Hoje, a insuficiência cardíaca é a causa mais comum de morte cardiovascular em países da Europa Ocidental e EUA e é um problema crescente no Brasil.
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A insuficiência cardíaca (IC) pode ser definida como a incapacidade do coração em manter o débito cardíaco adequado à demanda metabólica dos tecidos. Hoje, a IC é a causa mais comum de morte cardiovascular em países da Europa Ocidental e EUA e é um problema crescente no Brasil. O envelhecimento populacional, o aumento da prevalência de fatores de risco, como hipertensão, e a maior sobrevida a eventos antes fatais, como o IAM, têm levado a um maior número de pacientes com IC. Além disso, a ocorrência de IC em uma população mais velha leva a um cenário frequente de IC + comorbidades não cardiovasculares que podem exigir uma atenção especial no diagnóstico e tratamento.
Os ventrículos são a principal estrutura cardíaca responsável pelo esvaziamento cavitário e envio de sangue para o organismo. Desse modo, a classificação de IC leva muito em consideração como os ventrículos estão funcionando:
De todas as classificações, a mais moderna e a mais importante é a divisão entre ICFER e ICFEN, baseada na fração de ejeção. Na ICFEN, ou agora ICFEP, a fração de ejeção é normal. O paciente apresenta sintomas de IC (veja adiante, critérios de Framingham), pressões de enchimento elevadas (disfunção diastólica) e BNP alto, mas a FE é normal.
Essa diferenciação é muito importante para a decisão terapêutica: os betabloqueadores, iECA/BRA e espironolactona só mostraram benefício em reduzir a mortalidade na ICFER, ao passo que na ICFEN o tratamento é meramente sintomático!!!
A grande discussão do momento na cardiologia é qual o ponto da FE divide as duas formas. É certo que:
FE < 40% = ICFER
FE > 60% = ICFEN
40-60%: é a chamada gray zone, que tem sido área de muitos estudos. Será que estes pacientes se beneficiam, em termos de sobrevida, do mesmo tratamento da ICFER? Só saberemos mais à frente, quando novos estudos forem realizados. A última diretriz da ESC trouxe recomendações específicas para esta nova “classe” de IC e foram revistas por nossa equipe em reportagem recente.
As principais manifestações clínicas da IC são dispneia aos esforços, ortopneia e edema periférico em membros inferiores. Os critérios de Framingham são uma ferramenta importante para o reconhecimento e diagnóstico do paciente com IC.
Tabela 1: critérios de Framingham para IC
Para o diagnóstico de IC são necessários dois critérios maiores ou um critério maior e dois menores.
Frente à suspeita clínica, a próxima fase é dividida em duas etapas paralelas: confirmar o diagnóstico de IC e determinar a etiologia. A insuficiência cardíaca é uma síndrome e, portanto, um conjunto de sinais e sintomas comuns a várias doenças. As etiologias mais comuns em nosso meio são cardiomiopatia dilatada, hipertensiva, isquêmica, valvar, alcoólica e chagásica.
Os principais exames complementares são:
*O BNP tem papel no diagnóstico e no prognóstico. Contudo, estudo mostrando o uso do BNP como guia do tratamento não mostrou vantagens em relação ao tratamento usual. Além dos tradicionais BNP e troponina, outros biomarcadores têm sido estudados, com destaque para o ST2, como preditor de risco tanto na ICFEN como na ICFER.
**Apesar dos avanços da ressonância, o ECO ainda é o padrão-ouro para determinar a função ventricular e avaliação valvar. É etapa fundamental no diagnóstico e acompanhamento.
As principais etiologias e os exames disponíveis para o diagnóstico são:
Doença | Método |
Cardiomiopatia dilatada | Ecocardiograma
Ressonância magnética |
Hipertensiva | Ecocardiograma
Ressonância magnética |
Isquêmica | Teste ergométrico
Cintilografia do miocárdio Ecocardiograma de estresse Ressonância magnética AngioTC de coronárias Coronariografia |
Valvar | Ecocardiograma |
Chagásica | História epidemiológica
Sorologia |
A gestação tem como peculiaridade a ocorrência de cardiomiopatia periparto, mais comum no parto e puerpério imediato. A gravidez e a amamentação trazem desafios para os métodos diagnósticos e a necessidade de ajuste em parte das medicações e foram tema de revisão clínica recente.
No paciente que se apresenta com IC aguda, além de determinar a etiologia da IC, é importante a pesquisa e correção do fator descompensador. Ele pode ser o mesmo da etiologia – exemplo: paciente coronariopata que infarta – mas eventualmente é diferente – miocardiopatia dilatada que descompensa com pneumonia. Em reportagens recentes, resumimos para vocês os principais exames no cenário de IC aguda e quando o paciente está apto para alta!
O tratamento da IC é dividido em três partes, exemplificadas na tabela abaixo.
Medidas não-farmacológicas | Dieta hipossódica. Quer uma notícia boa? Ao contrário de mitos anteriores, o café não parece trazer malefícios ao paciente com IC! |
Restrição hídrica: apenas se houver hiponatremia | |
Exercício físico (reabilitação cardíaca) e perda de peso. A cirurgia bariátrica, inclusive, parece ser benéfica neste grupo de pacientes! | |
Educação por equipe multiprofissional | |
Aumento sobrevida | iECA/BRA |
Sacubitril/valsartana: nova droga que mostrou aumento de sobrevida se comparadas com monoterapia com enalapril | |
Betabloqueadores: apenas carvedilol, nebivolol, metoprolol de liberação prolongada, bisoprolol | |
Espironolactona | |
Alívio dos sintomas | Diurético de alça (furosemida) |
Nitrato* | |
Hidralazina* | |
Digoxina: tema controverso**. |
*Em negros, a associação hidralazina + nitrato melhora desfechos clínicos e é a principal opção em pacientes com síndrome cardiorrenal.
**Há dois cenários para a digoxina: (1) controle de FC em pacientes com FA permanente; (2) melhora sintomática em pacientes com classe funcional III/IV a despeito de terapia clínica otimizada, função renal normal e manutenção de nível sérico entre 0,5-0,9 ng/ml.
Obs: apesar de ser um cenário bom para uso do digital, em pacientes com ICFER e fibrilação atrial os betabloqueadores continuam como primeira opção para controle de FC. É importante avaliar o tempo de FA, o tamanho do átrio esquerdo e a repercussão clínica para decidir entre reversão x controle da FC. Pacientes mais jovens, sintomáticos e com átrio pequeno são os que mais se beneficiam da reversão para sinusal. Neste cenário, a ablação tem ganhado destaque, por maior eficácia com menor riscos que os antiarrítmicos.
Outro cenário especial é o paciente coronariopata. É fundamental a pesquisa de isquemia residual. Mas em pacientes com teste funcional negativo e ICFER, avalie também a viabilidade miocárdica! Quando presente, há benefícios na estratégia de revascularização.
Não se esqueça também do tratamento das comorbidades. Pacientes com IC com frequência são idosos e fazem uso de vários fármacos, sendo a polifarmácia um risco real. A AHA, inclusive, divulgou texto sobre as principais medicações a serem evitadas no paciente com IC. Das comorbidades, esteja atento à depressão, causa de mau prognóstico na evolução e resposta ao tratamento.
Recentemente, a AHA e a ACC atualizaram sua diretriz para diagnóstico e tratamento de IC. Resumimos os principais pontos no vídeo abaixo:
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