ACP 2024: Artigos de destaque na Medicina Interna
A Dra. Nkemdilim Mgbojikwe, professora adjunta da faculdade de medicina da universidade Johns Hopkins, fez um compilado dos estudos que julgou mais impactantes no último ano relativos à Medicina Interna, os quais elencamos na sequência.
Estudo ADVOR
Os pacientes internados com insuficiência cardíaca aguda descompensada (sobrecarga volêmica) e previamente expostos à furosemida na dose de pelo menos 40 mg/dia nos últimos 30 dias, se beneficiam da associação de acetazolamida ao diurético de alça endovenoso?
Foram randomizados 519 pacientes para os grupos furosemida endovenosa isolada (em dose equivalente a 2 vezes a potência do tratamento oral previamente utilizado) e furosemida endovenosa associada à 500 mg de acetazolamida pela mesma via por um período de 3 dias.
O desfecho primário foi definido como sucesso na descongestão definido por cardiologista, enquanto os desfechos secundários incluíram mortalidade geral e novas hospitalizações em 3 meses.
Foram observadas diferenças significativas na diurese (+ 0,5 L) e natriurese (+ 98 mEq) favorecendo o grupo da acetazolamida.
O desfecho primário foi mais associado à acetazolamida que o grupo de comparação (30,5% vs. 42,2%, com RR de 1,46 e IC 95%: 1,17 a 1,82). Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas em termos de hipotensão, hipocalemia e injúria renal aguda (IRA).
Antibioticoterapia parcial oral é segura na bacteremia por Staphylococcus aureus complicada entre usuários de drogas?
Trata-se de uma coorte retrospectiva unicêntrica que envolveu 227 usuários de drogas injetáveis internados para o tratamento de bacteremia por S. aureus complicada por endocardite infecciosa, artrite séptica, abscesso epidural ou osteomielite vertebral.
Os pacientes foram subdivididos, após 10 dias de antibioticoterapia endovenosa, em 3 coortes: (A) tratamento padrão completo endovenoso; (B) tratamento endovenoso incompleto seguido por alta hospitalar; e (C) transição para antibioticoterapia parcial oral ambulatorial.
Nos pacientes que receberam alta antes do clareamento da bacteremia, a readmissão em 90 dias, por falha microbiológica, foi de 100% no grupo B e 50% no grupo C. Quando o clareamento da bacteremia foi conquistado antes da alta hospitalar, a falha microbiológica ou morte em 90 dias após a alta foi de 11%, 44% e 13% nos grupos A, B e C, respectivamente (P < 0,001).
A maioria dos pacientes era jovem e imunocompetente, dificultando a generalização dos dados para outros cenários. Por outro lado, os casos de endocardite infecciosa foram predominantemente tratados com a terapia padrão.
Fluidoterapia na PA
O estudo publicado por de-Mandaria no NEJM em 2022 envolveu 18 centros de 4 países e 249 pacientes.
Foi comparado se na pancreatite aguda (PA) leve um protocolo de hidratação moderado (1,5 mL/kg/hora, com bolus de 10 mL/kg nos pacientes hipovolêmicos) era superior a um protocolo agressivo (20 mL/kg em bolus, seguidos por 3 mL/kg/hora).
O desfecho primário foi a evolução para PA grave ou moderadamente grave, enquanto os desfechos secundários incluíram sobrecarga volêmica, SIRS, PA necrotizante, indicação de CTI e disfunções orgânicas, entre outros.
Como era esperado, a sobrecarga volêmica foi mais comum com o protocolo agressivo (20,5% vs. 6,4%, P = 0,004). O desfecho primário foi mais prevalente no protocolo agressivo do que no moderado: 22,1% vs. 17,3% (RR 1,3 – IC 95%: 0,78 a 2,18), sem alcançar significância estatística. Além disso, menos pacientes evoluíram com necessidade de terapia intensiva e PA necrotizante no grupo do protocolo de hidratação moderado.
A lição é: na PA leve, menos volume é mais adequado para o paciente!
Escovar os dentes dos pacientes críticos em ventilação mecânica faz diferença?
Trata-se de uma revisão sistemática e meta-análise de 15 estudos envolvendo 3.000 pacientes.
O desfecho primário incluiu incidência de pneumonia, mortalidade geral e estadia hospitalar e na terapia intensiva.
Observou-se redução da incidência de pneumonia associada à ventilação mecânica, mortalidade em terapia intensiva e o tempo de ventilação mecânica e de permanência em CTI no grupo randomizado para a escovação dos dentes.
Entre os pontos fracos do estudo citamos a ausência de cegamento e a não especificação do fluido utilizado na escovação nem a frequência em que o procedimento era realizado.
Estudo ACORN
O estudo em questão buscou responder se entre pacientes internados com infecções bacterianas e indicação de cobertura para Pseudomonas aeruginosas o uso de cefepime seria mais seguro do que o da piperacilina-tazobactam, em termos de eventos adversos renais.
- População: Adultos ≥ 18 anos internados em emergências ou CTIs com infecções bacterianas e indicação de cobertura antipseudomonas, alocados em suas primeiras 12 horas de admissão hospitalar.
- Intervenção: Cefepime 2g EV 8/8 horas com tempo de infusão de 5 minutos.
- Controle: Piperacilina-tazobactam 3,375 g EV 8/8 horas com tempo de infusão de 4 horas
- Desfecho primário: Injúria renal aguda (IRA) KDIGO 3 (elevação de creatinina sérica ≥ 3 vezes a basal, creatinina sérica ≥ 4 mg/dL ou necessidade de terapia renal substitutiva — TRS) ou morte em 14 dias.
