A Doença de Crohn é uma doença inflamatória intestinal, que pode acometer todo trato gastrointestinal, de forma salteada e transmural. É uma doença multifatorial, causada por interação de fatores genéticos, microbiota anormal e desordem imunológica.
Pode ser classificada quanto a gravidade, extensão e comportamento da doença de Crohn.
- Escalas de atividade da doença: índice de Harvey- Bradshaw e CDAI
- Escalas de localização e comportamento: Classificação de Montreal
- Avaliação do médico assistente: História clínica detalhada (sinais, sintomas, manifestações extra-intestinais), avaliação laboratorial, endoscópica, histológica e por imagem.
O tratamento da doença de Crohn tem como alvos: resposta e remissão clínica, remissão laboratorial e remissão endoscópica, além de melhora da qualidade de vida e prevenção de deficiências. A Doença de Crohn tem pouca correlação entre clínica e inflamação ativa e por isso é importante a avaliação de todos os alvos.
Recentemente, o Grupo de Estudos Doença Inflamatória Intestinal do Brasil (GEDIIB) publicou novas diretrizes para o tratamento dessa doença.
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Tratamento da doença de Crohn leve a moderada
Indução de tratamento
A indução do tratamento deve ser feita com corticoesteroides, de preferência de ação local como budesonida de liberação ileal 9 mg/dia em caso de doença ileocecal ativa. Caso não seja efetivo, deve ser avaliada a prescrição de prednisona via oral.
A budesonida apresenta menos eventos adversos e supressão adrenal que os esteróides convencionais, apesar de ser menos eficaz.
Aminossalicilatos, tiopurinas e probióticos não são recomendados para esse fim.
Terapia de manutenção
A manutenção de remissão de DC leve a moderada deve ser feita com imunossupressores, como tiopurinas ou metotrexato.
As tiopurinas são recomendadas na manutenção da remissão de pacientes corticodependentes e corticorefratários e nos que necessitaram de corticoesteroide sistêmico. Essa terapia deve ser em longo prazo para evitar recaídas. Deve-se ter vigilância a eventos adversos , como náuseas, hepatotoxicidade, pancreatite e leucopenia. A dose habitual é 1,5 a 2,5 mg/kg/dia.
A terapia com tiopurinas deve ser evitada em pacientes com baixa atividade da TPMT e sua dose deve ser reduzida em 50% nos pacientes com atividade intermediária da TPMT. Todavia, a dosagem da atividade dessa enzima é pouco disponível.
Em pacientes com hepatotoxicidade, náusea ou sintomas influenza-like e naqueles hiper-metiladores, recomenda-se baixas doses de tiopurinas (25-33%) associadas a alopurinol 100 mg.
Caso a opção seja por MTX, uma dose de manutenção de pelo menos 15 mg/semana/ parenteral é recomendada. Ao longo do tempo, a droga vai reduzindo a eficácia de manter a remissão.
Tratamento de doença moderada a grave
Indução ao tratamento
A indução de remissão na DC moderada a grave é feita com corticoesteroides e/ou agentes imunobiológicos.
- CORTICOESTEROIDES:
- São recomendados a curto prazo para aliviar sintomas. A introdução precoce de terapia biológica é recomendada para pacientes com características de pior prognóstico.
- Na doença moderada a grave, a budesonida mostrou-se inferior aos corticoesteroides sistêmicos
- Em pacientes hospitalizados, preferir via venosa: metilprednisolona 40-60 mg/dia ou hidrocortisona 100 mg a cada 6 ou 8 horas
- Não é efetivo em cicatrizar mucosa e deve ser usado em curto prazo de acordo com a gravidade e a resposta terapêutica, no período de 8-12 semanas.
- AGENTES BIOLÓGICOS
- São recomendados para pacientes refratários a terapia convencional ou doença complicada ou na presença de sinais de pior prognóstico. A escolha da terapia específica deve ser individualizada.
- Pacientes com DC moderada a grave e fatores de risco relacionados a segurança como idade avançada, comorbidades relevantes e infecções prévias graves devem preferencialmente ser tratados com vedolizumabe e ustekinumabe.
- Uso combinado de infliximabe e azatioprina induz melhor resposta clinica do que monoterapia dessas drogas.
