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Terapia Intensiva16 maio 2024

Ansiedade e depressão em oncologia: saiba como chegar ao diagnóstico e tratar

As opiniões e recomendações dos oncologistas são fundamentais para o sucesso das intervenções de ansiedade e depressão. 
Por Felipe Mesquita

A ansiedade e a depressão são condições psicológicas comumente encontradas em pacientes com câncer. Estão associadas a um sofrimento significativo e a uma incapacidade marcante, baixa qualidade de vida (QV), aumento dos sintomas físicos (por exemplo, dor ou náusea), baixa adesão ao tratamento, aumento do risco de suicídio (em pessoas com depressão), pior prognóstico e maior mortalidade.

É importante que os clínicos entendam a diferença entre flutuações não patológicas nos estados ansiosos ou depressivos, que não são intensas e são respostas emocionais passageiras aos desafios da vida, e as condições psicopatológicas mais específicas e impactantes, como os transtornos de ansiedade ou depressivos.

O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) não será abordado, uma vez que o DSM o reclassificou de “transtornos de ansiedade” para “transtornos do espectro do estresse e relacionados ao estresse.   

Nesta revisão prática, os autores do painel estabelecido pela European Society for Medical Oncology discorrem sobre as abordagens dos pacientes oncológicos para o diagnóstico e manejo dessas condições.  

Veja também: Descolonização de microrganismos multirresistentes na UTI

Profissionais de saúde mental para tratamento de pacientes com ansiedade e depressão em ambiente de terapia intensiva

Prevalência e incidência 

A depressão é estimada como a principal causa de incapacidade na população oncológica, à frente das doenças cardiovasculares e do próprio câncer. Pacientes com câncer têm cinco vezes mais chances de ter depressão do que a população em geral.

Embora, na maioria dos estudos, os sintomas tenham sido avaliados com instrumentos de autorrelato validados (por exemplo, a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão [HADS]), entrevistas diagnósticas semiestruturadas são o padrão-ouro ao buscar um diagnóstico específico de depressão e diferentes formas específicas de ansiedade.

Em um estudo com mais de 20.000 pacientes com câncer, daqueles diagnosticados com transtorno depressivo maior (n = 1538; 7,5% da amostra), 1130 (73%) não receberam nenhum tratamento potencialmente eficaz para sua depressão. Apenas 370 (24%) receberam um medicamento antidepressivo (AD) em dose mínima eficaz ou superior, e apenas 74 (5%) foram vistos por um profissional de saúde mental.

Vários estudos avaliaram a ansiedade em grandes amostras de pacientes com câncer em vários estágios da doença usando ferramentas de autorrelato, com prevalências estimadas de 12%-25%. Muitas meta-análises parecem concordar com o número de prevalência mostrado. Estudos que avaliaram a depressão com instrumentos de autorrelato mostraram uma prevalência variando de 5% a >40%. 

Embora não seja um diagnóstico psiquiátrico formal, o medo da progressão (FoP – em inglês, Fear of Progression) em pacientes durante o tratamento ativo e o medo da recorrência do câncer (FCR – em inglês, Fear of Cancer Recurrence) em sobreviventes (prevalência estimada de 40 – 50% de casos moderados a graves), são condições clínicas relacionadas à ansiedade específica do câncer.

Elas refletem o medo, preocupação ou apreensão em relação à possibilidade de que o câncer retorne ou progrida. Embora um certo nível de preocupação possa ser adaptativo, episódios mais intensos de FCR podem comprometer o funcionamento psicológico e a QV, causando distúrbios do sono e favorecendo o início da depressão. 

A ansiedade da morte, parcialmente relacionada ao FCR, também deve ser considerada uma condição clínica significativa, especialmente em pacientes no final da vida.

A proporção de pacientes com câncer avançado sofrendo pensamentos angustiantes sobre a morte é de aproximadamente 80%, e se o sofrimento for grave (próximo a 25% de prevalência), pode estar associado à desmoralização, dependência, depressão, medo de sofrer, desejo de morte apressada e solicitações de eutanásia ou morte assistida por médicos. 

A desmoralização, uma dimensão de saúde mental clinicamente significativa que difere fenomenologicamente da depressão maior, não está incluída como um diagnóstico psiquiátrico formal nos critérios do CID ou DSM, mas mostrou exercer um impacto altamente negativo na QV.

A prevalência de níveis clínicos de desmoralização em pacientes com câncer foi estimada em 25%-30%. Os critérios diagnósticos serão apresentados mais à frente no artigo. 

