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Clínica Médica20 abril 2024

ACP 2024: Vitaminas - precisamos suplementá-las?

Uma palestra do congresso trouxe quando suplementar e os riscos de uso exacerbado das vitaminas C, D, E e K.
Por Leandro Lima

Durante o congresso de Medicina Interna do American College of Physicians (ACP 2024), o Dr. Noah Stratton nos trouxe a sua perspectiva sobre o cenário da suplementação vitamínica, que é realizada por um terço dos adultos e um quarto das crianças norte-americanas, alimentando uma indústria que movimentou, somente no ano de 2020, 50 bilhões de dólares.

vitaminas variadas para suplementação

Suplementação de vitaminas

A mensagem mais importante é de que, de forma geral, a alimentação deve ser a principal fonte de vitaminas e nutrientes. Os alimentos fortificados e os suplementos devem ser indicados somente nos casos em que não é possível atender as recomendações dietéticas diárias, implicando em risco de deficiência e suas consequências.

Uma excelente referência para quem deseja pesquisar suplementos específicos, muitas vezes apresentados por demanda dos nossos próprios pacientes, é o Dietary Supplement Fact Sheets.

Um conceito importante nessa temática é a ingestão diária recomendada, frequentemente reconhecida pela sigla inglesa RDA, que se traduz como a média de ingestão suficiente de uma vitamina específica para 98% dos indivíduos saudáveis. Em contrapartida, o limite superior da tolerância se refere à dose máxima improvável de causar eventos adversos.

Vitamina D

Trata-se de uma vitamina lipossolúvel que pode ser obtida de forma endógena a partir da ativação mediada pela luz ultravioleta na faixa de 290 a 320 nm. A sua ativação demanda dois processos de hidroxilação, o primeiro no fígado, quando é convertida a vitamina D2 (calcidiol ou 25-OH-vitamina D); e a segunda nos rins, quando é convertida à vitamina D3 (1,25-OH-vitamina D).

Os receptores da vitamina D encontram-se amplamente distribuídos pelos tecidos, participando de processos diversos que envolvem a modulação da inflamação, crescimento celular, imunidade e metabolismo, em especial aumentando a absorção de cálcio pelo trato gastrointestinal.

A melhor forma de mensurá-la é pela dosagem sérica da 25-OH-vitamina D, em decorrência do maior tempo de meia-vida e capacidade de detectar uma via comum da aquisição endógena e exógena. Os valores geralmente tidos como inadequados para a saúde óssea e geral são os inferiores a 15-20 ng/mL. Por outro lado, valores acima de 50 a 60 ng/mL já apresentam potencial para eventos adversos.

A ingestão diária recomendada para crianças é entre 400 e 600 UI, enquanto para adultos e idosos é entre 600 e 800 UI.

Algumas formulações trazem a dose em mg e outras em unidades internacionais. A conversão atende à seguinte proporção: 1 mcg de vitamina D equivale a 40 UI. O alvo terapêutico, em geral, é acima de 30 ng/mL de 25-OH-vitamina D, geralmente alcançado com a suplementação de 400 a 800 UI/dia.

As fontes dietéticas mais robustas são os peixes gordurosos (salmão, truta, sardinha), óleos de peixe (fígado de bacalhau), cogumelos e o leite fortificado.

A exposição solar direta por 5 a 30 min, no horário entre 10 e 16h, na ausência de utilização do protetor solar (FPS maior ou igual a 8 já bloqueia a sua produção) ou interposição de vidro, é útil para a produção de vitamina D a partir do 7-deidro-colesterol dos níveis séricos. Os idosos e os indivíduos com pele rica em melanina tendem a aproveitar menos a conversão de vitamina D proveniente da exposição solar.

O USPSTF emitiu parecer que concluiu ausência de evidências de benefício para o rastreio populacional de deficiência de vitamina D, enquanto outras entidades fazem a recomendação de dosagem bimestral.

Uma meta-análise publicada no JAMA, em 2019, envolvendo 6 estudos e aproximadamente 50.000 pacientes, demonstrou que a reposição de vitamina D (400 a 800 UI/dia) combinada a de cálcio (800 a 1.200 mg/dia) por 6 anos se associa à redução das fraturas gerais em 6% e de quadril em 16%. Entretanto, o estudo VITAL, de 2022, demonstrou que a combinação entre vitamina D (2.000 UI/dia) e Ômega 3 não modificou o risco de fratura entre 26.000 pacientes com média de idade de 67 anos acompanhados por um período superior a 5 anos.

Um argumento plausível é o de que os níveis de vitamina D se comportam mais como um marcador geral de saúde do que como um alvo claro para a intervenção. Essa ponderação é importante, tendo-se em vista a panaceia que a suplementação da vitamina D adquiriu nos últimos anos. Parte desse entusiasmo partiu de estudos observacionais, que demonstraram que o aumento de vitamina D a cada 8 ng/mL se associaria à redução da incidência de malignidades e da mortalidade. Nesse aspecto, os estudos são ambíguos, trazendo resultados da suplementação como benéficos para o câncer não invasivo e maléficos no invasivo. Outros apontam que níveis séricos de 25-OH-vitamina D acima de 40 ng/mL poderiam aumentar o risco para o câncer de pâncreas.

