SNC. Além de preocupações com penetração adequada através da barreira hematoencefálica, alguns estudos mostraram uma elevação da MIC quando testes de sensibilidade são realizados com inóculos maiores do que o padrão.
Contudo, estudos observacionais mais recentes sugerem eficácia semelhante ou com tendência a ser superior de cefazolina em comparação com penicilinas anti-estafilocócicas.
Qual antibiótico e dosagem de escolha para o tratamento definitivo de bacteremia por MRSA?
Vancomicina continua sendo considerada a droga de escolha para o tratamento de bacteremia por MRSA na maioria dos pacientes. As doses devem ser ajustadas de acordo com parâmetros de “área abaixo da curva” (AUC) com o objetivo de sua administração mais segura.
Daptomicina é o único outro antibiótico aprovado pela FDA norte-americana para o tratamento de bacteremia por MRSA. Apesar da dose aprovada ser de 6mg/kg/dia, especialistas têm recomendado o uso de doses mais altas (8 – 12mg/kg/dia), que estão associadas a melhores desfechos clínicos, como maiores taxas de cura em pacientes com endocardite infecciosa, e são bem toleradas. A daptomicina é inativada pelo surfactante pulmonar, não sendo recomendada em casos de pneumonia primária.
Linezolida e sulfametoxazol-trimetoprim não são recomendados como primeira linha de bacteremia por MRSA. Ceftaroline e ceftobiprole são novas cefalosporinas com ação contra MSSA e MRSA e que estão sob investigação para o tratamento de bacteremia. As evidências atuais não recomendam o uso adjuvante de rifampicina ou gentamicina em casos de bacteremia ou endocardite de valva nativa por S. aureus, mas, em casos de endocardite em prótese valvar, seu uso permanece controverso.
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Quando considerar mudança de terapia por falta de resposta?
Enquanto o guideline sobre tratamento de infecções por MRSA da IDSA de 2011 estabeleça sete dias como o ponto de corte para bacteremia persistente, alguns especialistas consideram que qualquer hemocultura de controle positiva seria um sinal de alarme.
A melhor escolha de esquema de antibiótico em casos de falha terapêutica ainda não está estabelecida. Estudos in vitro e observacionais sugerem que a combinação de daptomicina em altas doses com ceftaroline pode ser útil em infecções persistentes por MRSA. Já as infecções por MSSA nesse contexto são menos estudadas. Alguns recomendam troca para uma penicilina com ação anti-estafilocócica ou para daptomicina em altas doses, enquanto outros sugerem terapia combinada, como cefazolina e ertapenem.
Mais ensaios clínicos estão em andamento e pretendem avaliar tempo de tratamento e a utilidade de terapia oral precoce no tratamento de bacteremias por S. aureus. Espera-se que esses resultados possam trazer mais evidências em relação ao assunto e auxiliar no direcionamento do manejo dessa condição.
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