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Endocrinologia20 abril 2024

ACP 2024: Revisando os principais estudos de endocrinologia de 2023

Os destaques passam por estudos e guidelines das áreas de metabolismo, endocrinologia clássica e endocrinologia reprodutiva.

O congresso de Medicina Interna do American College of Physicians (ACP 2024) é um congresso que foca na revisão de temas relevantes para o clínico. Em uma das palestras, a professora da Duke University Medical Center (EUA) dra. Carly Kelley, apresentou as publicações mais relevantes publicados na área da endocrinologia, publicados entre janeiro e dezembro de 2023, em periódicos de alto impacto, como The New England Journal of Medicine (NEJM), Lancet, Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism (JCEM), dentre outras referências importantes dentro da medicina interna e endocrinologia. Os estudos e guidelines foram distribuidos em três grandes áreas:

  • Metabolismo
  • Endocrinologia clássica
  • Endocrinologia reprodutiva/gônadas

Vamos aos principais.

1. Metabolismo

Nessa subárea, os destaques foram estudos sobre diabetes e obesidade.

SELECT Trial

  • O estudo SELECT avaliou o impacto da semaglutida na redução do risco cardiovascular em pacientes com obesidade, sem diabetes. Atualmente, é considerado que a perda de peso pode reduzir o risco cardiovascular, porém até o momento não havíamos evidências de que tratamentos clínicos poderiam trazer esse impacto.
  • Ensaio clínico randomizado, randomizados 1:1 para semaglutida 2,4 mg/semana vs. placebo.
  • N: 17.500 participantes; média de seguimento de 39,8 meses.
  • ≥ 45 anos com IMC ≥ 27 kg/m² com doença cardiovascular estabelecida (IAM prévio, AVC prévio – isquêmico ou hemorrágico – ou doença arterial periférica (DAP) sintomática).
  • Endpoint primário: tempo para ocorrer o primeiro evento dentro de um desfecho composto pelos clássicos “3P-MACE”, ou seja, os 3 eventos cardiovasculares maiores (IAM não fatal, AVC não fatal ou morte por causas cardiovasculares).
  • Resultados: redução de risco de 20% no endpoint primário; quanto aos endpoints secundários, não houve diferença em morte por causas cardiovasculares, mas houve redução de morte por todas as causas e menores taxas de insuficiência cardíaca. A perda de peso foi aproximadamente 10% maior no grupo semaglutida.
  • Os eventos adversos mais comuns, como esperado, foram do trato gastrointestinal.
  • Curiosamente, a diferença entre os grupos já apareceu desde o início do estudo, mesmo antes da perda de peso atingir patamares mais significativos, sugerindo um possível impacto direto da semaglutida em redução de risco cardiovascular.
  • Limitação: vale destacar que só foram incluídos pacientes de prevenção secundária, ou seja, ainda não podemos concluir sobre o impacto em indivíduos de prevenção primária (que nunca tiveram eventos cardiovasculares).

STEP-HFpEF trial

  • O estudo STEP-HFpEF avaliou o impacto da semaglutida na redução de sintomas de insuficiência cardíaca e limitações físicas em pacientes com obesidade, sem diabetes.
  • Ensaio clínico randomizado, randomizados 1:1 para semaglutida 2,4 mg/semana vs. placebo.
  • N: 1.146 participantes; média de seguimento de 52 semanas.
  • ≥ 18 anos com IMC ≥ 30 kg/m² com IC e FEVE ≥ 45% e sintomas (avaliados de várias formas) .
  • Endpoint primário: mudança no Kansas City Cardiomyopathy Score (instrumento validado que avalia o impacto de sintomas da IC em âmbitos físicos, emocionais e sociais). Outro ponto primário foi a diferença no peso e um endpoint secundário relevante foi a mudança no teste de caminhada por 6 minutos.
  • Resultados: dentre os desfechos primários, houve uma diferença em 8 pontos no escore (o que é algo significativo. Para se ter uma ideia, outros tratamentos atualmente aprovados tem um impacto entre  0,5 a 2,3). A perda de peso foi similar ao SELECT (- 10%), com melhora também no teste de caminhada por 6 minutos.
  • Os eventos adversos mais comuns, como esperado novamente, foram do trato gastrointestinal.
  • Os efeitos não devem estar relacionados apenas à perda de peso, mas também associados à medicação.

SURMOUNT-2: Tirzepatida

  • O estudo SURMOUNT-2 avaliou o impacto da tirzepatida (uma agonista duplo GIP/GLP-1) na perda de peso em pacientes com obesidade e diabetes. O estudo foi apresentado no congresso da American Diabetes Association em 2023. Estudos desenhados para tratamento da obesidade em pacientes com diabetes são importantes porque essa população tende a perder menos peso, comparado a indivíduos sem diabetes.
  • Ensaio clínico randomizado, randomizados 1:1:1 para tirzepatida 10 mg ou 15 mg vs. placebo. Todos participantes receberam instruções quanto à mudança de estilo de vida e foram acompanhados por nutricionistas e profissionais para suporte.
  • N:  participantes; média de seguimento de meses.
  • ≥ 18 anos com IMC ≥ 27 kg/m² com DM2, com HbA1c entre 7 e 10%.
  • Endpoint primário: perda de peso
  • Resultados: a tirzepatida atingiu o maior potencial de perda de peso já visto em pacientes com diabetes em estudos clínicos. 82,7% dos participantes perderam mais de 5% do peso com a dose de 15 mg e 48% perderam mais do que 15% do peso. A perda de peso média variou conforme cada braço do estudo, atingindo no grupo pllacebo: -3,2%, tirzepatida 10 mg: -12,8% e tirzepatida 15 mg: -14,7%. A média de redução da hemoglobina glicada foi próxima de 2%, sendo que metade dos participantes atingiram HbA1c de 5,7%.
  • Os eventos adversos mais comuns foram também do trato gastrointestinal, com baixas taxas de hipoglicemias e nenhuma hipoglicemia grave.

