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Gastroenterologia10 julho 2023

Emprego do mirikizumabe na retocolite ulcerativa: alternativa segura e eficaz?

A retocolite ulcerativa (RCU) é uma condição de grande morbidade, com prevalência crescente, especialmente em regiões recentemente industrializadas, como o Brasil.

Por Leandro Lima

A retocolite ulcerativa (RCU) é uma condição de grande morbidade, com prevalência crescente, especialmente em regiões recentemente industrializadas, como o Brasil.  

A sintomatologia consiste prioritariamente em diarreia crônica, hematoquezia, urgência evacuatória e dor abdominal, apresentando como complicação temida o câncer colorretal.   

As metas terapêuticas têm se tornado cada vez mais rigorosas, com objeto de remissão clínica, endoscópica e histológica. Em contrapartida, as principais limitações das terapias atuais incluem a falha primária e perda secundária de resposta, bem como os riscos de infecções oportunistas e malignidades inerentes à imunossupressão.  

A fisiopatologia da RCU envolve a interação entre o hospedeiro e a microbiota intestinal. A resposta mal adaptativa, autoimune, direcionada à mucosa intestinal, tem nas células T auxiliadoras CD4+ do subtipo Th17 um importante mediador.  

A manutenção das células Th17, por sua vez, passa pela IL-23, um hétero-dímero constituído pelas subunidades p19/p40. Estudos clínicos têm demonstrado que a inibição da subunidade p19, exclusiva da IL-23, e p40, compartilhada entre a IL-12 e IL-23, traz eficácia no manejo das doenças inflamatórias intestinais (DII). 

Ouça também: Retocolite Ulcerativa: qual o tratamento? [podcast]

Emprego do mirikizumabe na retocolite ulcerativa

Novos estudos 

Os estudos LUCENT-1 e LUCENT-2, publicados no New England Journal of Medicine em junho de 2023, avaliaram a eficácia e segurança do mirikizumabe, um anticorpo monoclonal humanizado da variante IgG4 direcionado à subunidade p19 da IL-23, no tratamento de indução e manutenção da RCU. 

Métodos

Tratam-se de estudos de fase 3, patrocinados pela indústria farmacêutica, randomizados, duplo-cegos, controlados por placebo, multicêntricos e conduzidos em 34 países.  

A população foi constituída por adultos e idosos entre 18 e 80 anos, com RCU em atividade moderada a grave (Escore de Mayo modificado entre 4 e 9 e subescore endoscópico de 2 ou 3) e resposta inadequada ou incapacidade de uso de corticoides, imunossupressores, terapia biológica ou inibidores da JAK. 

O uso de 5-aminossalicilatos, glicocorticoides orais, azatioprina, 6-mercaptopurina e metotrexato em doses estáveis foi permitido durante o estudo.    

Foram excluídos pacientes expostos ao ustekinumabe (anti-IL-12 e anti-subunidade p40 da IL-23), risankizumabe (anti-subunidade p19 da IL-23) ou falhados a três ou mais terapias biológicas.  

No estudo de indução foram alocados pacientes na razão de 3:1 para o grupo mirikizumabe (300 mg endovenoso a cada quatro semanas por 12 semanas) ou placebo. No estudo de manutenção, por sua vez, os pacientes que apresentaram resposta na fase de indução foram alocados em razão de 2:1 para o grupo mirikizumabe (300 mg subcutâneo a cada quatro semanas por 40 semanas.

 

Estudo LUCENT-1 e LUCENT-2
Fase de Indução (12 semanas)Fase de Manutenção (40 semanas)
Mirikizumabe 300 mg EV

Semanas: 0, 4 e  8.

Mirikizumabe 200 mg SC

Semanas: 12, 16, 20, 24, 28, 32, 36, 40, 44, 48 e 52.

Tempo total de seguimento: 52 semanas.

O desfecho primário consistiu em remissão clínica, avaliada na semana 12 no estudo de indução e na semana 52 no estudo de manutenção.  