- Desfechos secundários: Eventos adversos renais maiores (morte, início de TRS ou disfunção renal persistente com creatinina sérica ≥ 2 vezes a basal) e número de dias livre de delirium e coma (positividade no CAM-ICU ou escore de RASS -4 ou -5) em 14 dias.
Em termos de injúria renal aguda ou morte em 14 dias, não foram observadas diferenças significativas. O cefepime, entretanto, se associou a maior probabilidade de disfunção neurológica (delirium).
Ambos grupos utilizaram, em concomitância, a vancomicina, com tempo médio de tratamento de 3 dias.
Questiona-se se a potencial “nefrotoxicidade” da Piperacilina-tazobactam seria apenas decorrente de redução da secreção tubular de creatinina por meio da inibição dos receptores OAT 1 e 3 (organic anion transporters), e não necessariamente de prejuízo da taxa de filtração glomerular. O cefepime, por sua vez, atravessa a barreira hematoencefálica e exerce inibição dependente de concentração de receptores GABA, acarretando neurotoxicidade que inclui coma, delirium e convulsões.
O que acontece com o IBP após a alta do CTI?
Uma coorte retrospectiva, envolvendo 11.576 pacientes, avaliou a trajetória da prescrição de inibidores da bomba de prótons (IBPs) após a alta da terapia intensiva entre 2017 e 2018, na ausência de indicação específica para a terapia de manutenção.
O uso inapropriado foi definido como a persistência por período maior ou igual a 8 semanas.
Os desfechos primários foram os eventos adversos atribuíveis aos IBPs, readmissões e mortalidade em 2 anos.
A hazard ratio (HR) para mortalidade foi de 1,17 (1,09 a 1,27 – P = 0,006). Entretanto, lembramos que nesses estudos as associações aventadas, especialmente aquelas com tamanho de efeito pequeno, estão sujeitas a inúmeros vieses, por vezes sequer ponderados, que as tornam simples geradoras de hipóteses.
Após a alta hospitalar, 80% dos pacientes persistem com a prescrição de IBP, sendo que em 60% dos casos essa continuidade é considerada inapropriada. Na alta hospitalar, 1 a cada 4 pacientes tem IBP mantido em sua prescrição.
Estudo PREVENT CLOT
Trata-se de um RCT de não inferioridade que avaliou 12.211 pacientes provenientes de 21 centros de trauma.
Foram avaliados 2 grupos: (A) fratura de extremidade submetidos a reparo cirúrgico e fratura; e (B) acetabular ou pelve, incluindo os casos em que não foi indicada cirurgia ortopédica.
Comparou-se a profilaxia com heparina de baixo peso molecular (30 mg SC 12/12 horas) com aspirina 81 mg 12/12 horas.
O desfecho primário foi de mortalidade geral em 90 dias, enquanto os secundários incluíram: mortalidade por causa específica, TEP não fatal, sangramento, infecção de sítio cirúrgico e complicações da ferida operatória.
Não foram observadas diferenças entre os grupos no que se refere à morte por todas as causas em 90 dias, TEP ou complicações hemorrágicas. Entretanto, os eventos de TVP foram mais comuns no grupo aspirina: tromboses de qualquer natureza (151 vs. 103 pacientes), trombose proximal (74 vs. 59 pacientes) e distal (87 vs. 52 pacientes).
A mediana de idade da população analisada foi de 44 anos, a maioria experimentado trauma não maior. Os pacientes assintomáticos não foram rastreados para TVP.
A regra geral é que o AAS pode até ser oferecido para a profilaxia de tromboembolismo venoso entre candidatos à cirurgia ortopédica, desde que seja em um processo de decisão compartilhada que aborde o risco aumentado para TVP.
Mensagens práticas
- A acetazolamida pode atuar como adjuvante à furosemida no processo de descongestão dos pacientes internados para o manejo de insuficiência cardíaca aguda descompensada.
- Os usuários de drogas injetáveis que desenvolvem bacteremia por S. aureus complicada por endocardite infecciosa, artrite séptica, abscesso epidural e osteomielite vertebral parecem não ter os seus desfechos agravados com a terapia sequencial oral precoce após pelo menos 10 dias de antibioticoterapia parenteral, desde que a bacteremia tenha sido saneada.
- A estratégia de fluidoterapia conservadora (1,5 mL/kg/h + bolus de 10 mL/kg se necessário) se associou a melhores desfechos na pancreatite aguda leve do que a estratégia agressiva.
- A escovação diária dos dentes na terapia intensiva limita a ocorrência de eventos adversos graves, como a pneumonia associada à ventilação mecânica.
- O cefepime não é mais seguro, sob o aspecto renal, do que a piperacilina-tazobactam, entre pacientes internados por infecções bacterianas com suspeita de P. aeruginosas.
- Na sequência da alta do CTI, frequentemente a prescrição de IBP se prolonga de forma não justificada, trazendo riscos de eventos adversos para o paciente.
- A aspirina, enquanto medida profilática, se associa a maior proporção de trombose venosa profunda entre pacientes ortopédicos vítimas de trauma do que a enoxaparina.
Acompanhe o congresso do ACP com a gente! Confira outros destaques:
- Injúria renal aguda durante a internação
- Dicas sobre MASLD para o clínico
- Revisando os principais estudos de endocrinologia de 2023
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.