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Gastroenterologia26 abril 2023

Novas diretrizes brasileiras de doença de Crohn

O tratamento da doença de Crohn tem como objetivo: resposta e remissão clínica, remissão laboratorial e remissão endoscópica.

Por Gabriela Queiroz

A Doença de Crohn é uma doença inflamatória intestinal, que pode acometer todo trato gastrointestinal, de forma salteada e transmural. É uma doença multifatorial, causada por interação de fatores genéticos, microbiota anormal e desordem imunológica.  

Pode ser classificada  quanto a gravidade, extensão e comportamento da doença de Crohn.  

  • Escalas de atividade da doença: índice de Harvey- Bradshaw e CDAI  
  • Escalas de localização e comportamento: Classificação de Montreal 
  • Avaliação do médico assistente: História clínica detalhada (sinais, sintomas, manifestações extra-intestinais), avaliação laboratorial, endoscópica, histológica e por imagem.  

O tratamento da doença de Crohn tem como alvos: resposta e remissão clínica, remissão laboratorial e remissão endoscópica, além de melhora da qualidade de vida e prevenção de deficiências. A Doença de Crohn tem pouca correlação entre clínica e inflamação ativa e por isso é importante a avaliação de todos os alvos. 

Recentemente, o Grupo de Estudos Doença Inflamatória Intestinal do Brasil  (GEDIIB) publicou novas diretrizes para o tratamento dessa doença. 

Saiba mais: Doença de Crohn: como é a ação da bactéria Roseburia intestinalis?

Novas diretrizes brasileiras de doença de Crohn

Novas diretrizes brasileiras de doença de Crohn

Tratamento da doença de Crohn leve a moderada 

Indução de tratamento

A indução do tratamento deve ser feita com corticoesteroides, de preferência de ação local como budesonida de liberação ileal 9 mg/dia em caso de doença ileocecal ativa. Caso não seja efetivo, deve ser avaliada a prescrição de prednisona via oral.  

A budesonida apresenta menos eventos adversos e supressão adrenal que os esteróides convencionais, apesar de ser menos eficaz. 

Aminossalicilatos, tiopurinas e probióticos não são recomendados para esse fim. 

Terapia de manutenção

A manutenção de remissão de DC leve a moderada deve ser feita com imunossupressores, como tiopurinas ou metotrexato. 

As tiopurinas são recomendadas na manutenção da remissão de pacientes corticodependentes e corticorefratários e nos que necessitaram de corticoesteroide sistêmico. Essa terapia deve ser em  longo prazo para evitar recaídas.  Deve-se ter vigilância a eventos adversos , como náuseas, hepatotoxicidade, pancreatite e leucopenia. A dose habitual é 1,5 a 2,5 mg/kg/dia. 

A terapia com tiopurinas deve ser evitada em pacientes com baixa atividade da TPMT e sua dose deve ser reduzida em 50% nos pacientes com atividade intermediária da TPMT.  Todavia, a dosagem da atividade dessa enzima é pouco disponível. 

Em pacientes com hepatotoxicidade, náusea ou sintomas influenza-like e naqueles hiper-metiladores, recomenda-se baixas doses de tiopurinas (25-33%) associadas a alopurinol 100 mg. 

Caso a opção seja por MTX, uma dose de manutenção de pelo menos 15 mg/semana/ parenteral é recomendada. Ao longo do tempo, a droga vai reduzindo a eficácia de manter a remissão. 

Tratamento de doença moderada a grave 

Indução ao tratamento

A indução de remissão na DC moderada a grave é feita com corticoesteroides e/ou agentes imunobiológicos. 

  • CORTICOESTEROIDES:  
  • São recomendados a curto prazo para aliviar sintomas. A introdução precoce de terapia biológica é recomendada para pacientes com características de pior prognóstico. 
  • Na doença moderada a grave, a budesonida mostrou-se inferior aos corticoesteroides sistêmicos 
  • Em pacientes hospitalizados, preferir via venosa: metilprednisolona 40-60 mg/dia ou hidrocortisona 100 mg a cada 6 ou 8 horas 
  • Não é efetivo em cicatrizar mucosa e deve ser usado em curto prazo de acordo com a gravidade e a resposta terapêutica, no período de 8-12 semanas. 
  • AGENTES BIOLÓGICOS 
  • São recomendados para pacientes refratários a terapia convencional ou doença complicada ou na presença de sinais de pior prognóstico. A escolha da terapia específica deve ser individualizada. 
  • Pacientes com DC moderada a grave e fatores de risco relacionados a segurança como idade avançada, comorbidades relevantes e infecções prévias graves devem preferencialmente ser tratados com vedolizumabe e ustekinumabe.  
  • Uso combinado de infliximabe e azatioprina induz melhor resposta clinica do que monoterapia dessas drogas. 
  • Está recomendado o uso de anti-TNF em comboterapia p/ indução de remissão em pacientes com DC moderada a grave quando houver anticorpos anti-drogas detectados ou nível sérico subterapêutico for detectado. 
  • Os especialistas sugerem uso de infliximabe ou adalimumabe em pacientes com DC grave com prognóstico ruim ou hospitalizados. 
  • Comboterapia não é recomendada no tratamento com anti-integrina (vedolizumabe) ou anti-interleucina (ustekinumabe). 

