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Cardiologia19 abril 2024

ACP 2024: Discussão sobre a síndrome coronariana aguda

Confira a discussão completa sobre a síndrome coronariana aguda no ACP 2024.
Por Leandro Lima

O estado da arte sobre a síndrome coronariana aguda (SCA) foi abordado na presente edição do congresso da American College Physicians (ACP 2024) de forma concisa pelo Dr. David Berg, médico assistente do hospital Brigham e professor adjunto da faculdade de medicina de Harvard. Traremos aqui os principais pontos abordados, muitos já sedimentados na literatura médica.   

síndrome coronariana aguda

O espectro da SCA

A SCA se subdivide classicamente em: 

  • Angina instável (AI); 
  • Infarto agudo do miocárdio (IAM) sem supradesnivelamento do segmento ST (diferenciando-se da AI pela elevação da troponina);  
  • IAM com supradesnivelamento de ST, relacionado à oclusão total da coronária envolvida. 

Como avaliar bem a dor torácica na emergência? 

Diante de pacientes com dor torácica aguda atendidos em pronto-socorro, uma das principais tarefas do médico emergencista é definir se ela é de padrão isquêmico.  

A entrevista médica, alicerce principal do método clínico, traz alguns importantes elementos discriminativos, entre os quais destacamos: 

Dados da entrevista 

LH+ 

LH- 

Irradiação da dor para o membro superior ou ombro direito 

4,7 

 

Irradiação da dor para ambos membros superiores e/ou ombros 

4,1 

 

Dor relacionada ao esforço 

2,4 

 

Diaforese 

2,0 

 

Dor pleurítica 

 

0,2 

Dor postural/posicional 

 

0,3 

Dor à palpação local 

 

0,3 

Eletrocardiograma 

O ECG deve ser obtido nos primeiros 10 minutos da admissão no serviço de saúde. Entre os indivíduos com SCA, o traçado inicial revela elementos isquêmicos em menos da metade dos casos. Dessa forma, é importante realizar o seriamento, bem como empregar derivações adicionais para surpreender infarto de ventrículo direito (V4R) e posterior (V7-9), relacionados ao acometimento da coronária direita e circunflexa, respectivamente.  

Os critérios eletrocardiográficos para a elevação do segmento ST são definidos com base no sexo, idade e derivações, desde que atenda à distribuição coronariana. 

Nas derivações V2-V3, o supradesnivelamento deve preencher os seguintes critérios: 

  • ≥ 2,5 mm (homens com menos de 40 anos); 
  • ≥ 2 mm (homens ≥ 40 anos); 
  • ≥ 1,5 mm (mulheres). 

Nas demais derivações, valoriza-se elevações do ponto jota ≥ 1 mm. 

Por outro lado, na SCA sem supra, frequentemente observamos infradesnivelamento do ST (≥ 0,5 mm) e inversão simétrica de onda T (≥ 1 mm).  

Nos casos já evoluídos, pode-se observar ondas Q de necrose ou má progressão da onda R nas derivações precordiais.  

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Biomarcadores 

A abordagem laboratorial moderna da SCA deve se pautar na dosagem de troponina de alta sensibilidade (ng/L), que permite fluxos diagnósticos mais rápidos, com coletas em uma e três horas após o início da dor. Nos serviços que disponham apenas da troponina convencional (µg/L), as coletas devem ser realizadas em três e seis horas.  

As troponinas ultrassensíveis têm alto valor preditivo negativo, mas apresentam taxas mais elevadas de resultados falso-positivos. Devemos sempre nos lembrar da possibilidade de lesão miocárdica crônica diante de aumento de troponina, especialmente na ausência de variações significativas nas dosagens seriadas e níveis inferiores a cinco vezes o limite superior da normalidade.  

Os resultados positivos são definidos a partir do percentil 99 da população geral, sendo valorizadas as curvas de ascensão e descenso, desde que exista variação significativa entre as medidas (> 20%). Na ausência de variação, deve-se considerar a possibilidade de lesão miocárdica crônica não isquêmica, a exemplo de insuficiência cardíaca, miocardite, hipertensão pulmonar e doença renal crônica. As elevações agudas de troponina devem ser diferenciadas da lesão induzida por ablação, desfibrilação e contusão, bem como sepse, tromboembolismo pulmonar e acidente vascular encefálico.  