Fatores de risco 

Muitos dos fatores de risco para ansiedade em pacientes com câncer são compartilhados com os de depressão, e estados mistos podem ser mais comuns do que estados isolados. 

Dentre os fatores de risco para ansiedade, podemos citar: o momento que se segue imediatamente ao diagnóstico de uma neoplasia ameaçadora à vida, estágios mais avançados e maior duração da doença, desemprego, idade mais jovem, sintomas físicos incapacitantes, tratamento quimioterápico (QT), comprometimento do funcionamento social e cognitivo, comunicação insatisfatória com os profissionais de saúde, história prévia de ansiedade.

O FCR é mais comum em pacientes do sexo feminino, jovens e naqueles que receberam QT ou radioterapia, ou que tiveram falha no tratamento. Os fatores de risco para a ansiedade da morte incluem gênero feminino, desemprego, renda mais baixa e menos preparo para o final da vida. 

Depressão: os fatores de risco individuais para a depressão no câncer incluem idade mais jovem, sexo feminino, história prévia de transtorno de humor, abuso de substâncias ou outras condições psiquiátricas, falta de apoio social adequado e status socioeconômico mais baixo.

Fatores de risco psicológicos incluem a relativa falta de suporte emocional do círculo familiar e de amigos, baixa autoestima e falta de sentimento de propósito. Maior carga física da doença e do tratamento, doença mais avançada e QT foram demonstrados como significativos fatores de risco para depressão. 

Dentre os fatores de risco para síndrome de desmoralização, podemos citar: adoecimento físico ou mental com grande sintomatologia que dificultem o enfrentamento da doença, tratamentos intensivos, hospitalizações prolongadas ou repetitivas, baixo grau de instrução e de entendimento do processo de saúde, populações socioeconomicamente fragilizadas, sexo feminino, não ter um companheiro(a) (divorciado, solteiro, viúvo), falta de apoio social.   

Diagnóstico 

Nesta revisão do guia prático abordamos os diagnósticos adaptando os critérios do DSM-5. No artigo original, pode-se encontrar também as definições de acordo com o CID-11. 

Tabela 1 – Critérios diagnósticos para transtornos de ansiedade pelo DSM-5 

Diagnóstico Sintomas Temporalidade dos sintomas Especificadores 
Transtorno de ansiedade generalizada 1. Preocupação, medo 

2.Nervosismo, sono não reparador, irritabilidade 

3. Fadiga 

4. Falta de concentração e esquecimentos frequentes 

5. Irritabilidade 

6. Tensão muscular 

7. Insônia inicial 

Duração ≥ 6 meses 

 

Mais dias com sintomas do que sem sintomas 

 

Dificuldade de controle 

Relacionado a eventos ou ansiedade flutuante 

≥ 4/7 sintomas 

 

* Prejuízo da capacidade funcional 

* Descartados sintomas relacionados a medicamentos ou outras comorbidades 

Transtorno do pânico Ataques de pânico inesperados e recorrentes com surgimento abrupto de medo, associado a ≥4/13 sintomas:  

 

1. Palpitações, taquicardia 

2. Sudorese 

3. Tremor 

4. Dispneia 

5. Sufocamento 

6. Dor precordial 

7. Náusea 

8. Tontura e sensação de cabeça vazia 

9. Sensações de calor ou frio 

10. Formigamento, parestesia 

11. Incapacidade de sentir-se realizado, “Desesperança”

12. Perda de controle 

13. Medo de morrer 

>1 crise 

 

Preocupação persistente com relação a novos ataques e suas consequências 

* Sintomas desencadeados não por fobia, ambientação social, sugestão traumática ou obsessão 

* Pode estar associado à agorafobia 

Transtorno de ajustamento com ansiedade 1. Resposta exacerbada, fora de proporções com relação ao evento estressor 

2. Prejuízo significativo na vida social, laboral e outras áreas de atividade 

Início dentro de 3 meses do evento estressor e resolução dentro de 6 meses das consequências 

 

Não está relacionado a outra desordem mental 

* Associado à ansiedade 

* Associado a humor depressivo 

* Associado à depressão e à ansiedade 

* Associado à perturbação de conduta 

* Associado à perturbação de condutas e emoções 

* Não-especificado 

Tanto o DSM-5-TR quanto a CID-11 reconhecem os transtornos depressivos após o luto como distintos da tristeza do luto. Ao diagnosticar a depressão no paciente enlutado, a CID-11 requer uma duração mais longa do estado depressivo (≥ 1 mês) e a presença de sintomas como baixa autoestima ou culpa, retardamento psicomotor ou pensamentos suicidas, que são improváveis de ocorrer no luto “normal”. 