Já em relação à saúde cardiovascular, um estudo neozelandês envolvendo 5.110 pacientes, com média de idade de 66 anos e submetidos a doses mensais de 100.000 UI/dia por 3 anos, foi negativo para qualquer impacto, em concordância com os dados do estudo VITAL. Os dados para a depressão, aventados pela presença de receptores nos neurônios e micróglias, são conflitantes, sendo que os estudos mais recentes foram negativos para modificações relativas à condição.

O excesso de vitamina D, por sua vez, se associa a complicações conhecidas, como hipercalcemia e hipercalciúria, além de poder se associar a calcificações vasculares. De toda forma, essas questões são improváveis com doses diárias inferiores a 10.000 UI, e devemos evitar níveis de 25-OH-vitamina D além de 50 a 60 ng/mL.

Algumas interações com medicamentos merecem destaque, como a potencial redução da potência das estatinas na vigência de suplementação da vitamina D, os prejuízos dos esteroides sobre o seu metabolismo e o risco ampliado de hipercalcemia com o uso concomitante de tiazídicos.

Vitamina A

A vitamina A é um retinoide lipossolúvel, proveniente de carotenoides e retinoides, sendo que o armazenamento é predominantemente hepático sob a forma de ésteres de retinol.

A ingestão diária recomendada é entre 600 e 800 UI/dia, com nível máximo tolerado de 3.000 UI.

A absorção do éster de retinol pré-formado supera os 75%, enquanto a dos betacarotenos se limita a 30%, embora possa ser otimizada com o cozimento dos alimentos.

As fontes nutricionais mais robustas incluem o bife de fígado, a batata doce e o espinafre.

Considera-se como deficiência moderada níveis séricos inferiores a 20 e grave quando abaixo de 10 mcg/dL. A prevalência de deficiência na população norte-americana é inferior a 1%, enquanto na subsaariana pode alcançar os 40%, agravando a evolução de doenças infecciosas, como o sarampo. As manifestações clínicas incluem a xeroftalmia, cegueira noturna, anormalidade no desenvolvimento pulmonar e anemia.

Os grupos de maior risco para a deficiência são os portadores de fibrose cística com insuficiência pancreática (até 13% são deficientes), doença de Crohn e retocolite ulcerativa (até 25% são deficientes).

Um dos grandes temores com a reposição da vitamina A foi levantado pelo estudo CARET, que analisou 18.000 pacientes entre 45 e 84 anos e carga tabágica média de 20 maços-ano ou exposição ao asbesto. Nesse cenários, a reposição de betacaroteno e palmitato de retinol por 4 anos aumentou o risco de câncer de pulmão em 28%, a mortalidade específica por câncer de pulmão em 46% e a mortalidade geral em 17%.

O estudo de prevenção de câncer com alfa-tocoferol e betacaroteno alinhou 29.000 homens, entre 50 e 69 anos e carga tabágica média de 36 maços-ano, alocados para a reposição por 5 a 8 anos. Novamente, observou-se aumento em 18% no risco de câncer de pulmão, bem como aumento no risco de morte por câncer de próstata em 20%.

Vários outros estudos, entretanto, com maior proporção de não fumantes, não demonstraram a relação com o câncer de pulmão.

Na degeneração macular relacionada à idade, o estudo ARDES avaliou a suplementação de betacaroteno, vitamina E, vitamina C, zinco e cobre, demonstrando uma redução na incidência em 25% em 5 anos. As questões de segurança com a vitamina A levaram ao estudo ARDES2, com troca do betacaroteno por luteína e zeoxantina, potencializando o efeito da intervenção.

O excesso de vitamina D pode se acumular no fígado e se expressar como carotenoderma. A hipervitaminose A aguda pode ser grave, manifestando-se com cefaleia, náuseas, vômitos e incoordenação, por vezes levando ao aumento da pressão liquórica com risco de coma e morte, especialmente com o consumo de doses superiores a 100 vezes a recomendação diária.

O orlistat reduz a absorção de vitamina D e das outras lipossolúveis. No outro polo, a acitretina, utilizada no tratamento da psoríase, e o bexaroteno, aplicável no tratamento do linfoma de células T cutâneo, potencializam o risco de intoxicação.

Vitamina C

A vitamina C, ou ácido L-ascórbico, é uma vitamina hidrossolúvel essencial que tem uma regulação intestinal estreita. A absorção pode ser de 90% quando a ingestão diária é inferior a 180 mg, ou se limitar a 50% com aporte além de 1g.

