Tempo de leitura: [rt_reading_time] minutos.
A insuficiência cardíaca pode ser definida como a incapacidade do débito cardíaco em suprir a demanda tecidual de glicose e oxigênio. Tradicionalmente é classificada pela fração de ejeção em IC com fração de ejeção reduzida (ICFER) e IC com fração de ejeção normal ou preservada (ICFEN ou ICFEP). Isso é fundamental para identificarmos a etiologia e definirmos o tratamento. Mas o que talvez você tenha esquecido é de uma outra classificação de IC, vista lá na sua graduação: IC de baixo débito vs IC de alto débito.
A IC de alto débito foi muitas vezes deixada de lado pelos cardiologistas, pois comumente não se trata de doença primária do coração, mas sim o comprometimento secundário a uma doença sistêmica. Só que uma reportagem recente da Mayo Clinic trouxe novos conhecimentos ao tema, que você deve ficar por dentro para se manter atualizado e não deixar passar um caso despercebido!
Conceito 1: etiologia
Nos textos antigos, a IC de alto débito era atribuída ao beribéri, anemia e tireotoxicose. No trabalho da Mayo Clinic, além de anemia (não avaliada), as etiologias mais comuns foram obesidade, cirrose e shunt, incluindo a confecção de fístulas para hemodiálise. Também surpreendeu os pesquisadores a presença de doenças pulmonares e síndromes mieloproliferativas.
No primeiro grupo, os autores atribuem a IC à combinação de hipóxia e hipercapnia. No segundo grupo, a hepatoesplenomegalia funcionaria como mecanismo de redução da pós-carga/vasodilatação sistêmica. E a tireotoxicose? Só houve um paciente na série, mas os próprios autores sabem da limitação do estudo, pois muitos pacientes com doença tireoidiana e síndrome de IC provavelmente foram tratados clinicamente sem necessidade de um procedimento invasivo diagnóstico.
Quadro 1: etiologias mais frequentes de IC de alto débito na Mayo Clinic
Obesidade (31%) |
Cirrose (23%) |
Shunt arteriovenoso (22%) |
Pulmonar (16%) |
Doença mieloproliferativa (8%) |
Conceito 2: fisiopatologia
A redução da pós-carga através da vasodilatação sistêmica é o principal mecanismo da IC de alto débito, pois a baixa perfusão no rim promove retenção de sódio e água e o coração tenta compensar aumentando a força de contração e a frequência cardíaca. No trabalho, houve correlação inversa entre débito cardíaco (DC) e resistência vascular sistêmica (RVS). O aumento do consumo tecidual de oxigênio também contribui, mas com menor importância em comparação com a RVS.
Veja também: ‘Insuficiência cardíaca: novas diretrizes da AHA’
Conceito 3: diagnóstico
A pesquisa da Mayo Clinic utilizou o padrão-ouro para diagnóstico de IC: cateterismo venoso do coração direito! Infelizmente, isso não é prático no nosso dia a dia. O “CAT à direita”, como costumamos chamar na cardiologia, costuma ser reservado para o paciente no qual precisamos confirmar um diagnóstico de hipertensão pulmonar, por ser mais preciso que o ecocardiograma. E qual o cenário então que devemos pensar na IC de alto débito?
No paciente com clínica de insuficiência cardíaca e ecocardiograma com fração de ejeção normal. A maioria dos pacientes no estudo apresentaram fração de ejeção normal, aumento dos diâmetros cavitários no fim da diástole (mostrando maior pré-carga/enchimento) e relação E/E’ aumentada. Por isso, toda vez que você diagnosticar um paciente com ICFEN/ICFEP, pense: será que na verdade ele tem IC de alto débito? Em obesos esta resposta será particularmente difícil… Na prática, não há um tratamento de sobrevida para a IC de alto débito e as medicações são sintomáticas, como o uso de diuréticos nos pacientes com congestão. Por isso, a diferenciação ICFEN vs IC alto débito não é tão importante na hora de prescrever.
Mas se você tem uma alma acadêmica e deseja ir a fundo, a dica é tentar a medida do índice cardíaco (DC indexado pela superfície corporal) no eco. O ponto de corte de 3,5 L/min/m² tem 62% de sensibilidade e 96% de especificidade para o diagnóstico de IC de alto débito quando comparado com cateterismo venoso: < 3,5 = ICFEN e > 3,5 = IC alto débito A dificuldade é conseguir a medida do DC no eco.
O princípio mais utilizado é calcula o DC a partir da frequência cardíaca e do volume sistólico (VS) (DC = FC x VS). O VS é calculado através da medida do fluxo pelo Doppler da via de saída do VE (próximo valva aórtica) e pelo diâmetro deste trajeto. E aqui é justamente o “ponto fraco” do exame, pois é necessária alta precisão no cálculo, pois qualquer milímetro a mais ou a menos faz uma grande diferença no valor absoluto final do DC. Talvez por isso que uma revisão sistemática recente questiona o uso do Eco como medida do valor absoluto do DC. Seu melhor uso seria na avaliação seriada, mostrando se o DC está melhorando ou piorando com o tempo.
Quer receber diariamente notícias médicas no seu WhatsApp? Cadastre-se aqui!
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.