Quarta definição universal do IAM (2018) 

O diagnóstico de IAM deve ser diferenciado, em termos etiológicos, nos seguintes tipos: 

  • Aterotrombose (placa com ruptura ou erosão);
  • Desequilíbrio entre oferta e demanda miocárdica (vasoespasmo, hiper/hipotensão arterial, bradicardia, taquiarritmias e anemias graves);
  • Morte cardíaca;
  •  Relacionado à intervenção coronária percutânea (ICP);
  • Relacionado à cirurgia de revascularização miocárdica.  

Terapia antianginosa 

A terapia anti-isquêmica é pautada no uso dos betabloqueadores, preferencialmente administrados pela via oral. Entre os seus principais benefícios estão a redução de recorrência de IAM e da incidência de arritmias. A sua introdução deve ser evitada na presença de insuficiência cardíaca descompensada ou alto risco para choque cardiogênico. Todavia, a sua utilização deve ser limitada à fase aguda, de forma na doença coronariana crônica,(DAC), na ausência de disfunção ventricular esquerda, parece não se associar a benefícios clínicos, conforme os dados do estudo REDUCE AMI, publicado em 2024 no NEJM. 

Os nitratos, amplamente utilizados, são seguros e auxiliam no alívio da angina, mas não trazem benefícios sobre a mortalidade.  

Os bloqueadores de canais de cálcio raramente são empregados, sendo cogitados diante de angina e hipertensão persistente a despeito de doses máximas de betabloqueadores e nitratos. 

A morfina somente deve ser utilizada na dor grave e não controlada com as medidas supracitadas, pois pode mascarar a angina e reduzir a absorção de fármacos essenciais em decorrência dos efeitos adversos gastrointestinais. 

A oxigenoterapia deve ser limitada aos pacientes hipoxêmicos.  

Abertura das artérias 

A abertura das coronárias, preferencialmente pela via mecânica, deve ser a primeira opção na SCA, pois a ICP se associa a melhores desfechos do que a trombólise.  

Na atualidade, a fibrinólise só é justificada em cenários de recursos limitados e quando o tempo porta-agulha ultrapassar 120 minutos. 

Um questionamento frequente é até quando vale a pena desobstruir uma coronária diante de IAM com supra de ST.  

Os pacientes que apresentam delta T superior a 12 horas, mas com sintomas isquêmicos persistentes, se beneficiam com redução do tamanho da área infartada com a reperfusão mecânica (8% vs 13%, P < 0,001), conforme dados de artigo publicado no JAMA em 2005.  

Estudo publicado por Hochman em 2006 no NEJM, que teve como desfechos primários morte, IAM e insuficiência cardíaca NYHA IV, demonstrou que não há benefícios para a ICP após 48 horas.  

Estratégia de ICP primária  

A ICP primária está indicada diante de delta T inferior a 12 horas, choque cardiogênico, instabilidade elétrica e, conforme mencionado anteriormente, com delta T de 12 a 24 horas, na presença de evidências clínicas ou eletrocardiográficas de isquemia persistente.  

No choque cardiogênico, estudo de 2006, envolvendo 302 pacientes, demonstrou sobrevida em 30 dias de 53,3%, comparada a 44% na ausência de ICP, com redução de mortalidade em 9,3% em 30 dias e 13,2% em 6 anos. 

Na doença multiarterial, há benefícios da ICP das coronárias não culpadas?

De acordo com os dados do estudo COMPLETE, publicado por Mehta em 2019 no NEJM, os pacientes com IAMCSST e doença multivascular, randomizados nas primeiras 72 horas de uma ICP de sucesso, se beneficiam da desobstrução completa das coronárias, tendo como desfecho primário morte cardiovascular ou recorrência de IAM (HR 0,74 – P = 0,04). Os dados foram corroborados por metanálise publicada no JAMA Cardiology em 2020 que contemplou 7 estudos, tendo sido observada redução do risco de morte em 31% com a desobstrução completa, sendo o procedimento complementar realizado em até 45 dias, e não necessariamente na mesma internação. 