Os desfechos secundários incluíram resposta clínica, remissão endoscópica e melhora na urgência evacuatória. 

Foi permitido aos pacientes refratários ao esquema de indução a alocação em um regime de indução estendida consistente em três doses endovenosas adicionais. A ausência de resposta à indução estendida foi um critério de remoção do estudo. Os pacientes de ambos grupos que perdessem a resposta da semana 12 em diante  tiveram a oportunidade de receber terapia de resgate com 300 mg de mirikizumabe EV a cada quatro semanas. 

Resultados

O estudo de indução randomizou 1.281 pacientes entre junho de 2018 e janeiro de 2021, dos quais 544 respondedores foram direcionados ao estudo de manutenção, realizado entre outubro de 2018 e novembro de 2021.  

A população foi prioritariamente masculina (59%), com média de idade de 42 anos e com duração média do diagnóstico de RCU de oito anos. O fenótipo predominante foi de colite esquerda (63%), sendo 63% formas moderadas e 36% formas graves. Aproximadamente 40% dos pacientes eram experimentados com terapia biológica (anti-TNF ou vedolizumabe) ou tofacitinibe. Três quartos dos pacientes encontravam-se na vigência de aminossalicilatos, um quarto de imunomoduladores e 40% de glicocorticoides.

Saiba mais: Tromboprofilaxia com enoxaparina é segura em pacientes pediátricos com retocolite ulcerativa?

Uma porcentagem significativamente maior de pacientes no grupo intervenção apresentou remissão clínica na semana 12 de indução (24,2 vs 13,3%, P < 0,001) e na semana 40 de manutenção (49,9 vs 25,1%, P < 0,001). Dos pacientes em remissão na semana 40, 97,8% não estavam utilizando glicocorticoides.  

Entre os 272 pacientes refratários à terapia de indução, mas que foram oportunizados à terapia de indução estendida, 53,7% apresentaram resposta clínica e 11,4% alcançaram remissão clínica em 12 semanas, que se manteve em 72,2% dos pacientes.   

Os desfechos secundários foram consistentemente mais frequentes no grupo intervenção do que placebo.  

Os eventos adversos incluíram mais frequentemente nasofaringite e artralgia. As infecções oportunistas foram observadas entre 15 dos 1.217 pacientes expostos ao Mirikizumabe, incluindo seis casos de herpes zoster, quatro casos de candidíase, quatro casos de doença por citomegalovírus e um caso de tuberculose intestinal. Os diagnósticos oncológicos foram realizados em oito pacientes do grupo intervenção, sendo três cânceres colorretais. Entre os pacientes do grupo placebo, um apresentou herpes zoster e nenhum apresentou diagnóstico oncológico. A depressão foi relatada em quatro pacientes no grupo intervenção e nenhum paciente do grupo placebo. Aumentos de enzimas hepáticas foram frequentes no grupo intervenção, sendo a maioria dos casos leves e autolimitados.  

Mensagens práticas 

  • A falha terapêutica primária e a perda secundária de resposta são alguns dos grandes entraves no manejo crônico das DII, cujos alvos terapêuticos têm se tornado cada vez mais exigentes. Logo, a introdução de novas drogas eficazes e seguras, com diferentes mecanismos de ação, é bem-vinda ao arsenal de tratamento.    
  • O Mirikizumabe mostrou eficácia superior à do placebo na indução e manutenção de remissão em pacientes com RCU em atividade moderada a grave, incluindo pacientes experimentados com terapia biológica (anti-TNF ou vedolizumabe) ou tofacitinibe. A exposição prévia ao Ustekinumabe foi considerada um dos fatores de exclusão, em virtude do mecanismo de ação semelhante.     
  • As infecções oportunistas e malignidades foram diagnosticadas em um pequeno número de pacientes, mas são condições que apontam para a necessidade de estudos de vigilância adicionais e com duração mais prolongada. 
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Referências bibliográficas

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