Terapia de manutenção

A terapia de manitenção é feita com imunossupressores e/ou agentes imunobiológicos. 

  • IMUNOSSUPRESSORES: 
  • Azatioprina, 6-MP e metotrexato (MTX) podem ser considerados na manutenção da remissão de pacientes sem sinais de mau prognóstico; 
  • Pacientes com DC moderada-grave que respondem a corticoesteroides devem receber terapia adjuvante precoce com tiopurinas ou MTX para reduzir risco de reativação durante ou após o desmame de corticoesteroides. 
  • MTX deve ser considerado para terapia de manutenção em pacientes com intolerância, falta de resposta ou contraindicação a tiopurinas.  
  • ANTI-TNF 
  • Recomendado para pacientes que foram induzidos com anti- TNF.  
  • Na redução da eficácia de terapia com infliximabe ou adalimumabe, sugere-se reduzir o intervalo ou dobrar a dose antes de considerar a troca para outro agente anti-TNF. 
  • Em pacientes com falta de resposta primária ao anti-TNF, sugere-se trocar de classe para anti-integrina ou anti-interleucina. 
  • ANTI-INTEGRINA 
  • VEDOLIZUMABE é recomendado para manter remissão em pacientes com DC moderada a grave que atingiram a remissão com essa classe de droga. 
  • Se sua eficácia reduzir, reduzir o intervalo da infusão deve ser considerado. 
  • ANTI-INTERLEUCINA 
  • USTEKINUMABE é efetivo em manter remissão da DC em pacientes com dç moderada a grave que atingiram a remissão com essa classe de drogas.  
  • Se a eficácia estiver reduzida, encurtar o intervalo de infusão deve ser considerado.  

Tratamento da doença perianal 

  • ANTIBIOTICOTERAPIA: É recomendado uso de metronidazol ou ciprofloxacino por 4 a 12 semanas em pacientes sintomáticos com fístula perianal simples.  
  • ANTI-TNF: 
  • Infliximabe é a primeira linha de biológico para pacientes com fístula perianal complexa, devendo ser iniciado assim que coleções forem adequadamente drenadas.  
  • Drenagem percutânea ou cirúrgica do abscesso deve ser feita antes de iniciar anti-TNF para DC fistulizante. 
  • Nos pacientes com fístula perianal ativa na ausência de abscesso perianal, recomenda-se que o paciente receba imunobiológicos em combinação com antibioticoterapia em vez de imunobiológico em monoterapia na indução da remissão da fístula. 

Gerenciamento pré e pós-tratamento para dc ativa 

  • GERENCIAMENTO PÓS OPERATÓRIO 

Pacientes submetidos a ressecção ileocolônica devem ter índice de atividade endoscópico reavaliado com colonoscopia 6 meses após cirurgia, pois recorrência endoscópica é observada em até 60% dos casos nesse período. Um importante fator de risco é a associação com tabagismo. 

  • CALPROTECTINA FECAL (CF) 

CF é um biomarcador validado para correlação com atividade endoscópica e pode informar a necessidade de novo exame endoscópico. O alvo é uma CF < 250 mcg/g em paciente não operados e < 100 mcg/g em pacientes já operados e deve ser atingido em médio prazo (3 a 4 meses). 

