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Saúde7 março 2024

Quando indicar e quando não indicar a albumina?

As indicações mais robustas de albumina incluem a peritonite bacteriana espontânea, as paracenteses de grande volume, a IRA com DHCA e a SHR.
Por Leandro Lima
A albumina humana, um hemoderivado proveniente do plasma humano doado, tem sido empregada em uma miríade de condições clínicas, entre as quais destacamos as complicações da doença hepática crônica avançada (DHCA), expansão volêmica no choque, mobilização de fluidos em estados edematosos e como adjuvante à terapia renal substitutiva.    Como qualquer outra intervenção farmacológica, está associada a custos (média de R$ 330,00 por 10 gramas) e riscos de eventos adversos, como hemodiluição, reações alérgicas, hipervolemia e edema pulmonar.   Veja também: DOACs na trombose venosa esplâncnica Pelo exposto, fica clara a necessidade de responder a dois questionamentos básicos:  
  • Em quais cenários há um racional científico para a utilização da albumina? 
  • E quando o emprego da albumina é desprovido de embasamento científico mais sólido?
As diretrizes da International Collaboration for Transfusion Medicine, publicadas em março de 2024, abordam o tema sob a óptica de pesquisadores, médicos assistentes e estatísticos, por meio de um compilado de recomendações, as quais abordaremos na sequência, com ênfase na população adulta.   

Quando a utilização da albumina é desencorajada  

Entre adultos criticamente enfermos, a albumina intravenosa não é sugerida como: 
  • Expansor plasmático ou correção da hipoalbuminemia, incluindo os grandes queimados ou indivíduos com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA); 
  • Adjuvante da diureticoterapia para a remoção de fluido extracelular. 

O racional para a utilização da albumina na vigência de choque circulatório reside em seu maior potencial oncótico e tempo de meia-vida mais longo quando comparada aos cristaloides.   

Em estados edematosos, especialmente na presença de hipoalbuminemia, a combinação entre albumina e furosemida poderia suplantar os mecanismos de resistência diurética a partir da mobilização de fluidos do terceiro espaço para o meio intravascular e do carreamento da furosemida até o seu sítio de ação renal.  

A despeito da plausibilidade biológica aventada, uma revisão sistemática de 2019, incluindo 55 RCTs e 26.329 pacientes, não demonstrou benefício de mortalidade (RR 1,02 - IC 95%: 0,96 a 1,1) enquanto expansor plasmático ao ser comparada com cristaloides. De forma semelhante, uma revisão da Cochrane de 2018 não encontrou diferença de mortalidade ou demanda por terapia renal substitutiva entre pacientes críticos em 30 e 90 dias. Especificamente no grupo de pacientes com traumatismo crânio-encefálico, a análise de subgrupo do estudo SAFE demonstrou incremento da mortalidade com a exposição à albumina (RR 1,62 - IC 95%: 1,12 a 2,34).    

Em relação ao uso combinado de albumina e furosemida no manejo de estados edematosos, uma revisão sistemática de 2022 contemplou 129 pacientes em ventilação mecânica (VM) e demonstrou redução de episódios hipotensivos, mas sem encurtar a duração da VM ou melhorar a taxa de mortalidade.

Outra revisão sistemática, realizada em 2014, demonstrou que, embora a combinação resultasse em débito urinário superior em 6 horas, a diferença não se mantinha em 24 horas, fazendo questionar o seu potencial em promover redução do balanço hídrico.   

Leia ainda: Insuficiência hepática aguda: o que é preciso saber na hora do atendimento

Entre os adultos em terapia renal substitutiva (TRS), a albumina intravenosa não é sugerida para: 
  • Prevenção ou tratamento da hipotensão intradialítica; 
  • Otimização da ultrafiltração. 

Uma revisão da Cochrane avaliou o impacto da albumina no tratamento da hipotensão intradialítica. Um RCT com 45 pacientes não encontrou diferenças em termos de percentual do alvo de ultrafiltração alcançado ao se comparar a albumina 5% e o soro fisiológico. Alguns pequenos RCTs demonstraram melhora da pressão arterial intradialítica no grupo albumina, mas sem modificar desfechos robustos. Em 2021, um RCT envolvendo 65 pacientes hospitalizados em hemodiálise e com albumina sérica < 3 g/dL demonstrou melhora da hipotensão intradialítica e da taxa de ultrafiltração com a albumina, 25% em comparação ao soro fisiológico.   

A recomendação atual pela não utilização rotineira da albumina nesse cenário se deve aos questionamentos quanto à eficácia, a possibilidade de manejar a hipotensão intradialítica de outras maneiras (dialisato rico em cálcio, temperatura mais baixa do dialisato e uso concomitante de midodrina, um vasopressor oral) e os custos elevados da albumina em pacientes sob regime de hemodiálise crônica.   

Entre adultos que irão se submeter à cirurgia cardiovascular, a albumina intravenosa não é sugerida para: 
  • Preenchimento do circuito de circulação extracorpórea; 
  • Reposição volêmica.

Na cirurgia cardiovascular, a infusão de albumina não se associa à redução de mortalidade quando comparada a outros fluidos. Da mesma maneira, a intervenção é incapaz de modificar a taxa de injúria renal, perda sanguínea, uso de outros hemoderivados ou tempo de permanência em terapia intensiva.