Uma exceção importante, entretanto, é no cenário do choque cardiogênico. O estudo CULPRIT-SHOCK, publicado por Thiele no NEJM em 2017, demonstrou melhores resultados com a desobstrução exclusiva da artéria culpada em detrimento da completa, tendo como desfecho primário morte por todas as causas ou injúria renal aguda grave com necessidade de terapia renal substitutiva em 30 dias. 

A ICP no IAMSSST 

Os dados da ICP no IAMSSST são favoráveis à estratégia invasiva universal em 48 horas, embora a magnitude de efeito seja menor do que no IAM com supra. Uma metanálise publicada por O’Donoghue no JAMA em 2008 demonstrou que a estratégia invasiva reduz complicações em até 20%, particularmente a recorrência de SCA. 

A ICP precoce, realizada nas primeiras 24 horas, quando comparada à atrasada (> 36 horas), demonstrou redução de desfechos secundários (morte, IAM e isquemia refratária) no estudo TIMACS, que alocou 3.031 pacientes, com HR de 0,72 (0,58 a 0,89, p =  0,003). Um subgrupo de pacientes de alto risco apresentou melhores desfechos com a intervenção precoce: aqueles com troponina positiva ou GRACE > 140 pontos.  

Em que momento realizar a ICP na SCA sem supra de ST? 

A resposta a essa questão está atrelada à definição do risco da SCA: 

  • Risco muito alto merece ICP imediata (< 2 horas): choque cardiogênico, angina refratária, insuficiência cardíaca aguda, instabilidade elétrica, complicações mecânicas e alterações dinâmicas recorrentes ao ECG; 
  • Nos casos de alto risco, a angiografia deve ser realizada nas primeiras 24 horas: IAM sem supra de ST, elevação ou depressão transitória do segmento ST, inversão dinâmica da onda T e GRACE > 140 pontos.  
  • Na ausência de alto risco, a estratificação invasiva pode ser realizada com o paciente internado ou de forma eletiva.  

Terapia antiplaquetária 

A fase de ataque continua a contar com a aspirina (162-325 mg), seguidas pela manutenção de longo prazo (81 mg/dia). 

Os inibidores do P2Y12 devem ser associados preferencialmente após o conhecimento da anatomia coronariana, tendo em vista que alguns desses pacientes serão alocados para a cirurgia de revascularização miocárdica de urgência.  

O ticagrelor e prasugrel, em geral, são preferíveis ao clopidogrel, pela maior potência e redução dos eventos isquêmicos. Em contrapartida, o clopidogrel é mais seguro no que se refere a sangramentos. O cangrelor, administrado pela via endovenosa, é uma opção na sala de hemodinâmica em pacientes virgens de inibidores do P2Y12 e tem como vantagem o rápido início e término de ação. 

O estudo ISAR REACT-5 (NEJM, 2019) auxilia na tomada de conduta do antiplaquetário.  

  • As vantagens do prasugrel incluem tomada única diária e superioridade potencial em relação aos eventos isquêmicos.  
  • O ticagrelor se destaca pela maior segurança em relação a sangramentos, devendo ser considerado em indivíduos com menos de 60 kg, idade superior a 75 anos e histórico de AVC ou AIT prévios.  

Os inibidores da glicoproteína IIb/IIIa são utilizados em casos muito particulares, geralmente a critério do hemodinamicista, em casos de ausência de refluxo após a ICP ou trombose de stent.  

Anticoagulantes

As opções para terapia anticoagulante são divididas com base na estratégia selecionada: 

  • Estratégia invasiva: heparina não fracionada, bivalirudina e enoxaparina; 
  • Estratégia conservadora:  heparina não fracionada nas primeiras 48 horas ou heparina de baixo peso molecular até completar 8 dias ou até a alta hospitalar. 

A dupla antiagregação plaquetária (DAPT)

O estudo PEGASUS TIMI 54, que englobou 21.162 pacientes, com acompanhamento de 33 meses, demonstrou que a longa duração da DAPT, para além de 12 meses, se associa à redução de complicações isquêmicas: morte cardiovascular, IAM ou AVC, mas às custas de maior risco de sangramento. 