O conteúdo corporal total é variável, geralmente situando-se entre 300 mg e 2g, com maior acúmulo em leucócitos, olhos, adrenais e cérebro, e menor concentração em eritrócitos e no plasma, limitando a acurácia de predição do estoque com amostras sanguíneas.

A ingestão diária recomendada é de 75 a 90 mg. Uma das fontes mais abundantes de vitamina C é o pimentão vermelho, mas ela pode ser destruída no processo de cozimento pelo calor.

A insuficiência de vitamina C se apresenta por meio do escorbuto, que pode ocorrer sob forma aguda com ingestão inferior a 10 mg/dia. As manifestações incluem fadiga, mal-estar, inflamação gengival, petéquias, equimoses, púrpuras, hiperceratose e pelos encaracolados. Frequentemente nota-se deficiência de ferro concomitante em decorrência de absorção reduzida.

Os fatores de risco incluem o tabagismo, condição em que há necessidade de uso de 35 mg diárias adicionais, bem como síndromes de malabsorção intestinal grave, câncer, caquexia e doença renal crônica dialítica.

Alguns estudos de caso e controle apontam que a suplementação dietética apresenta relação negativa com malignidades, especialmente as gastrointestinais, como câncer de boca, faringe, esôfago e estômago. Em relação ao câncer de mama, parece reduzir a incidência entre mulheres pré-menopausa. Lembramos que esses dados são com o aumento do aporte dietético de vitamina C, e não com a suplementação, e que as evidências entre reposição de vitamina C e malignidades são conflitantes.

Em relação à gripe, uma revisão de 30 estudos realizada pela Cochrane em 2007, demonstrou que a dose de 200 mg/dia foi incapaz de reduzir a sua incidência, Entretanto, no subgrupo de atletas de inverno, se associa à redução da incidência em 50% e da duração dos sintomas em 8%.

O excesso de vitamina C não gera maiores preocupações, pela toxicidade muito baixa. Há, contudo, alguns questionamentos em pacientes com hemocromatose, pelo potencial de aumentar a absorção de ferro, bem como em relação à nefrolitíase, por potencializar a hiperoxalúria.

A dose diária tolerável é de 2000 mg.

Em relação às interações medicamentosas, pode atenuar o aumento do HDL com a interação sinvastatina-niacina.

Vitamina K

A vitamina K é lipossolúvel, com absorção predominantemente em intestino delgado. Os dois principais representantes são a filoquinona (K1), proveniente de fontes dietéticas a partir de folhas verdes; e a menaquinonas (K2), de origem bacteriana a partir de produtos fermentados e de origem animal, além da produção pela microbiota intestinal.

Correlaciona-se com o sistema de coagulação e o metabolismo ósseo.

A sua reserva pode ser inferida pela análise do tempo de protrombina ou relação normatizada internacional (RNI).

A dose diária recomendada, apesar de estudos muito limitados, é na faixa de 90 a 120 mg/dia.

No cenário da osteoporose, a sua ação é especulada por participar de carboxilação da osteocalcina.

Os fatores de risco para a deficiência incluem a fibrose cística, doença celíaca, retocolite ulcerativa, síndrome do intestino curto e cirurgia bariátrica.

Uma meta-análise realizada por Cockayne em 2006 entre mulheres japoneses pós-menopausa acompanhadas por um período de 6 a 36 meses demonstrou dados favoráveis relativos à densidade óssea e risco de fraturas de quadril, vertebrais e não vertebrais com a fitonadiona.  O FDA, entretanto, não aprovou o uso da vitamina K para essa finalidade, tendo em vista dados conflitantes na literatura.

Do ponto de vista cardiovascular, a vitamina K pode atuar na prevenção do processo de calcificação vascular por atuar no metabolismo da proteína da matriz GLA. A sua deficiência poderia, portanto, aumentar o risco cardiovascular global. No momento atual, entretanto, nenhuma recomendação pode ser feita do seu emprego para essa finalidade.

As interações com medicamentos mais proeminentes são com os antagonistas da vitamina K, que devem manter uma constância dietética relacionada às fontes da vitamina K, além do papel da antibioticoterapia em reduzir a microbiota intestinal, em especial com o uso de cefalosporinas, propiciando a sua deficiência. A colestiramina e o colestipol reduzem a absorção de todas as vitaminas lipossolúveis.

Vitamina E

A vitamina E, lipossolúvel, tem no componente alfa-tocoferol o único que atende às demandas humanas.

Apresenta efeito antioxidante, inibe a proteína quinase C e aumenta a prostaciclina vascular.

A sua deficiência é rara e pode estar implicada em neuropatia periférica, ataxia, retinopatia e prejuízo da imunidade.

Os principais grupos de risco são os portadores de diarreia crônica, doença de Crohn e fibrose cística.

O estudo SELECT, com doses de 400 mg/dia, demonstrou preocupação quanto ao aumento do risco de câncer de próstata.

Acompanhe o congresso do ACP com a gente! Confira outros destaques:

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