Clínica Médica7 março 2024
O cuidado neurocrítico no status epilepticus
O tempo que se leva para a interrupção do status epilepticus é um fator prognóstico crítico, especialmente se ultrapassa 1 ou 2 horas.
O status epilepticus (SE) tem incidência estimada entre 12 e 36 casos por 100 mil pessoas-ano, configurando-se como uma emergência neurológica rara, grave e potencial catastrófica.
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Quanto mais prolongada a crise epiléptica, maior é a tendência de fármaco-resistência e dano neuronal persistente. A hiperexcitabilidade prolongada gera lesão citotóxica mediada pelo glutamato, bem como aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica, disfunção mitocondrial, ativação da apoptose e gliose.
A liberação maciça de catecolaminas que acompanha o SE promove alterações sistêmicas, incluindo arritmias cardíacas, edema pulmonar neurogênico, distúrbios metabólicos e injúria renal aguda.
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A observação da resposta terapêutica aos passos anteriormente descritos traz à tona alguns conceitos importantes de refratariedade, como os apresentados abaixo.
Um detalhe importante é que o término da atividade motora do SE convulsivo nem sempre é acompanhado pela cessação da atividade epiléptica cerebral. Ou seja, a abolição da fase tônica e/ou clônica pode ceder lugar ao SE não convulsivo, cujo diagnóstico é desafiador na ausência de monitorização eletroencefalográfica contínua.
Fisiopatologia
A gênese do SE passa pela perda do mecanismo intrínseco de proteção contra a propagação disseminada do estímulo neural, vinculada à redução da liberação ou perda de susceptibilidade ao GABA. Modelos animais têm demonstrado inclusive um mecanismo paradoxal, excitatório, das vias gabaérgicas nesse cenário. Nos casos de SE refratário, seja o de início recente (NORSE) ou induzido pela febre (FIRES), especula-se que a hiperativação imunológica decorrente de estímulo infeccioso exerça um importante papel etiológico. O NORSE, responsável por 20% dos casos, é caracterizado por SE na ausência de epilepsia ou neuropatia preexistente e não pode ser atribuído a alterações agudas estruturais, tóxicas ou metabólicas. Os principais gatilhos do SE incluem eventos metabólicos, estruturais e inflamatórios no sistema nervoso central, com destaque para os eventos isquêmicos agudos e concentrações plasmáticas subterapêuticas de drogas antiepilépticas.
As 5 principais causas de status epilepticus |
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Definição e diagnóstico do status epilepticus
A definição operacional de SE é estabelecida por dois critérios clínicos:- Crises epilépticas com duração superior a cinco minutos;
- Crises epilépticas recorrentes na ausência de recuperação ao nível basal no período intercrítico.
Propedêutica do status epilepticus |
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Os tempos do status epilepticus e a abordagem terapêutica
O adequado manejo parte da premissa de que o tempo é um fator crítico para o prognóstico. O T1, definido como a duração prolongada da crise epiléptica, geralmente é pautado em 5 minutos, quando as medidas abortivas são indicadas. Já o T2 é caracterizado pelo intervalo de tempo a partir do qual a persistência da crise epiléptica se associa a consequências de longo prazo, padronizando-se a marca dos 30 minutos, quando medidas mais agressivas são indicadas. Nos primeiros 5 minutos de crise convulsiva, as medidas gerais incluem a posição de recuperação em decúbito lateral esquerdo, a prevenção de lesões secundárias traumáticas e da broncoaspiração, bem como medidas suportivas, como oxigenoterapia, manutenção da abertura das vias aéreas e correção de hipoglicemia com glicose endovenosa associada à tiamina nos casos de hipoglicemia. Como regra prática, uma vez acionado o plantão médico para o atendimento de uma crise convulsiva, a constatação de atividade epiléptica persistente no momento da primeira avaliação já deve ser o gatilho para a introdução das medidas abortivas, a começar pelos benzodiazepínicos, uma vez que provavelmente a crise já supera os habituais 2 ou 3 minutos de duração esperados.
As três frentes de tratamento do status epilepticus |
1°) Benzodiazepínicos endovenosos (a partir de 5 minutos de atividade epiléptica sustentada) |
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2°) Drogas antiepilpéticas (5 a 30 minutos de crise) |
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3°) Agentes anestésicos (persistência por mais de 30 minutos) acompanhados pela intubação orotraqueal e ventilação mecânica |
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Status epilepticus | |
Refratário | Persistência da crise epiléptica apesar da 1ª e 2ª linhas de tratamento.
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Refratário prolongado | Persistência da crise epiléptica por mais de 7 dias, mas sem a necessidade de anestesia geral (geralmente se enquadra nesse cenário o SE não convulsivo) |
Super-refratário | Persistência de crise epiléptica por mais de 24 horas apesar de terapia adequada incluindo anestesia geral; |
Super-refratário prolongado | Persistência de crise epiléptica por mais de 7 dias apesar da administração de agentes anestésicos. |
Medidas empíricas e tratamentos alternativos a serem considerados
Nas primeiras 24 horas do SE refratário e de etiologia indefinida, deve-se avaliar o tratamento empírico para meningoencefalites bacterianas e virais, considerando-se esquemas como a ceftriaxona, ampicilina e aciclovir, precedidos pela punção lombar diagnóstica na ausência de elementos sugestivos de hipertensão intracraniana. Nas primeiras 72 horas do SE refratário prolongado ou super-refratário, quando eventos inflamatórios e autoimunes passam a ser mais relevantes (encefalite autoimune, paraneoplásica e vasculites sistêmicas, por exemplo), deve-se considerar, de maneira individualizada:- Imunoglobulina humana;
- Plasmaférese;
- Pulsoterapia com metilprednisolona.
O prognóstico do status epilepticus
O prognóstico do SE guarda correlação estreita com o tempo que se leva para a sua interrupção, com piores desfechos quando a duração ultrapassa 1 ou 2 horas. Nesse quesito, o diagnóstico precoce e a escalada terapêutica em tempo hábil são elementos fundamentais. Um terço dos casos evolui com refratariedade e 4% se convertem a SE super-refratário. Em 3 meses, aproximadamente 20% dos pacientes evoluem para o óbito e cerca de metade deles apresenta-se com desfechos neurológicos desfavoráveis, sendo piores nos casos de NORSE. Algumas ferramentas têm sido utilizadas na predição da morbimortalidade, incluindo os seguintes escores:- EMSE (Epidemiology-Based Mortality Score in Status Epilepticus);
- STESS (Status Epilepticus Severity Score);
- END-IT.
Conclusão e mensagens práticas
- O status epilepticus (SE) é uma emergência neurológica rara, grave e potencialmente catastrófica.
- O tempo que se leva para a sua interrupção é um fator prognóstico crítico, especialmente se ultrapassa 1 ou 2 horas.
- O diagnóstico operacional pode ser estabelecido pela presença de crise epiléptica com duração superior a 5 minutos ou crises epilépticas recorrentes com ausência de recuperação ao nível basal no período intercrítico.
- O tratamento é definido em 3 frentes: benzodiazepínicos endovenosos (primeiros 5 minutos), drogas antiepilépticas (5 a 30 minutos) e agentes anestésicos (considerados a partir da persistência da crise epiléptica por mais de 30 minutos).
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