Tabela 2 – Critérios diagnósticos para transtornos depressivos pelo DSM-5 

Diagnóstico Sintomas Temporalidade dos sintomas Especificadores 
Depressão maior 1. Sentir-se triste 

2. Perda do interesse ou prazer 

3. Alteração no apetite com perda ou ganho de ao menos 5% do peso corporal 

4. Distúrbios do sono (Insônia ou hipersonia) 

5. Agitação ou lentificação psicomotora 

6. Fadiga, letargia 

7. Sentir-se culpado ou inútil 

8. Perda de concentração, indecisão 

9. Ideação suicida 

Duração ≥ 2 semanas 

 

* Sentimentos que perduram pela maior parte do dia 

* Sentimentos diários ou quase diários 

* Ao menos um dos dois sintomas grifados na coluna ao lado é essencial 

 

 

≥ 5/9 sintomas 

 

* Prejuízo da capacidade funcional 

* Desencadeados após fator estressante (doença), desproporcionais ao momento de luto 

* Podem estar associados a ansiedade, melancolia, sintomas psicóticos ou com padrão sazonal. 

Transtorno depressivo persistente (distimia) Humor depressivo por mais de 2 anos com ≥ 2/6 sintomas: 

  1. Anorexia 
  2. Insônia 
  3. Fadiga 
  4. Baixa autoestima 
  5. Falta de concentração ou indecisão 
  6. Desesperança 
* Mais dias com sintomas do que sem os sintomas 

Prejuízo da capacidade social, laboral, funcional diária 

* Pode estar associado a episódios depressivos maiores  

* Distimia pura se não houver sintomas depressivos maiores 

* Se sintomas depressivos maiores, indicar se recorrente ou persistente 

Transtorno de ajustamento com humor depressivo 1. Resposta exacerbada, fora de proporções com relação ao evento estressor 

2. Prejuízo significativo na vida social, laboral e outras áreas de atividade 

* Início dentro de 3 meses do evento estressor e resolução dentro de 6 meses das consequências 

* Não está relacionado a outra desordem mental 

* Humor depressivo 

* Associado à ansiedade 

* Associado à depressão e à ansiedade 

* Associado à perturbação de conduta 

* Associado à perturbação de condutas e emoções 

* Não-especificado 

Tabela 3 – Diagnóstico clínico de desmoralização, comumente não incluído no DSM-5 ou CID11 

 Sintomas Temporalidade dos sintomas Especificadores 
Síndrome da desmoralização 1. Sentir-se desencorajado, com a moral baixa 

2. Mau enfrentamento das adversidades, sentir-se fracassado 

3. Sentir-se preso a uma situação. 

4. Desesperança 

5. Falta de sentido ou propósito 

6. Prejuízo de função 

7. Potencial de pensamentos suicidas 

Duração ≥ 2 semanas 

 

* 4/7 sintomas como ponto de corte para diagnóstico 

 

 

Pode estar associado à depressão maior ou a transtornos de ajustamento 

Leia ainda: Tratamento farmacológico de quadros neuropsiquiátricos

Triagem dos pacientes 

O Sistema de Avaliação de Sintomas de Edmonton (ESAS, corte ≥ 3) é frequentemente utilizado como uma ferramenta de triagem devido à sua brevidade e domínios multidimensionais.

Outras pontuações validadas para triagem são: a subescala de ansiedade do HADS (corte ≥ 8), o PHQ-9 para depressão [pontuações de corte para depressão leve (5-9), moderada (10-14), moderadamente grave (15-19) e grave (20-27)], o CARQ-4 para FCR (corte ≥ 12), o FoP-Q-12 para medo de progressão.

Todos os pacientes com câncer devem ser regularmente triados e avaliados quanto à depressão (por exemplo, sentir-se para baixo, deprimido ou sem esperança; ter pouco interesse ou prazer em fazer as coisas; pensamentos suicidas) e quanto à ansiedade em todas as fases da doença.

Os métodos ultrarrápidos não podem ser usados isoladamente para diagnosticar distúrbios clínicos de ansiedade ou depressão, mas podem ser considerados como uma triagem para identificar possíveis casos.  

Tratamento 

As opiniões e recomendações dos oncologistas sobre o tratamento de saúde mental são fundamentais para o sucesso das intervenções de ansiedade e depressão. 

Pacientes classificados como tendo sintomas leves a moderados devem ser abordados com psicoterapia e suporte psicológico. Pacientes com sintomas graves ou muito graves devem ser encaminhados para atendimento de uma equipe multidisciplinar em saúde mental, com possibilidade de início de tratamento medicamentoso, além de terapias adjuvantes.