- Está recomendado o uso de anti-TNF em comboterapia p/ indução de remissão em pacientes com DC moderada a grave quando houver anticorpos anti-drogas detectados ou nível sérico subterapêutico for detectado.
- Os especialistas sugerem uso de infliximabe ou adalimumabe em pacientes com DC grave com prognóstico ruim ou hospitalizados.
- Comboterapia não é recomendada no tratamento com anti-integrina (vedolizumabe) ou anti-interleucina (ustekinumabe).
Terapia de manutenção
A terapia de manitenção é feita com imunossupressores e/ou agentes imunobiológicos.
- IMUNOSSUPRESSORES:
- Azatioprina, 6-MP e metotrexato (MTX) podem ser considerados na manutenção da remissão de pacientes sem sinais de mau prognóstico;
- Pacientes com DC moderada-grave que respondem a corticoesteroides devem receber terapia adjuvante precoce com tiopurinas ou MTX para reduzir risco de reativação durante ou após o desmame de corticoesteroides.
- MTX deve ser considerado para terapia de manutenção em pacientes com intolerância, falta de resposta ou contraindicação a tiopurinas.
- ANTI-TNF
- Recomendado para pacientes que foram induzidos com anti- TNF.
- Na redução da eficácia de terapia com infliximabe ou adalimumabe, sugere-se reduzir o intervalo ou dobrar a dose antes de considerar a troca para outro agente anti-TNF.
- Em pacientes com falta de resposta primária ao anti-TNF, sugere-se trocar de classe para anti-integrina ou anti-interleucina.
- ANTI-INTEGRINA
- VEDOLIZUMABE é recomendado para manter remissão em pacientes com DC moderada a grave que atingiram a remissão com essa classe de droga.
- Se sua eficácia reduzir, reduzir o intervalo da infusão deve ser considerado.
- ANTI-INTERLEUCINA
- USTEKINUMABE é efetivo em manter remissão da DC em pacientes com dç moderada a grave que atingiram a remissão com essa classe de drogas.
- Se a eficácia estiver reduzida, encurtar o intervalo de infusão deve ser considerado.
Tratamento da doença perianal
- ANTIBIOTICOTERAPIA: É recomendado uso de metronidazol ou ciprofloxacino por 4 a 12 semanas em pacientes sintomáticos com fístula perianal simples.
- ANTI-TNF:
- Infliximabe é a primeira linha de biológico para pacientes com fístula perianal complexa, devendo ser iniciado assim que coleções forem adequadamente drenadas.
- Drenagem percutânea ou cirúrgica do abscesso deve ser feita antes de iniciar anti-TNF para DC fistulizante.
- Nos pacientes com fístula perianal ativa na ausência de abscesso perianal, recomenda-se que o paciente receba imunobiológicos em combinação com antibioticoterapia em vez de imunobiológico em monoterapia na indução da remissão da fístula.
Gerenciamento pré e pós-tratamento para dc ativa
- GERENCIAMENTO PÓS OPERATÓRIO
Pacientes submetidos a ressecção ileocolônica devem ter índice de atividade endoscópico reavaliado com colonoscopia 6 meses após cirurgia, pois recorrência endoscópica é observada em até 60% dos casos nesse período. Um importante fator de risco é a associação com tabagismo.
- CALPROTECTINA FECAL (CF)
CF é um biomarcador validado para correlação com atividade endoscópica e pode informar a necessidade de novo exame endoscópico. O alvo é uma CF < 250 mcg/g em paciente não operados e < 100 mcg/g em pacientes já operados e deve ser atingido em médio prazo (3 a 4 meses).
Exames de imagem
- Recomeda-se entero-RM para monitorar atividade intestinal, avaliação de cicatrização de mucosa, doença extra-luminal e resposta ao tratamento.
- RM pelve deve ser utilizada como método adjunto na avaliação clínica e exame proctológico sob anestesia na avaliação de DC perianal. A depender da experiência local e disponibilidade, ultrassom endoanal também pode ser utilizado.
- A cicatrização transmural apesar de não ser um alvo formal no tratamento da DC, deve ser almejada.