O balanço hídrico acumulado com a albumina, em comparação as outras soluções, foi menor (média de - 0,55L), fato que não se traduz, necessariamente, em benefícios clínicos reais. Em termos de segurança, o maior RCT (ALBICS) envolveu 1.386 pacientes e comparou albumina 4% e Ringer lactato, tendo demonstrado maiores taxas de sangramento, re-esternotomia e infecção no grupo albumina.    

Entre os adultos com doença hepática crônica avançada (DHCA), a albumina intravenosa não é sugerida para: 
  • Redução de mortalidade ou de lesão renal aguda em infecções extraperitoneais; 
  • Redução de infecção, lesão renal aguda ou mortalidade entre adultos internados com DHCA descompensada e hipoalbuminemia (< 3 g/dL); 
  • Redução de complicações da cirrose entre indivíduos com DHCA ambulatoriais e com persistência de ascite não complicada a despeito de diureticoterapia.  

Cenários em que o uso da albumina é racional  

A hepatologia é sede das principais boas indicações da albumina humana endovenosa, com destaque para:  
  • Paracenteses de grandes volumes (> 5 litros), com a finalidade de prevenir a disfunção circulatória após a paracentese;  
  • Peritonite bacteriana espontânea (PBE), quando o seu uso está implicado em redução de mortalidade;
  • Não avaliada especificamente por essa diretriz, mas destacada pela importância clínica, lembro aqui da injúria renal aguda e síndrome hepatorrenal entre pacientes com DHCA.  

Nas paracenteses de grande volume (> 5 litros) recomenda-se 6 a 8g de albumina por litro de fluido removido ou uma dose padrão entre 20 e 40g. Uma revisão sistemática da Cochrane de 2019 não demonstrou benefícios relativos à mortalidade, lesão renal aguda ou recorrência de ascite. Entretanto, a disfunção circulatória pós-paracentese foi mais frequente no grupo não albumina (RR 1,98 - IC 95%: 1,31 a 2,99).

Há críticas quanto aos impactos clínicos reais da albumina nesse cenário e questionamentos sobre a possível subexpansão volêmica com cristaloides nos grupos controle, o que pode ter inflado os benefícios da albumina.    

Na PBE habitualmente se recomenda a dose de 1,5 g/kg (D1) e 1 g/kg (D3). Nesse cenário, o emprego de albumina está associado à redução da taxa de lesão renal aguda (OR 0,21 - IC 95%: 0,11 a 0,42) e mortalidade (OR 0,34 - IC 95%: 0,19 a 0,6). Já nas infecções extraperitoneais, uma revisão sistemática de 2020 demonstrou ausência de benefícios sobre a mortalidade ou desfechos renais, bem como incremento da taxa de edema pulmonar no grupo albumina (OR 5,17 - IC 95%: 1,62 a 16,47).   

No RCT ATTIRE, que envolveu 777 pacientes hospitalizados com DHCA descompensada, a infusão de albumina por 14 dias, com alvo de albuminemia de 3 g/dL, não foi observado impacto sobre o desfecho combinado de novas infecções, disfunção renal ou morte (OR 0,98 - IC 95%: 0,71 a 1,33). Houve, entretanto, maior incidência de eventos adversos no grupo intervenção, especialmente edema pulmonar.  

No grupo de pacientes com DHCA e encefalopatia hepática, um RCT envolvendo 176 pacientes demonstrou melhora dos desfechos com o emprego da albumina em comparação à monoterapia com lactulose, tanto em termos de redução de encefalopatia hepática (RR 0,6 - IC 95%: 0,38 a 0,95) quanto em termos de impacto sobre a mortalidade (RR 0,54 - IC 95%: 0,33 - 0,9).  

Nos pacientes com DHCA e ascite, uma revisão sistemática de 2021 não demonstrou diferenças em mortalidade em 12 a 36 meses (RR 0,88 - IC 95%: 0,67 a 1,14), mas apontou para a redução da necessidade de paracenteses (RR 0,56 - IC 95%: 0,48 a 0,67), menor propensão ao desenvolvimento de encefalopatia hepática e incremento da sobrevida (77% vs. 66% em 18 meses - HR 0,62 - IC 95%: 0,4 a 0,95) com regimes de albumina (40 g 2x/semana por 2 semanas, seguidos por 40 g/semana por 18 meses). A grande crítica ao estudo é a maior exposição à equipe de saúde entre os pacientes alocados ao regime de albumina.   

Saiba mais: Resmetirom em NASH com fibrose hepática

Conclusão e mensagens práticas 

  • A albumina humana é um hemoderivado proveniente do plasma de doadores.  
  • A baixa disponibilidade e o custo elevado, em concomitância com os potenciais eventos adversos, em especial a hipervolemia e a anafilaxia, conclamam para a necessidade do uso racional.  
  • As indicações mais robustas de albumina incluem a peritonite bacteriana espontânea, as paracenteses de grande volume (> 5L), a injúria renal aguda entre portadores de doença hepática crônica avançada e a síndrome hepatorrenal.  
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Referências bibliográficas

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