A albumina, frequentemente lembrada por seu protagonismo na pressão oncótica e distribuição de fluidos, é a proteína plasmática mais abundante. Entretanto, as suas funções biológicas se estendem para o metabolismo de fármacos e compostos endógenos, como a bilirrubina indireta, tiroxina, colesterol, ácidos graxos e biliares, além de exercer efeitos antioxidantes, contribuir para a regulação do pH e desempenhar papel na modulação da resposta inflamatória e imunológica.
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A síntese de albumina é exclusivamente hepática, com produção diária média de 10g, montante que pode ser incrementado em até 4 vezes com alvo de concentração sérica entre 3,5 a 5 g/dL. A meia-vida circulatória da albumina é de 18h e a meia-vida geral é de 20 dias. O efeito osmótico da albumina decorre de sua massa molecular e alta concentração plasmática, bem como da eletronegatividade de sua superfície, o que gera a atração de íons sódio e, consequentemente, moléculas de água, efeito denominado Gibbs-Donnan.
A hipoalbuminemia é um preditor independente de mau prognóstico, relacionando-se ao aumento do tempo de internações, complicações hospitalares e mortalidade. Contudo, não pode ser considerada um evento fisiopatológico primário, e sim um epifenômeno. Enfatizar esse conceito é fundamental, pois ainda é recorrente o uso indiscriminado da albumina humana exógena (AHE), um hemoderivado caro e escasso, a ser reservado para as indicações com forte evidência científica.
Albumina na Hepatologia
A AHE tem grande aplicabilidade no tratamento da doença hepática crônica avançada descompensada (DHCAd) e suas complicações, contexto em que a albumina endógena está sujeita ao declínio quantitativo, decorrente da disfunção sintética do fígado; e qualitativo de natureza molecular, estrutural e conformacional, sabotando a sua capacidade de ligação, transporte e destoxificação de substâncias. O racional do emprego da AHE na DHCAd é, portanto, o de restaurar as funções primordiais da albumina.
As indicações hepáticas de curto prazo de AHE baseadas em evidências incluem:
- Paracentese de grande volume (> 5L), com dose de 6-8 g por litro removido, com objetivo de minimizar os impactos da disfunção circulatória pós-paracentese. Vale lembrar que a apresentação da AHE mais comum em nosso meio são os frasco-ampolas de 50 mL a 20% (10 g de albumina/frasco).
- Paracentese de pequeno volume em condições de maior vulnerabilidade, como ACLF (acute-on-chronic liver failure), injúria renal aguda (IRA) ou disfunção circulatória grave.
- Peritonite bacteriana espontânea (PBE), com dose de 1,5 g/kg no primeiro dia e 1g/kg no terceiro dia, limitando-se a 100 g/dia. Nesse cenário, em efeito sinérgico à antibioticoterapia, atenua o risco de IRA e mortalidade. Há de se ressaltar um grupo de pacientes com PBE com menor risco para desfechos graves, que dispensa o emprego de AHE: bilirrubina total < 4 mg/dL e creatinina sérica < 1 mg/dL.
- IRA complicando o curso de DHCAd, com dose de 1g/kg/dia por 2 dias consecutivos. Ressalta-se que no estágio 1a, descrito abaixo, a expansão volêmica pode ser feita com cristaloides, sendo a AHE a escolha a partir do estágio 1b (vide classificação abaixo).
- Síndrome hepatorrenal, com dose de 20 a 40 g/dia, por no máximo 14 dias, em combinação com terlipressina e noradrenalina.
Injúria renal aguda em cirróticos (Classificação de ICA-AKI) | ||
Definição: ↑ Cr de 0,3 mg/dL em 48h em relação a basal ou ≥ 1,5 vezes em 7 dias. | ||
Estágios | Cr sérica | Incremento em relação à Cr basal |
1a | < 1,5 mg/dL | < 2 vezes |
1b | > 1,5 mg/dL | < 2 vezes |
2 | Qualquer valor | 2-3 vezes |
3 | Qualquer valor | > 3 vezes ou necessidade da terapia renal substitutiva |
Cr: Creatinina sérica; ICA: International Club of Ascites; AKI: Acute Kidney Injury; ↑: Incremento.
Uma nova modalidade de indicação hepática de AHE, em destaque a partir de 2018, é a de longo prazo, destinada prioritariamente a pacientes ambulatoriais.
O estudo italiano ANSWER, randomizado, controlado e multicêntrico, incluiu 431 pacientes com DHCA, com ascite moderada a grave, refratária a diuréticos, submetidos ao tratamento clínico padrão isoladamente ou associado à AHE de manutenção (40g duas vezes por semana por 2 semanas, seguido por 40g uma vez por semana por até 18 meses) no grupo intervenção. O destaque foi a melhora significativa da sobrevida em 18 meses (HR 0,62 – IC 95%: 0,4 – 0,95 – NNT: 24), definida como desfecho primário do estudo, além de redução superior a 50% na incidência de paracenteses e admissões hospitalares.