- TDM (Therapeutic Drug Monitoring)
- Opções terapêuticas após falha inicial à terapia biológica (ex: aumentar dose, encurtar intervalo entre as doses e trocar de classe) devem ser avaliadas através de contexto clínico geral e medidas de nível sérico das drogas e dosagem de anticorpos anti-drogas. TDM reativo mostrou-se mais custo-efetivo que otimização empírica da droga.
- O melhor momento para medir os níveis séricos da droga é antes da próxima dose (níveis mínimos e os limites variam com as drogas a serem avaliadas
Uso de corticoides
- Pacientes iniciando corticoesteroides devem ser avaliados quanto ao risco de osteoporose e no caso de alto risco devem receber terapia com bisfosfonados e suplementação com 800-1000 mg/dia de cálcio e 800 U/dia de vitamina D.
- Pacientes em terapia prolongada com corticoesteroides devem ter um desmame cuidadoso da medicação, devido ao risco de supressão adrenal.
- Devem ser monitorizados quanto à pressão arterial, glicemia, potássio e receber as vacinações recomendadas para os pacientes com terapia imunomoduladora. USO DE BIOLÓGICOS
- 2 a 4 semanas após a indução, o paciente em uso de biológicos deve ser reavaliado a fim de verificar necessidade de otimização da droga, com base em dados de resposta clínica e laboratorial (CF, PCR, nível sérico) e após 6-9 meses deve se avaliar alvos endoscópicos.
Dieta
- Pacientes desnutridos ou em risco de desnutrição devem passar por triagem e avaliação de macronutrientes e deficiências de micronutrientes (por exemplo, reservas de ferro, vitaminas B12, folato, vitaminas A, C, D e E, potássio, cálcio,magnésio, fosfato, zinco e selênio).
- Quando não for possível atingir o aporte oral dos nutrientes necessários, deve-se avaliar suplementação oral, enteral ou parenteral.
Situações especiais
Gravidez e lactação
- Recomenda-se manutenção de tiopurinas, anti-TNF, vedolizumabe e ustekinumabe durante a gestação.
- Recomenda-se a suspensão de MTX 3 a 6 meses antes da concepção, devido a risco de teratogenecidade. MTX é contraindicado na gestação.
- Vacinação de RN de mãe usando biológico: suspender BCG por 6 meses após o nascimento e não fazer vacina de rotavírus em bebês de mães expostas a biológicos.
Idosos
- Evitar tiopurinas em idosos devido ao maior risco de neoplasia. Na necessidade de imunossupressor, preferir MTX.
- Evitar terapia combinada sempre que possível, pelo maior risco de infecções.
- Drogas anti-integrinas e anti-interleucinas devem ser preferidas pelo maior perfil de segurança na ausência de indicação estrita de anti-TNF.
Infecções/Vacinas
- Realizar tratamento empírico com antiparasitários antes de iniciar tratamento imunossupressor.
- Pacientes com DII devem receber aconselhamento de vacinação, orientando que vacinação de vírus vivo é proscrita em pacientes em uso de tratamento imunossupressor, ao menos que o tratamento seja descontinuado por pelo menos 3 meses.
INFECÇÃO POR HIV, HEPATITES VIRAIS E TUBERCULOSE
- Antes do tratamento com imunobiológicos, especialmente anti-TNF, pacientes devem ser triados para TB com estratificação de risco clínico, RX tórax, PPD ou IGRA. O diagnóstico diferencial de TB em DC ileocecal deve ser considerado em pacientes nascidos ou que viveram por longos períodos em áreas endêmicas ou apresentem outros FR para a infecção.
- Recomenda-se triagem de HIV e hepatites B e C antes de terapia imunossupressora.
- Em pacientes com infecção atual ou ativa por HBV, o risco de reativação deve ser considerado antes de iniciar drogas imunossupressoras. Pacientes HBsAg + devem receber TDF ou ETV como profilaxia, independente da carga viral.
- O rastreio dessas condições deve ser realizado anualmente.
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Mensagens práticas
A DC é uma doença inflamatória intestinal multifatorial que deve ser tratada dentro de uma janela de oportunidades adequada para prevenir danos. É importante objetivar uma remissão clínico-endoscópica, chamada de remissão profunda. Conhecer o arsenal terapêutico e as peculiaridades do tratamento dessa doença é fundamental para os gastroenterologistas.
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