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Gastroenterologia28 março 2023

Ressuscitação volêmica em cirróticos com sepse

Em pacientes com cirrose avançada, são necessários volumes maiores de líquidos para melhorar a hipoperfusão de órgãos induzida pela sepse.

A ressuscitação volêmica, geralmente, é indicada em pacientes com cirrose, sepse e hipotensão. No entanto, as complexas mudanças circulatórias associadas à cirrose, como o estado hiperdinâmico, aumento do volume sanguíneo esplâncnico e hipovolemia central relativa, dificultam a administração de fluidos e o monitoramento da volemia. Recentemente, Durand e colaboradores publicaram uma revisão sobre o assunto, sendo os principais tópicos destacados abaixo.

Leia também: Lesão renal aguda na cirrose hepática: abordagem prática

Avaliação de fluido-responsividade e marcadores de hipovolemia

Em pacientes com cirrose avançada, são necessários volumes maiores de líquidos para expandir o volume sanguíneo central e melhorar a hipoperfusão de órgãos induzida pela sepse, o que acarreta um concomitante aumento no volume extravascular.

A ultrassonografia beira-leito é promissora para avaliação da volemia e fluido- responsividade no paciente cirrótico, embora os estudos ainda sejam incipientes. Por outro lado, a medida da pressão venosa central pode ser enganosa na aferição da volemia, uma vez que a presença de ascite altera a pressão intra-abdominal e o retorno venoso.

Marcadores indiretos de perfusão tecidual, como os níveis de lactato, devem ser interpretados com cautela em pacientes com cirrose, pois esses níveis podem ser falsamente elevados pela diminuição da depuração do lactato devido à função hepática prejudicada. Assim, as tendências evolutivas nos níveis séricos de lactato, provavelmente, são mais informativas do que uma única medida isolada.

Expansores volêmicos

Estudos prévios sugerem que o aumento no volume sanguíneo central após uma expansão de volume de 0,8 litros em pacientes com cirrose Child-Pugh A seja similar em magnitude ao observado em pacientes não cirróticos (10-15%).

Por outro lado, o mesmo volume de fluido não é capaz de produzir um aumento significativo no volume sanguíneo central em pacientes com cirrose Child-Pugh B e C. O oposto é observado em relação ao volume sanguíneo não-central, com mudanças modestas e não-significativas em pacientes com cirrose Child-Pugh A, assim como em pacientes não cirróticos, e um aumento significativo em pacientes com cirrose Child-Pugh B (6%) e Child-Pugh C (23%).

Esses achados sugerem que um aumento significativo no volume sanguíneo central, principal objetivo da ressuscitação, é menos provável de ser alcançado após uma expansão de volume padrão em pacientes com cirrose avançada (Child-Pugh B e C).

Além disso, volumes maiores são necessários para adequada expansão volêmica, em relação a pacientes não cirróticos, o que culmina em um aumento adicional no volume sanguíneo não central, incluindo edema periférico e ascite.

Grandes volumes de soro fisiológico devem ser evitados na cirrose. Pacientes com doença hepática avançada têm capacidade de tamponamento reduzida e são mais susceptíveis à acidose metabólica hiperclorêmica. As soluções de Ringer Lactato que contêm apenas L-lactato são preferíveis ou, se forem empregadas soluções isotônicas, pode-se usar o Plasmalyte.

Dados experimentais sugerem que, independentemente da expansão de volume, a albumina é superior aos cristaloides no controle da inflamação sistêmica e na prevenção da lesão renal aguda.

Um estudo controlado recente em pacientes com cirrose e hipotensão induzida por sepse mostrou que o uso de albumina a 20% (0,5-1 g/kg em 3 horas) foi superior ao uso de Plasmalyte (30 mL/kg em 3 horas) para atingir uma meta de pressão arterial média acima de 65mmHg em 3 horas.

No entanto, complicações pulmonares levando a uma diminuição na relação PaO2/FiO2 foram significativamente mais comuns no grupo da albumina e não houve diferença de sobrevida em 28 dias.

Em outro estudo controlado que comparou albumina mais antibióticos com antibióticos sozinhos em pacientes com infecções não relacionadas a peritonite bacteriana espontânea, o edema pulmonar também foi mais comum em pacientes que receberam albumina, sugerindo que a dose recomendada pode ser muito alta.

Veja mais: Disfunções neurológicas da sepse

Recomendações práticas

Recentemente, um painel multidisciplinar de especialistas recomendou o uso de cristaloides e albumina a 5% em situações em que há perda significativa de volume devido a diarreia, excesso de diurese ou choque séptico. Já albumina a 20% foi reservada para pacientes com peritonite bacteriana espontânea ou suspeita de síndrome hepatorrenal.

O início precoce de vasopressores é recomendado em pacientes com cirrose avançada, sepse e hipotensão, uma vez que esses subgrupo de pacientes apresenta menor probabilidade de responder a fluidos em comparação com pacientes não cirróticos. Embora a noradrenalina seja a opção de primeira linha, o papel da terlipressina ainda precisa ser mais bem esclarecido nesse contexto.

Na prática, em pacientes cirróticos hipotensos com sepse e sem evidência de edema pulmonar, pode ser recomendada uma tentativa de expansão rápida (20-30 minutos) de volume através da administração de 500mL de Ringer Lactato ou 250 mL de albumina a 4-5%.

Se a pressão arterial alvo não for alcançada, uma segunda tentativa de expansão de volume com solução de Ringer Lactato ou albumina a 4-5% pode ser tentada. Se a pressão arterial ainda estiver abaixo da pressão alvo, a noradrenalina deve ser iniciada precocemente com ajustes de dose para alcançar uma pressão arterial média alvo ≥ 65 mmHg.

Após a ressuscitação precoce e estabilização hemodinâmica, pode ser recomendada a administração de 40-60 g de albumina por dia com solução de albumina a 20%, com monitoramento cuidadoso da volemia. É importante ainda relembrar que a insuficiência adrenal é uma característica da própria doença hepática e comum em pacientes críticos com cirrose.

Dessa forma, o uso de corticosteroides (hidrocortisona de 200-300 mg/dia em doses divididas) pode ser considerado no contexto de choque séptico, o que por vezes permite uma redução significativa nas doses de vasopressores, uma taxa maior de reversão do choque e melhora na sobrevida.

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Referências bibliográficas

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