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Endocrinologia31 julho 2024

Dietas para o clínico: Uma breve revisão

É importante que os profissionais médicos compreendam ao menos minimamente os padrões de dietas e alimentação adequados.

O estilo de vida adotado pela população ocidental, fortemente influenciada pelo padrão alimentar norte-americano claramente vem sendo responsável pelo aumento de peso que atualmente atinge a maioria das populações mundo afora. O aumento expressivo na obesidade, doenças cardiovasculares e consequências relacionadas a estas evoca a necessidade de, mais do que nunca, nos debruçarmos sobre o assunto e buscarmos evidências sobre as melhores práticas em termos de alimentação. 

Além disso, independentemente da especialidade médica, é quase senso comum que as consultas devem contemplar perguntas sobre a alimentação dos pacientes, tornando-se importante para todos os profissionais médicos compreender ao menos minimamente sobre padrões de dieta e alimentação adequados e como fazer tais recomendações aos pacientes. 

Por tais motivos, foi publicada uma revisão sobre os padrões mais comuns de dietas no New England Journal of Medicine (NEJM), com o objetivo não de entrar a fundo em uma delas, mas de trazer informações sobre esses padrões de forma que auxilie os médicos em assistir seus pacientes com boas práticas para sua saúde. 

dietas

A dificuldade acerca das evidências em termos de nutrição 

Antes de revisarmos as principais práticas dietéticas em termos de saúde, alguns mitos por trás do assunto e suas características principais, é fundamental compreender a dificuldade em se estudar o tema.  

Ao randomizar indivíduos para uma dieta, é quase impossível de fato nos certificarmos que a proporção adequada de nutrientes está sendo seguida. Além disso, fatores culturais basicamente impedem que consigamos avaliar um único padrão que sirva a toda a população global, haja vista as diferenças regionais na disponibilidade de grupos alimentares, condições socioeconômicas e mesmo de preferências ou características religiosas. Evidências maiores advém em boa parte de estudos observacionais; Outro problema é o desfecho a se estudar e o isolamento de outras variáveis que possam impactar no resultado final. Enfim, estudar dietas não é uma tarefa fácil, o que deve nos fazer valorizar as evidências de maior qualidade que temos disponíveis e ter um senso (bastante) crítico com estudos pequenos ou com desenho inadequado, tomando cuidado para não se retirar conclusões espúrias. 

Saiba mais: Estudo avalia impacto de diferentes dietas no risco de câncer e doenças cardíacas 

Dietas baseadas em plantas 

Esta categoria engloba a dieta mediterrânea e aproveitamos para revisar conceitos sobre dietas vegetarianas, suas definições, riscos e benefícios.

  1. Dieta mediterrânea 

A dieta mediterrânea foi descrita pela primeira vez na ilha de Creta, e basicamente consiste na adoção de uma alimentação que se baseia em: 

  •  Alto teor de alimentos de origem vegetal, frutas, cereais integrais, legumes;
  •  Gorduras insaturadas (o azeite de oliva é a principal fonte de calorias advindas de ácidos graxos);
  • Proteínas: Quantidades moderadas de carnes magras (aves e peixes) e baixas quantidades de carnes vermelhas; moderada quantidade de derivados de leite (queijo e iogurte) 

A dieta mediterrânea é uma das mais estudadas, com dados de mais de 12 milhões de indivíduos submetidos a esse padrão alimentar. Os resultados são brilhantes para diversos desfechos em saúde, sendo capaz de reduzir morte por todas as causas, doenças cardiovasculares, DAC, IAM, alguns subtipos de câncer, doenças neurodegenerativas e diabetes. Os mecanismos associados são diversos, incluindo redução de lípides, marcadores inflamatórios, melhora da sensibilidade à insulina, melhora do funcionamento endotelial e da coagulação. 

  1. Dietas vegetarianas 

Uma dieta vegetariana pode ser definida como um padrão alimentar que exclui o consumo de carne e pode variar quanto à sua extensão, enquanto dietas baseadas em plantas englobam o termo mas permitem o consumo, ainda que em menor quantidade que o normal, de conteúdo animal.  

