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8 março 2024

Ácido tranexâmico no trauma: novas evidências a partir de metanálises

O uso de ácido tranexâmico na emergência e no atendimento pré-hospitalar pode reduzir a mortalidade do paciente vítima de trauma.
Por Felipe Mesquita
As lesões traumáticas representam uma das principais causas de morte e incapacidade, com aproximadamente 4,4 milhões de óbitos em todo o mundo a cada ano, correspondendo a quase 8% da taxa global de mortalidade total. Os traumas graves incluem traumatismos cranioencefálicos, lesões raquimedulares e danos em múltiplos órgãos, podendo resultar em quadros hemorrágicos graves com risco de vida. Os quadros hemorrágicos sem controle adequado respondem por aproximadamente um terço das admissões hospitalares por trauma. O ácido tranexâmico (TXA) é um análogo sintético da lisina que inibe a ativação do plasminogênio e conversão em plasmina. Veja também: O cuidado neurocrítico no status epilepticus O TXA pode reduzir a hemorragia ao inibir a ativação da plasmina e manter a estabilidade e a integridade do coágulo. Revisões sistemáticas publicadas anteriormente sugeriam que o ácido tranexâmico diminui a mortalidade em pacientes vítimas de trauma, mas não incluíram os dados de estudos mais recentes com maior rigor metodológico.  

Metanálises prévias 

  • JAMA 2022 
O estudo foi desenvolvido com o objetivo de analisar a associação da administração de ácido tranexâmico com a mortalidade e eventos tromboembólicos em comparação com nenhum tratamento ou placebo em pacientes vítimas de lesões traumáticas. Ensaios clínicos randomizados e estudos observacionais que avaliavam pacientes com 15 anos ou mais foram analisados. Assim, 31 estudos, totalizando 43.473 pacientes, foram incluídos na revisão sistemática. A metanálise demonstrou que a administração de ácido tranexâmico estava associada a uma diminuição significativa na mortalidade em 30 dias, em comparação com a coorte de controle (OR, 0,83 [IC 95%, 0,71-0,97]; I² = 35%). Para o desfecho acima, os estudos apresentaram heterogeneidade leve.  Os resultados das metanálises para mortalidade em 24 horas, mortalidade geral e eventos tromboembólicos foram heterogêneos e não puderam ser agrupados. Investigações adicionais sobre heterogeneidade clínica mostraram diferenças marcantes nas populações com trauma e nas condições dos ensaios.  
  • Cochrane Database Systematic Review 2015 
Neste estudo, ensaios clínicos randomizados de agentes antifibrinolíticos (aprotinina, ácido tranexâmico [TXA], ácido epsilon-aminocaproico e ácido aminometilbenzoico) foram triados. As medidas de desfecho incluíram: mortalidade ao final do acompanhamento; eventos adversos (especificamente eventos oclusivos vasculares: infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, trombose venosa profunda ou embolia pulmonar e insuficiência renal); número de pacientes submetidos à intervenção cirúrgica ou hemotransfusões; volume de sangue transfundido; volume de sangramento intracraniano; lesões isquêmicas encefálicas; morte ou incapacidade. Ao todo, 3 ensaios atenderam aos critérios de inclusão. Ademais, 2 ensaios (n = 20.451 pacientes) avaliaram o efeito do TXA. O maior deles (CRASH-2, n = 20.211) foi conduzido em 40 países e incluiu pacientes com diversos tipos de trauma. Os dados agrupados evidenciaram efeito protetor realacionado ao uso de antifibrinolíticos quanto à mortalidade por qualquer causa, reduzindo o risco em 10% (RR 0,90, IC 95% 0,85 a 0,96; P = 0,002) com qualidade da evidência: alta. Não há evidências de que os antifibrinolíticos tenham efeito sobre o risco de eventos oclusivos vasculares, necessidade de intervenção cirúrgica ou número de hemocomponentes transfundidos. O TXA deve ser administrado o mais cedo possível e dentro de 3 horas após a lesão, pois análises adicionais do ensaio CRASH-2 mostraram que o tratamento após esse período é improvável de ser eficaz e pode ser prejudicial.   

Método de seleção de estudos 

Na presente metanálise, a busca foi limitada a ensaios clínicos randomizados que compararam o TXA com placebo. Foram incluídos ensaios realizados em ambientes relacionados ao atendimento de emergência a trauma e ambientes pré-hospitalares. Além disso, foram excluídos estudos que avaliaram pacientes por internações cirúrgicas, obstétricas ou outras internações hospitalares não relacionadas a emergências, bem como estudos que incluíam pacientes com menos de 15 anos de idade. Os pesquisadores utilizaram a escala MASTER para determinação da qualidade metodológica.  

Desfechos primários e secundários 

O desfecho primário analisado foi a mortalidade em 1 mês. Os desfechos secundários incluíram a mortalidade em 24 horas e eventos oclusivos vasculares em 1 mês, abrangendo: infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, trombose venosa profunda e embolia pulmonar.  

Resultados 

Após a triagem de resumos e a remoção de duplicatas, 7 ensaios foram incluídos na revisão sistemática e metanálise. Todos os 7 eram randomizados e duplo-cegos. Assim, 3 estudos abordaram trauma em geral, enquanto 4 se concentraram em traumatismos cranioencefálicos. Apenas dois ensaios tiveram o ácido tranexâmico (ou placebo) administrado 3 horas após a lesão, e as doses de TXA seguiram o cronograma de dosagem do estudo CRASH-2 (1 g inicialmente, seguido na maioria por doses de infusão de 1 g). 
  • Mortalidade em um mês e em 24 horas: uma metanálise ajustada para viés de todos os ensaios que relatam a mortalidade em um mês apresentou um efeito estimado que sugere benefício moderado para o ácido tranexâmico (OR 0,89), com forte evidência (IC 95%, 0,84 a 0,95) e muito pouca heterogeneidade. O número necessário para tratar com TXA para evitar uma morte adicional em um mês é de 61 pacientes. Uma síntese dos quatro ensaios que relatam a mortalidade em 24 horas também indicou que a administração de TXA teve benefício moderado semelhante (OR 0,76), com forte evidência (IC 95% 0,65 a 0,88) e muito pouca heterogeneidade.  
  • Momento da administração de TXA: a presente metanálise não teve dados suficientes para avaliação desse desfecho. Mesmo assim, o ensaio CRASH-2 mostra uma redução de 11% no risco de morte para pacientes vítimas de trauma que receberam TXA em menos de 3 horas em comparação com aqueles que receberam TXA em mais de 3 horas (OR 0,89, IC 95% 0,78 a 1,00).  
  • Fora do hospital versus dentro do hospital: as estimativas agrupadas de ensaios com TXA fora do hospital mostram que as chances de morte são 22% menores em comparação com o placebo (OR 0,78, IC 95% 0,64 a 0,95).  
  • Eventos oclusivos vasculares: uma combinação das estimativas dos ensaios não demonstrou evidências de aumento nos eventos oclusivos vasculares (OR 0,96, IC 95% 0,73 a 1,27); no entanto, houve substancial heterogeneidade.
Saiba mais: Quando indicar e quando não indicar a albumina?

Mensagem prática 

Os dados de importantes metanálises sugerem benefício da administração precoce (até 3 horas do evento) de ácido tranexâmico para pacientes vítimas de politrauma com quadros hemorrágicos, com benefícios ainda maiores sendo observados no contexto pré-hospitalar. Até o momento, não foram observados eventos vaso-oclusivos importantes que contraindiquem a conduta devido à heterogeneidade de coleta dos dados relativos aos eventos de segurança.  
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Referências bibliográficas

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