ONWARDS: Insulina icodeca, a insulina semanal

  • A insulina icodeca é uma nova formulação de insulina basal, desenhada para uso semanal devido à sua meia vida longa (atingida por meio de modificações estruturais que levam a menor afinidade pelo receptor de insulina e uma ligação mais forte, porém reversível, à albumina).
  • O programa ONWARDS avalia o impacto da insulina icodeca em indivíduos com diabetes mellitus (DM) tipo 1 e tipo 2. Cobrimos o ONWARDS-1 também no congresso da American Diabetes Association (ADA) de 2023. Na apresentação, a Dra. chamou atenção para o ONWARDS-5, que foi um estudo de mundo real que avaliou a insulina icodeca vs. insulinas basais de uso diário em pacientes com DM2, virgens de insulina.
  • Ensaio clínico randomizado, randomizado para icodeca vs insulina diária
  • N: 1085 participantes virgens de uso de insulina; média de seguimento de 52 semanas.
  • Endpoint primário: impacto no controle glicêmico
  • Resultados: o grupo icodeca apresentou melhor controle glicêmico, com uma redução adicional de 0,38% em HbA1c (p = 0,009), com maior proporção de indivíduos no grupo icodeca atingindo HbA1c < 7%. Apesar de induzir mais episódios de hipoglicemias leves, não houve diferença quanto ao risco de hipoglicemias graves entre os grupos.
  • Os eventos adversos mais comuns foram também do trato gastrointestinal, com baixas taxas de hipoglicemias e nenhuma hipoglicemia grave.

2. Endocrinologia clássica

Repensando o tratamento da doença de Graves a longo prazo

A história natural da doença de Graves a longo prazo não é tão bem conhecida e é comum nos depararmos com a dúvida sobre tempo de uso do metimazol ou quando indicar tratamentos definitivos. Os estudos disponíveis costumam ser de curta duração ou limitados a um seguimento menor do que cinco anos.

  • Foi publicado uma coorte prospectiva norueguesa que avaliou os desfechos após 25 anos do início de medicações antitireoidianas (isso mesmo, 25 anos). A coorte inicial era composta de 218 participantes, porém 36 retiraram o consentimento e 22 não completaram o follow up. A coorte acompanhou participantes previamente submetidos a um ensaio clínico randomizado realizado entre 1997 e 1999, que avaliou o impacto do metimazol por 12 meses no controle da doença de Graves.
  • Após o período de seguimento da coorte, 43% (78 participantes) apresentaram remissão 2 anos após a suspensão da droga antitireoidiana (DAT), sendo que 62% destes passaram a apresentar função tireoidiana normal; 10% precisaram de iodoterapia e 4% precisaram de tratamento cirúrgico. 21% evoluíram com hipotireoidismo mesmo sem tratamento ablativo.
  • 45% tiveram recorrência dentro de 2 anos da suspensão do tapazol. Destes, 65% foram encaminhados para tratamento com radioiodoterapia, 17% encaminhados para cirurgia.
  • Tais dados demonstram que a estratégia de parar o metimazol pode não ser a melhor proposta, sendo que dados apontam para a segurança do uso do metimazol a longo prazo. A manutenção do metimazol ou novos ciclos tem sido uma conduta cada vez mais utilizada.

3. Endocrinologia reprodutiva

Atualização do guideline de síndrome dos ovários policísticos (SOP)

A atualização do consenso de SOP de 2023 traz alguns pontos relevantes como:

  • Atualização no critério diagnóstico: O critério continua se baseando na presença de 2 de 3 características entre oligo/anovulação; hiperandrogenismo clínico ou bioquímico e presença de características ultrassonográficas compatíveis com ovários policísticos. A mudança é que, junto do último critério, foi adicionado a possibilidade da avaliação dos níveis de hormônio antimulleriano (AMH) – marcador de reserva ovariana que costumam estar elevados em pacientes com SOP.
  • Os critérios diagnósticos para adolescentes não incluem a presença de imagem compatível ou AMH alterado.
  • Os screenings recomendados para essa condição incluem a avaliação de fatores de risco metabólicos, cardiovasculares, psicológicos, dermatológicos, apneia do sono e avaliação de risco/aconselhamento pré-gestação.
  • Quanto ao tratamento, é vital recomendar mudanças no estilo de vida. Contraceptivos continuam a primeira escolha para irregularidade menstrual, enquanto a metformina segue como tratamento de escolha para condições metabólicas (com cada vez mais espaço para o papel dos agonistas de GLP-1), e o letrozol é a primeira linha para tratamento da infertilidade.

Continue acompanhando nossa cobertura do congresso do ACP no Portal Afya. Veja outros destaques:

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Referências bibliográficas

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