Dieta vegana é definida como uma forma mais restritiva, onde não são permitidos o consumo de nenhum derivado animal.  

Na dieta lactovegetariana, leite e derivados são permitidos, enquanto na ovo-lacto-vegetariana, ovos também são incluídos (forma mais comum das dietas vegetarianas). Já a pescetariana, permite também o consumo de peixes e frutos do mar. Existe, ainda, alguns padrões variados e flexíveis, classificados como “flexitarianos”, que podem incluir combinações variadas de alimentos, ocasionalmente se permitindo alguns produtos de origem animal. 

Com relação aos benefícios e riscos dessas modalidades dietéticas, é sabido que quanto maior a aderência a um padrão vegetariano, menor é o risco cardiovascular e de seus fatores de risco como dislipidemia e diabetes. Também há evidência que sugere a redução na incidência de alguns tipos de câncer. 

Contudo, quanto mais restritiva for a dieta, maior o risco de déficits nutricionais, sobretudo vitamina B12, niacina, iodo, zinco, cálcio, potássio e selênio. Algumas situações podem requerer a reposição de oligonutrientes. 

Dietas restritas em gordura (“low fat”) 

Dentre as várias opções dietéticas, algumas se caracterizam pela proporção entre macronutrientes. No caso das dietas restritas em gordura, aumenta-se a proporção de consumo de proteínas e carboidratos. Não há um consenso claro em sua definição, mas aceita-se uma definição de proporção de consumo de gordura <30% da ingestão calórica total. É importante frisar que  o tipo de gordura importa, sendo que as poliinsaturadas devem ser as de escolha para o consumo. 

As dietas “low fat” entraram em voga nos anos 80 com o objetivo de melhorar o perfil lipídico e reduzir o risco cardiovascular e para obesidade. Contudo, apesar de apresentar resultados discretos em perda de peso, seu efeito parece ser menor do que outras abordagens como “low carb”.  

Os benefícios vistos em literatura apontam para melhora de fatores de risco cardiometabólicos como melhora do LDL, pressão arterial, com redução no risco de IAM, DM e até mesmo morte por todas as causas. 

Dietas restritas em carboidratos (“low carb”) 

Já as dietas restritas em carboidratos (“low carb”) são estudadas há muito mais tempo que as demais. Curiosamente, desde o século 19, se estuda esta abordagem com resultados interessantes para melhorar o limiar convulsivo em pacientes com epilepsia refratária. Hoje, a dieta low carb conta com alguns subtipos como a “Atkins” modificada (uma dieta proposta em 1972 pelo Dr. Atkins que compreendia nada mais do que numa dieta cetogênica), que também demonstra evidências em redução do risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares e perda de peso.

Antes, é importante conceituar melhor o que é uma dieta low carb e seus possíveis subtipos. O termo “low carb” é empregado para descrever dietas que são compostas por menos que 40% de carboidratos, ou menos de 50-150g/dia. Contudo, nem todas as dietas low carb são capazes de induzir alterações metabólicas. A dieta cetogênica é definida como uma dieta normalmente que consiste na ingestão de apenas 20-50g de carboidratos por dia, capaz de induzir cetose na maioria das pessoas, enquanto a dieta Atkins pode ser definida como cerca de 10% de carboidratos. As definições podem ter algumas variações na literatura. 

Leia mais: ICO 2024: Dieta cetogênica

O objetivo dessa modalidade é induzir mudanças metabólicas capazes de ser encontradas em estados de jejum, como a mudança nos níveis de ácidos graxos livres circulantes, insulina, corpos cetônicos e glicose.  

As evidências apontam para benefícios em termos de perda de peso (mas que não são superiores às outras modalidades dietéticas). Contudo, também são capazes de melhorar fatores de risco cardiovasculares como glicemia e perfil lipídico. 