Exames de imagem

  • Recomeda-se entero-RM para monitorar atividade intestinal, avaliação de cicatrização de mucosa, doença extra-luminal e resposta ao tratamento. 
  • RM pelve deve ser utilizada como método adjunto na avaliação clínica e exame proctológico sob anestesia na avaliação de DC perianal. A depender da experiência local e disponibilidade, ultrassom endoanal também pode ser utilizado. 
  • A cicatrização transmural apesar de não ser um alvo formal no tratamento da DC, deve ser almejada. 
  • TDM (Therapeutic Drug Monitoring) 
  • Opções terapêuticas após falha inicial à terapia biológica (ex: aumentar dose, encurtar intervalo entre as doses e trocar de classe) devem ser avaliadas através de contexto clínico geral e medidas de nível sérico das drogas e dosagem de anticorpos anti-drogas. TDM reativo mostrou-se mais custo-efetivo que otimização empírica da droga. 
  • O melhor momento para medir os níveis séricos da droga é antes da próxima dose (níveis mínimos e os limites variam com as drogas a serem avaliadas 

Uso de corticoides

  1. Pacientes iniciando corticoesteroides devem ser avaliados quanto ao risco de osteoporose e no caso de alto risco devem receber terapia com bisfosfonados e suplementação com 800-1000 mg/dia de cálcio e 800 U/dia de vitamina D. 
  2. Pacientes em terapia prolongada com corticoesteroides devem ter um desmame cuidadoso da medicação, devido ao risco de supressão adrenal. 
  •  Devem ser monitorizados quanto à pressão arterial, glicemia, potássio e receber as vacinações recomendadas para os pacientes com terapia imunomoduladora. USO DE BIOLÓGICOS 
  • 2 a 4 semanas após a indução, o paciente em uso de biológicos deve ser reavaliado a fim de verificar necessidade de otimização da droga, com base em dados de resposta clínica e laboratorial (CF, PCR, nível sérico) e após 6-9 meses deve se avaliar alvos endoscópicos. 

Dieta

  • Pacientes desnutridos ou em risco de desnutrição devem passar por triagem e avaliação de macronutrientes e deficiências de micronutrientes (por exemplo, reservas de ferro, vitaminas B12, folato, vitaminas A, C, D e E, potássio, cálcio,magnésio, fosfato, zinco e selênio). 
  • Quando não for possível atingir o aporte oral dos nutrientes necessários, deve-se avaliar suplementação oral, enteral ou parenteral. 

Situações especiais

Gravidez e lactação

  • Recomenda-se manutenção de tiopurinas, anti-TNF, vedolizumabe e ustekinumabe durante a gestação.  
  • Recomenda-se a suspensão de MTX 3 a 6 meses antes da concepção, devido a risco de teratogenecidade. MTX é contraindicado na gestação. 
  • Vacinação de RN de mãe usando biológico: suspender BCG por 6 meses após o nascimento e não fazer vacina de rotavírus em bebês de mães expostas a biológicos. 

Idosos

  • Evitar tiopurinas em idosos devido ao maior risco de neoplasia. Na necessidade de imunossupressor, preferir MTX. 
  • Evitar terapia combinada sempre que possível, pelo maior risco de infecções. 
  • Drogas anti-integrinas e anti-interleucinas devem ser preferidas pelo maior perfil de segurança na ausência de indicação estrita de anti-TNF. 

Infecções/Vacinas

  • Realizar tratamento empírico com antiparasitários antes de iniciar tratamento imunossupressor. 
  • Pacientes com DII devem receber aconselhamento de vacinação, orientando que vacinação de vírus vivo é proscrita em pacientes em uso de tratamento imunossupressor, ao menos que o tratamento seja descontinuado por pelo menos 3 meses. 

INFECÇÃO POR HIV, HEPATITES VIRAIS E TUBERCULOSE  

  • Antes do tratamento com imunobiológicos, especialmente anti-TNF, pacientes devem ser triados para TB com estratificação de risco clínico, RX tórax, PPD ou IGRA. O diagnóstico diferencial de TB em DC ileocecal deve ser considerado em pacientes nascidos ou que viveram por longos períodos em áreas endêmicas ou apresentem outros FR para a infecção. 
  • Recomenda-se triagem de HIV e hepatites B e C antes de terapia imunossupressora. 
  • Em pacientes com infecção atual ou ativa por HBV, o risco de reativação deve ser considerado antes de iniciar drogas imunossupressoras. Pacientes HBsAg + devem receber TDF ou ETV como profilaxia, independente da carga viral. 
  • O rastreio dessas condições deve ser realizado anualmente. 

Leia também: Melhor protocolo para prevenção de recidiva pós-operatória na doença de Crohn?

Mensagens práticas

A DC é uma doença inflamatória intestinal multifatorial que deve ser tratada dentro de uma janela de oportunidades adequada para prevenir danos. É importante objetivar uma remissão clínico-endoscópica, chamada de remissão profunda. Conhecer o arsenal terapêutico e as peculiaridades do tratamento dessa doença é fundamental para os gastroenterologistas. 

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Referências bibliográficas

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