As enteropatias perdedoras de proteínas (EPPs) representam uma síndrome definida pela perda não compensada de proteínas plasmáticas para o lúmen intestinal com consequente pan-hipoproteinemia não-seletiva. Os principais mecanismos subjacentes são o dano direto à mucosa intestinal e a falha da drenagem linfática.
O dano direto à mucosa intestinal pode ser de padrão erosivo, como na doença de Crohn, retocolite ulcerativa e doença ulcerosa péptica; ou não-erosivo, a exemplo do lúpus eritematoso sistêmico, pênfigo vulgar, gastroenterite eosinofílica e doença de Ménétrier (gastropatia hipertrófica).
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A falha da drenagem linfática, por sua vez, pode ser primária, quando relacionada a defeitos intrínsecos do sistema linfático; ou secundária a fatores obstrutivos anatômicos, entre os quais o aumento crônico da pressão venosa central (pericardite constritiva, insuficiência cardíaca e pós-operatório de cirurgia de Fontan), malignidades disseminadas (linfomas, mieloma múltiplo e macroglobulinemia de Waldenström), infecções (doença de Whipple, micobacterioses atípicas e infecções oportunistas relacionadas ao HIV) e fibrose retroperitoneal.
Os vasos linfáticos intestinais são responsáveis pela absorção de fluidos, proteínas, ácidos graxos, vitaminas e micronutrientes, como o cálcio, magnésio, zinco, ferro e cobre. A sua primeira unidade funcional são os linfáticos intestinais centrais ou lácteos, localizados no interior das vilosidades intestinais, que se unem progressivamente e confluem para o ducto torácico, com desembocadura na veia subclávia e, por fim, no coração direito.
Nas EPPs há violação do epitélio intestinal com perda de fluido linfático para o lúmen do trato gastrointestinal (TGI). Perde-se, então, conteúdo plasmático para o lúmen intestinal, incluindo a albumina, imunoglobulinas e linfócitos, bem como os nutrientes recém-absorvidos.
A hipoproteinemia não-seletiva, incluindo a albumina e imunoglobulina, é a manifestação clínica mais frequente de EPP. A seletividade da hipoproteinemia, por outro lado, nos leva à consideração sobre diagnósticos diferenciais, como a hipoalbuminemia nas doenças hepáticas e a hipogamaglobulinemia nas imunodeficiências.
A albumina é a principal proteína plasmática, respondendo por 80% da pressão oncótica do plasma e habitualmente sua concentração plasmática encontra-se entre 3,5 e 5,5 g/dL. A produção diária hepática é da ordem de 10 a 15 g/dia, com turnover diário de 5% e tempo de meia-vida de 15 dias. As imunoglobulinas são as segundas principais proteínas plasmáticas, com concentração média entre 0,75 e 2,2 g/dL.
Pelo exposto, espera-se, pela redução acentuada da pressão oncótica, a instalação de anasarca, caracterizada por derrames cavitários e edema de face e extremidades. As infecções de repetição são decorrentes da hipogamaglobulinemia e linfopenia, somadas às deficiências nutricionais, responsáveis por retardo de crescimento e desenvolvimento em crianças acometidas.
Os sintomas gastrointestinais, provenientes da mal-absorção, incluem a diarreia, esteatorreia, dor abdominal e vômitos.
As EPPs congênitas são explicadas por síndromes genéticas displásicas linfáticas, resultantes de anormalidades endoteliais e do tecido conjuntivo, bem como erros inatos da imunidade e do metabolismo. Devem ser suspeitas diante de quadros sindrômicos com início em idade precoce, na presença de história familiar positiva e consanguinidade parental.
Diagnóstico das enteropatias perdedoras de proteínas
O primeiro passo diagnóstico das enteropatias perdedoras de proteínas é a exclusão de diagnósticos diferenciais mais comuns da hipoproteinemia, como as doenças hepáticas, síndrome nefrótica, desnutrição, hipercatabolismo, síndrome de extravasamento plasmático e analbuminemia congênita; e da diarreia crônica malabsortiva, incluindo imunodeficiências primárias, enteropatias autoimunes e fármaco-induzidas.
Na sequência, é desejável a documentação da perda proteica, valendo-se de uma glicoproteína sérica que é resistente à proteólise luminal extragástrica e que não é ativamente secretada nem absorvida pelo TGI. Trata-se da alfa-1-antitripsina, que pode ser quantificada em amostra randômica de fezes ou, preferencialmente, mensurada em amostra de fezes de 24 horas, em simultaneidade com a dosagem sérica, com objetivo de definição do seu clareamento.