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Albumina na Doença Crítica
Sepse
A campanha “Sobrevivendo à Sepse”, em sua diretriz de 2021, não recomenda a infusão de AHE como 1ª linha de tratamento na ressuscitação volêmica de pacientes com sepse ou choque séptico. Entretanto, sugere, com baixo nível de evidência, a sua utilização em pacientes que receberam grande volume de cristaloides, além daqueles com baixa tolerância a estes, como os portadores de DHCAd.
Plasmaférese com albumina
A plasmaférese é uma terapêutica destinada à remoção de substâncias nocivas circulantes, com a possibilidade adicional de administração de substâncias presentes no plasma do doador. Trata-se de tratamento de 1ª linha para a síndrome de Guillain-Barré, miastenia gravis, CIDP, encefalite autoimune relacionada ao receptor do NMDAR, síndrome de Goodpasture, vasculite associada ao ANCA, síndrome de hiperviscosidade e tempestade tireoidiana, entre outros.
Os fluidos de reposição preferencialmente utilizados devem ser a AHE ou plasma, em detrimento dos cristaloides. As vantagens da AHE englobam o risco atenuado para reações imunoalérgicas e infecções, bem como a compatibilidade com todos os grupos sanguíneos. Como desvantagens, o emprego da AHE pode depletar fatores de coagulação e imunoglobulinas, bem como induzir acidose metabólica.
A plasmaférese com o uso de plasma, por sua vez, é preferível à AHE na púrpura trombocitopênica trombótica e insuficiência hepática aguda, pela necessidade de prover o receptor, nessas condições, com a ADAMST13 e fatores de coagulação provenientes do plasma do doador, respectivamente.
Uso de albumina não embasado em evidências
Os benefícios da terapia combinada de AHE e diuréticos no manejo do edema na síndrome nefrótica, especialmente quando a albumina sérica é inferior 2,5 g/dL ou há IRA concomitante, têm sido relatados, embora evidências de alta qualidade se façam necessárias antes de conclusões definitivas.
O emprego da AHE na enteropatia perdedora de proteínas carece de evidências científicas. No manejo de grandes queimados, o emprego precoce (primeiras 8h da lesão) de AHE 5% é capaz de reduzir o volume de cristaloides infundido nas primeiras 24h, reduzindo a pressão intra-abdominal e, por sua vez, o desenvolvimento de síndrome do compartimento abdominal.
Na cirurgia cardíaca, os efeitos positivos relatados da AHE, em comparação aos cristaloides, incluem a manutenção da estabilidade hemodinâmica, redução do risco de trombocitopenia e sobrecarga volêmica, sem evidências de redução de eventos maiores em 90 dias.
Os estudos sobre o emprego perioperatório da AHE no transplante hepático trazem resultados conflitantes quanto a possíveis benefícios nas condições hemodinâmicas e função do órgão transplantado, sem evidências de impactos em desfechos brutos.
Uso inapropriado da albumina
O emprego da AHE com finalidade nutricional é proscrito. Atualmente, não há embasamento para o emprego da AHE na traumatologia, bem como no manejo de edema em pacientes oncológicos e após paracentese em ascites não relacionadas à hipertensão portal. Nessas condições, é considerada terapia fútil e potencialmente iatrogénica, com risco de desencadear eventos adversos graves, como a hipervolemia.
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Mensagens práticas
- A albumina exerce efeitos biológicos pleiotrópicos que extrapolam a sua função osmótica.
- A hipoalbuminemia é um preditor independente de mau prognóstico, embora seja considerada um epifenômeno, e não um evento fisiopatológico primário.
- O emprego da albumina humana exógena (AHE) deve ser reservado para indicações baseadas em evidências sólidas, entre as quais os pacientes portadores de doença hepática crônica avançada descompensada (DHCAd) submetidos à paracentese de grande volume ou experimentando complicações como a peritonite bacteriana espontânea (PBE), insuficiência renal aguda (IRA) ou síndrome hepatorrenal (SHR).
- Uma nova modalidade de terapia com potencial modificador da DHCAd é o emprego de longo prazo da AHE, embora a reprodução dos resultados e avaliação da viabilidade financeira na prática brasileira se façam necessárias.
- Na sepse e choque séptico a AHE não é recomendada como terapia de primeira linha na ressuscitação volêmica.
- Nos pacientes críticos com necessidade de plasmaférese a AHE é um excelente fluido de reposição, sendo algumas das exceções os pacientes com púrpura trombocitopênica trombótica e insuficiência hepática aguda.
- O emprego de AHE pode ser considerado de forma restrita e individualizada no manejo do edema relacionado à síndrome nefrótica sobreposto à hipoalbuminemia grave ou IRA, enteropatia perdedora de proteínas, grandes queimados, cirurgia cardíaca e transplante hepático.
- É proscrito o uso de AHE com finalidades nutricionais, bem como no manejo politraumatismos, edemas em pacientes oncológicos ou pós-paracentese de ascites não relacionadas à hipertensão portal.
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