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Psiquiatria10 maio 2024

Diagnóstico longitudinal de transtornos mentais 

Estudo avaliou se pessoas com transtornos mentais apresentam diferentes tipos de transtornos entre famílias de diagnósticos no curso da vida.   
Por Tayne Miranda

A prática clínica em saúde mental baseia-se na realização de diagnósticos a partir da avaliação do paciente em um determinado momento da sua vida e da proposição de terapêuticas específicas para cada diagnóstico. Essa abordagem se fundamenta no pressuposto que um diagnóstico provê a informação sobre as causas do transtorno mental do paciente e que tratamentos desenhados para um diagnóstico em específico irão assegurar uma boa resposta e prognóstico. Por outro lado, estudos que avaliam achados etiológicos para os transtornos mentais mostram que eles são transdiagnósticos e que grupos de transtornos e sintomas frequentemente coocorrem. 

Caspi et al. questionam os pressupostos dos diagnósticos psiquiátricos pontuais, hipotetizando que as pessoas com transtornos mentais apresentam diferentes tipos de transtornos entre famílias de diagnósticos no curso da vida.   

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Diagnóstico longitudinal de transtornos mentais 

Método 

Os participantes eram membros do Estudo Dunedin, uma coorte de nascimentos representativa da população da Ilha Sul da Nova Zelândia. Os participantes nasceram entre abril de 1972 e março de 1973 em Dunedin, Nova Zelândia, tendo sido avaliados pela primeira vez aos 3 anos e representavam 91% dos participantes elegíveis. 

As avaliações foram realizadas aos 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 18, 21, 26, 32, 38 e 45 anos, sendo que ao final da coorte 94% dos participantes vivos foram avaliados. Em 1983 e 1984, quando os participantes tinham 11 anos, eles foram avaliados pela primeira vez para transtornos mentais usando entrevistas diagnósticas padronizadas sobre sintomas no ano anterior.  

Os diagnósticos foram realizados pelos pesquisadores, seguindo os critérios das diversas versões do DSM (foram usados o DSM III, DSM-IV e DSM-5) e incorporaram os dados trazidos por pais, professores e informantes. O transtorno por uso de substâncias não foi diagnosticado usando o DSM-5, uma vez que a distinção de abuso e dependência foi removida. A revisão dos dados de tratamento mostrou que as 9 entrevistas realizadas cobriram todos, exceto 17 pessoas com transtornos mentais.  

Avaliação de função cognitiva, linguagem, habilidades motoras, regulação emocional e comportamental foram feita por um neuropediatra aos 3 anos. Aos 7, 9, 11 e 45 anos foi avaliado o QI.  

Os seguintes transtornos mentais foram pesquisados: transtornos externalizantes (TDAH, transtorno de conduta, dependência de álcool, cannabis, tabaco e outras drogas), transtornos internalizantes (depressão, TAG, fobia social, fobia específica, agorafobia e transtorno do pânico, TEPT e transtornos alimentares e transtornos do pensamento (TOC, mania e esquizofrenia). Diagnósticos que anteriormente eram considerados de baixa prevalência, como transtorno do espectro autista, não foram avaliados. 

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Resultados 

Dos 1.037 participantes (535 homens, 51,6%), as informações sobre saúde mental estavam disponíveis para 1.013. 93% dos participantes eram brancos. 35% (346 de 975) tinham diagnóstico para um transtorno mental entre 11-15 anos, 50% (473 de 941) aos 18 anos, 51% (489 de 961) aos 21 anos, 48% (472 de 977) aos 26 anos, 46% (444 de 969) aos 31 anos, 45% (429 de 955) aos 38 anos e 44% (407 de 927) aos 45 anos. Quase dois terços da coorte recebeu o diagnóstico até os 18 anos (600 de 1013, 59%) e virtualmente nenhum paciente recebeu o primeiro diagnóstico aos 45 anos.  

Quase todas as pessoas seguidas tinham recebido ao menos um diagnóstico na vida aos 45 anos (869 de 1013, 86%). Participantes com o diagnóstico de somente um transtorno foram exceção. O início precoce dos quadros estava associado a mais anos com o transtorno e maior número de comorbidades e maior diversidade de diagnósticos. O diagnóstico de um transtorno aumentava o risco para diagnóstico de outros transtornos nas idades subsequentes. Entre 11-15 anos, 32% dos participantes apresentavam uma comorbidade, enquanto aos 45 anos, 85% possuíam outro diagnóstico.  

O movimento dos pacientes no curso do tempo entre os transtornos e períodos de remissão foi expresso no artigo pelo seguinte diagrama de Sankey: 

Considerando a combinação das variáveis ligadas aos transtorno mentais no curso da vida, pacientes com escores mais altos possuíam avaliações cognitivas piores aos 3 anos, pior QI em todas as idades avaliadas e idade cerebral mais avançada aos 45 anos.  

Discussão 

Participantes ao longo das 4 décadas do estudo tinham trajetórias de transtornos mentais que não eram adequadamente caracterizadas pelo diagnóstico pontual. Os pacientes tendem a apresentar múltiplos diagnósticos e virtualmente ninguém mantém um tipo de diagnóstico puro. Idade mais precoce de início está ligada a maior duração dos transtornos e mais comorbidades. 

A expressão de transtornos mentais foi antecedida por uma saúde cerebral comprometida na primeira infância (seja geneticamente herdada ou adquirida a partir de experiências adversas), acompanhadas por declínio cognitivo desde a infância até à meia-idade, e associadas à idade cerebral mais avançada (medida através de neuroimagem estrutural) na meia-idade. 

O estudo reforça achados de estudos prévios que a maior parte dos quadros psiquiátricos se inicia precocemente e há uma alta prevalência de transtornos mentais ao longo da vida. 

Impacto na Prática Clínica 

O artigo sugere que talvez devamos adotar uma perspectiva de diagnóstico de transtornos mentais no curso da vida ao invés de diagnósticos pontuais e que as intervenções, considerando que muitos pacientes irão sofrer de diversos transtornos, deve não apenas abordar os sintomas apresentados, mas também deve desenvolver competências para manter uma saúde mental duradoura. Nesse sentido, a abordagem ao longo da vida torna as intervenções transdiagnósticas de alta prioridade.

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Referências bibliográficas

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