  Em contrapartida, pacientes de baixo risco isquêmico podem ser considerados para a desprescrição da aspirina após 1 a 3 meses, seguindo monoterapia como inibidor de P2Y12. Tal estratégia se associa a menor risco de sangramento (HR 0,5 – IC 95%: 0,41 a 0,61), sem trazer diferenças em relação aos eventos cardiovasculares maiores (MACE). 

Regras da dupla antiagregação plaquetária 

  • Inicie com AAS + iP2Y12 (preferencialmente ticagrelor ou prasugrel, após o conhecimento da anatomia coronariana).  
  • Estratégia padrão: manter DAPT por 12 meses e dar sequência com monoterapia (AAS ou iP2Y12). 
  • Pacientes com alto risco isquêmico, baixo risco de sangramento e boa tolerância à DAPT: considerar ampliação para além de 12 meses. 
  • Pacientes sem alto risco isquêmico: considerar retirar AAS após 3 a 6 meses e seguir com monoterapia com iP2Y12. 
  • Pacientes com alto risco de sangramento: retirar AAS em 1 a 3 meses e dar preferência ao clopidogrel em detrimento do ticagrelor ou prasugrel.  

O que fazer na SCA entre portadores de fibrilação atrial? 

Os pacientes com fibrilação atrial (FA) e indicação de anticoagulação e que evoluem com SCA demanda anticoagulação oral de manutenção, preferencialmente com anticoagulantes orais de ação direita (DOACs).  

O tratamento convencional consistia na terapia tripla: DAPT + DOAC.  

Atualmente, na SCA sem supra de ST, as recomendações são as seguintes: 

  • Terapia hospitalar universal (1ª semana): tripla (DOAC + DAPT); 
  • Terapia de manutenção padrão: DOAC + antiagregação plaquetária com agente único (SAPT) por 12 meses, seguida pelo uso exclusivo de DOAC; 
  • Terapia de pacientes com alto risco isquêmico: terapia tripla por 1 mês, seguida por DOAC + SAPT por 1 ano e, na sequência, uso exclusivo de DOAC. 
  • Terapia de pacientes com alto risco de sangramento: DOAC + SAPT por 6 meses, seguida pelo uso exclusivo de DOAC. 

Lipídios 

Desde 2003, com base no estudo IMPROVE IT TIMI 22, houve a constatação do benefício das estatinas de alta potência em relação à ocorrência de eventos cardiovasculares maiores na profilaxia secundária de SCA. 

Níveis mais baixos de LDL, obtidos pela combinação entre sinvastatina e ezetimiba, se traduzem em maior benefício do que a monoterapia com estatina, considerando-se morte cardiovascular, IAM, angina instável com necessidade de reinternação, revascularização coronariana ou AVC (N = 18.144 pacientes, com HR 0,936 – P = 0,016). 

Em 2017, o estudo FOURIER, publicado no NEJM, demonstrou que, provavelmente, quanto mais baixos os valores de LDL, melhores os desfechos cardiovasculares. O uso de evolocumabe, um inibidor de PCSK9, gerou LLD médio de 30 mg/dL, com boa segurança e tolerabilidade.  

O alvo de LDL para pacientes de muito alto risco cardiovascular deve ser inferior a 55 mg/dL, devendo ser realizadas avaliações seriadas a cada 4-6 semanas, respeitando as seguintes etapas (EHJ, 2023): 

  • Monoterapia com estatina de alta potência; 
  • Estatina de alta potência + ezetimibe; 
  • Estatina de alta potência + ezetimibe + iPCSK9.
  • Pós-SCA < LDL < 55 mg/dL.  

E a colchicina?

O papel da colchicina segue incerto no manejo após a SCA e doença arterial coronariana estável. Os dados do estudo COLCOT, publicado no NEJM em 2019, demonstraram redução de eventos cardiovasculares isquêmicos em 23% (HR 0,77 – IC95%: 0,61 a 0,96 – P = 0,02), embora tenha havido preocupação com o aumento não significativo das mortes não cardiovasculares.

Confira todas os destaques do ACP 2024!

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