As principais modalidades psicoterapêuticas incluem psicoeducação, terapia de apoio ou aconselhamento, treinamento de relaxamento ou terapia baseada em “mindfulness” (TBM – em inglês Mindfulness-based Therapy) [incluindo a redução do estresse baseada em “mindfulness” (MBSR) e a terapia cognitiva comportamental baseada em mindfulness (MBCT)], terapia cognitivo-comportamental (TCC), terapia de resolução de problemas, terapia interpessoal (TIP) e modalidades de terapia expressiva de suporte.

Para pacientes com câncer avançado e ansiedade ou depressão, a terapia de grupo expressiva de suporte, a terapia centrada no significado, a terapia da dignidade e a terapia Gerenciando o Câncer e Vivendo Significativamente (CALM) são exemplos de terapias de primeira linha essenciais para as quais há dados de ensaios clínicos randomizados disponíveis. 

Quanto à psicofarmacologia, a eficácia dos medicamentos AD é maior para pacientes com transtornos diagnosticáveis do que para aqueles com sintomas “subclínicos”. 

Terapêutica para ansiedade 

As evidências apoiam a psicoeducação, TBM (incluindo MBSR e MBCT), TCC, terapia de apoio e modalidades combinadas (por exemplo, baseadas na web, online e presenciais) como tratamentos eficazes.

Há um corpo crescente de pesquisa sobre a eficácia de intervenções psicológicas para FCR. Existem dados limitados que apoiam o uso de medicamentos ansiolíticos em cenários de câncer. As evidências são extrapoladas de outros contextos que podem ou não incluir pacientes com outras comorbidades.

Classes eficazes de medicamentos para o tratamento de ansiedade situacional e transtornos de ansiedade incluem ADs, benzodiazepínicos, medicamentos neurolépticos e outros medicamentos sedativos ou hipnóticos. 

Terapêutica para depressão 

De maneira geral, abordagens psicoeducacionais são eficazes tanto como modalidades independentes quanto quando combinadas com outras terapias (por exemplo, psicoeducação adicionada à TCC) ou medicamentos (por exemplo, psicoterapia adicionada a antidepressivos).

Existem dados limitados que apoiem o uso de agentes psicofarmacológicos para tratar a depressão em pacientes com câncer, sendo novamente extrapoladas da população em geral.

Como afirmação geral, os ADs funcionam para reduzir os sintomas depressivos (até 70%), mas são menos eficazes em termos de alcançar a remissão da depressão com um único medicamento (30%-40%).

Existe um sentimento geral e um consenso de que os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) e classes relacionadas têm um perfil de efeitos colaterais benigno. Alguns estudos sugerem que os ISRSs são a melhor escolha de tratamento se a expectativa de vida for ≥ 4-6 semanas, enquanto os psicoestimulantes podem ser usados se a expectativa de vida for < 3 semanas (por exemplo, metilfenidato como terapia adicional à mirtazapina em pacientes terminais com transtorno depressivo maior). 

Saiba mais: Como manejar o potencial doador de órgãos no CTI? 

Drogas comumente utilizadas e níveis de evidência 

Tabela 4 – Tratamento de Ansiedade 

Droga Nível de Evidência  Grau de Recomendação Dose usual 
Ansiolíticos 
Alprazolam II B 0,5-1mg/dia 
Lorazepam II B 1-5mg/dia 
Antidepressivos 
Fluoxetina I A 20mg/dia 
Paroxetina II B 20mg/dia 
Sertralina II B 50-100mg/dia 
Outras classes de drogas 
Olanzapina III C 2,5-10mg/dia 
Gabapentina II B 400-800mg/dia 

Tabela 5 – Tratamento de Depressão 

Droga Nível de Evidência Grau de Recomendação Dose usual 
Inibidores seletivos de recaptação da serotonina 
Escitalopram  I A 10-20mg/dia 
Sertralina II B 50-100mg/dia 
Fluoxetina II B 20mg/dia 
Paroxetina II B 20-40mg/dia 
Citalopram II B 20-40mg/dia 
Inibidores de recaptação da noradrenalina e da serotonina 
Duloxetina I B 60-120mg/dia 
Antidepressivo noradrenergico e serotoninérgico específico 
Mirtazapina III B 30mg/dia 
Mianserina I A 60-90mg/dia 
Benzodiazepínicos 
Alprazolam III D 0,5-1mg/dia 
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Referências bibliográficas

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