Todos os pacientes com suspeita de EPPs devem ser avaliados quanto à presença de características sindrômicas, como baixa estatura, distrofias faciais, criptorquidismo, déficit intelectual, ataxia, hiporreflexia, hipotonia, linfedema, cardiopatias congênitas, hepatopatias e trombose de repetição, entre outras; bem como questionados sobre exposições infecciosas, viagens e histórico familiar.
Na busca pela origem da EPP, pode-se recorrer à propedêutica cardiovascular, como o ecocardiograma transtorácico, diante da suspeita insuficiência cardíaca ou pericardite constritiva; e exames de imagem torácicos e abdominopélvicos, com objetivo de surpreender a presença de massas tumorais. A linfografia por ressonância é uma modalidade útil se houver a suspeita de fístula linfática, viabilizando o seu diagnóstico e orientado a obliteração com cianoacrilato por meio de radiologia intervencionista.
Os exames endoscópicos e anatomopatológicos são úteis nas malformações anatômicas, doenças inflamatórias intestinais, gastropatia hipertrófica, doenças ulcerosas pépticas, linfangiectasias intestinais e malignidades.
Os testes genéticos, como o DNA genômico, são úteis na suspeita de EPPs congênitas. O manejo suportivo das EPPs inclui a correção de distúrbios hidroeletrolíticos e o suporte nutricional, caracterizado pela suplementação de vitaminas e micronutrientes, bem como a adoção de dieta hiperproteica (> 2 g/kg/dia), hipolipídica (< 25 g/dia) e com suplementação com triglicérides de cadeia leve e média, que são transportados diretamente para a circulação portal de forma independente dos quilomícrons.
O edema pode ser aliviado pelo uso de meias elásticas compressivas e, em descompensações agudas, a estabilização clínica pode ser alcançada com o emprego da albumina humana endovenosa por curta duração. O risco de eventos tromboembólicos é aumentado, recomendando-se a tromboprofilaxia farmacológica. Nas infecções de repetição, em especial diante de hipogamaglobulinemia grave, pode-se lançar mão da antibioticoterapia profilática e reposição de imunoglobulinas.
Tratamento das enteropatias perdedoras de proteínas
Os tratamentos específicos dependem das condições de base e podem incluir ressecção cirúrgica ou endoscópica de lesões gastrointestinais; otimização do tratamento da insuficiência cardíaca, com pericardiotomia na pericardite constritiva ou transplante cardíaco nos casos refratários; infusão de eculizumab na doença de CHAPLE, uma causa de EPP relacionada à deficiência de CD55 e que se apresenta com trombose angiopática; a imunomodulação na doença de Crohn, retocolite ulcerativa e lúpus eritematoso sistêmico; a dieta isenta de glúten na doença celíaca; a administração de Cetuximabe ou gastrectomia na doença de Ménétrier; a restrição de antígenos e o uso de corticoides na gastroenterite eosinofílica; o uso de antibióticos na doença de Whipple ou metronidazol na giardíase, entre outros.
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Mensagens práticas
- As enteropatias perdedoras de proteínas (EPPs) devem entrar no diagnóstico diferencial das síndromes edemigênicas, hipoproteinemias não-seletivas (hipoalbuminemia e hipogamaglobulinemia) e diarreias crônicas malabsortivas.
- Os principais mecanismos incluem dano direto à mucosa intestinal e falha da drenagem linfática.
- O primeiro passo diagnóstico consiste na exclusão de diagnósticos diferenciais mais comuns, como doenças hepáticas, síndrome nefrótica e desnutrição. Na sequência, documenta-se a perda proteica pelo trato gastrointestinal (TGI), preferencialmente pela avaliação do clareamento da alfa-1-antitripsina.
- Todos os pacientes devem ser avaliados quanto a características sugestivas de etiologias congênitas, como traços sindrômicos, instalação em idade precoce, história familiar positiva e consanguinidade parental.
- Os recursos adicionais para se chegar ao mecanismo de EPP incluem ecocardiograma; exames seccionais de imagem do tórax, abdome e pelve; linfografia por ressonância; exames endoscópicos e de anatomia patológica; e testes genéticos.
- O manejo suportivo inclui dieta hiperproteica e hipolipídica, com suplementação de vitaminas, micronutrientes e triglicérides de cadeia média e curta.
- Os tratamentos específicos dependem da etiologia de base evidenciada.
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