Os principais efeitos colaterais e atenção devem ser com relação ao maior consumo de gordura, que pode ironicamente acabar piorando o perfil lipídico em vez de melhorar (normalmente quando adotam-se alimentos ricos em gordura saturada). 

Outros dois subtipos específicos de dieta low carb, mencionados pelos autores na revisão e que valem destaque são: 

  1. Dietas de baixo índice glicêmico: São aquelas que privilegiam carboidratos complexos, como integrais. Seu objetivo é reduzir o pico de insulina e pico glicêmico pós prandial, auxiliando sobretudo no manejo do diabetes. 
  1. Paleolítica: É um subtipo que contempla principalmente  plantas não cultivadas (raízes, frutas e alguns vegetais) e caça, peixe e carne. Mel também pode compor. Trata-se de uma dieta com poucos carboidratos e normalmente integrais, podendo auxiliar em melhora da resistência insulínica, HAS e dislipidemia, porém o corpo de evidências sobre essa dieta é menor do que com as demais. 

Dieta DASH 

Já a dieta DASH foi criada nos anos 90 a partir de um ensaio clínico randomizado que buscou investigar o impacto desse estilo de alimentação no controle pressórico. O resultado foi positivo, indicando uma redução média de 5,5 mmHg na PAS e 3,0 mmHg na PAD após apenas 8 semanas. Trata-se de uma dieta rica em frutas (5 porções), vegetais (4) ao dia e 2 porções de leite/derivados ao dia.  

A composição dessa dieta busca aumentar a ingestão de potássio, magnésio e cálcio, além de grandes quantias de fibra e proteínas.  

Após o estudo inicial, dados de mais de 900.000 pessoas apontam que tal dieta é capaz até mesmo de reduzir morte por todas as causas, doenças cardiovasculares e diabetes. 

Dieta MIND 

A dieta MIND (Mediterranean-DASH Intervention for Neurodegenerative Delay) foi elaborada, como o nome sugere, a partir da combinação dessas duas formas de dieta com o objetivo de avaliar o seu impacto neurocognitivo. Os estudos mostram algum potencial, ainda que nada concreto e há estudos randomizados em andamento para investigação desta. 

Jejum intermitente/Tempo restrito 

Recentemente publicamos na cobertura do congresso da American Diabetes Association (ADA) uma revisão sobre o tema com foco no tratamento da obesidade e diabetes. Contudo, o jejum intermitente é uma modalidade que vem ganhando espaço devido suas promessas de mudanças metabólicas. Existem 3 abordagens mais comuns: 

  • Tempo restrito (ou “Time restricted eating, TRE”): O indivíduo pode se alimentar por cerca de 8h e restringe cerca de 16h/dia 
  • 5:2: 2 dias de jejum e 5 dias se alimentando; 
  • Jejum em dias alternados. 

Os estudos mostram um possível impacto positivo em termos de redução de risco cardiovascular, dislipidemia, DM, HAS e obesidade. Ainda, há interesse em se investigar mais profundamente seus efeitos no risco de câncer e de demência, com alguns estudos em andamento.

Veja também: Dieta e terapias nutricionais nas doenças inflamatórias intestinais

Conclusões 

Como visto, existem diversos padrões de alimentação que podem trazer benefícios para a saúde. O denominador comum da grande maioria dessas dietas é o equilíbrio, sugerindo que de fato uma alimentação com maior conteúdo de origem vegetal, frutas, cereais integrais, legumes e gorduras insaturadas, com quantidades moderadas de carnes magras (aves e peixes) e baixas quantidades de carnes vermelhas parece trazer muitos benefícios para a saúde de forma geral. A dieta mediterrânea é um exemplo que se aproxima muito dessas características, podendo ser uma excelente opção. Não há uma opção claramente superior à outra quanto à perda de peso. 

Contudo, é importante reforçar que, independentemente da opção escolhida, é fundamental que o paciente esteja consciente e alinhado com a dieta proposta, idealmente sendo acompanhado por profissionais de nutrição que possam auxiliar no equilíbrio da dieta a ser seguida para o desfecho o qual se objetiva. 

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Referências bibliográficas

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