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Psiquiatria3 maio 2024

Tratamento farmacológico de quadros neuropsiquiátricos

Infelizmente os fármacos aprovados para os quadros neuropsiquiátricos dos transtornos neurodegenerativos ainda são limitados.

Em seu artigo publicado em abril de 2024 no JAMA Neurology, os autores Jeffrey Cummings et al se propuseram a fazer uma revisão da abordagem farmacológica dos sintomas neuropsiquiátricos presentes nos transtornos neurodegenerativos.

Veja também: Perda auditiva aos 70 anos prediz atrofia cerebral ou alterações cognitivas? 

Tais transtornos seriam as síndromes demenciais (Doença de Alzheimer [DA], Demência Frontotemporal [DFT] e a Demência por Corpos de Lewy [DCL]), a Doença de Parkinson (DP), a doença de Huntington (DH), a atrofia de múltiplos sistemas (AMS), a síndrome corticobasal (SC), a paralisia supranuclear progressiva (PSP), a síndrome da encefalopatia traumática (SET) e a esclerose lateral amiotrófica (ELA).

A frequência desses transtornos vem aumentando, sobretudo à medida que a população envelhece. Muitos deles são acompanhados por sintomas neuropsiquiátricos que, frequentemente, são associados a um pior prognóstico, piora da qualidade de vida, além de imporem maior dificuldade para os cuidados desses pacientes.

Quando presentes, a primeira abordagem a ser tentada é a não farmacológica. Nesse, caso são utilizadas medidas comportamentais, ambientais, relacionadas à prática de atividade física e terapias. Quando há uma falha nessa estratégia, frequentemente recorre-se aos fármacos.

Esses também são utilizados quando há dificuldade em manter os cuidados domésticos do paciente ou há risco para o este ou para os que convivem com ele.
Considerando a importância desses sintomas, os autores se propuseram a descrever brevemente os principais quadros neuropsiquiátricos das doenças neurodegenerativas e as opções de tratamento farmacológico para cada um.

Idosos com quadros neuropsiquiátricos sentados ao sofá

Desinibição

Caracterizada por um comportamento inadequado e em desacordo com as expectativas sociais. Exemplos incluem: falar coisas ofensivas, ter uma conduta sexual imprópria, rir em momentos inconvenientes, cometer pequenos furtos, comprar ou vender objetos, dentre outros. Está presente em diversos quadros, como na DA, na DH, na PSP e na SET, mas destaca-se sobretudo na variante comportamental da DFT.

Infelizmente ainda não há uma medicação aprovada de forma específica para a abordagem desse sintoma. São opções, contudo, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), os estabilizadores de humor (anticonvulsivantes) e os antipsicóticos atípicos.

A escolha do fármaco deve considerar o perfil de efeitos adversos e a presença de algum dos outros sintomas descritos a seguir (conforme a medicação sugerida para cada um, pode-se tentar um único fármaco para tentar tratar múltiplos sintomas).

Curiosamente alguns estudos com psicoestimulantes têm apresentado melhoras desse sintoma na variante comportamental da DFT. Já a combinação de dextrometorfano com quinidina foi aprovada para o tratamento do afeto pseudobulbar.

Sintomas Psicóticos

Constituem-se por delírios (falsas crenças, muitas vezes relacionadas à traição, roubo, abandono, etc.) e alucinações (falsa percepção dos sentidos, sendo mais comum nas modalidades auditiva e visual) com duração de pelo menos um mês nos pacientes com transtorno neurocognitivo.

Essa categoria pode incluir quadros em que o paciente acredita que seus entes queridos foram substituídos por outras pessoas (síndrome de Capgras), pela sensação de que há estranhos em sua casa, por não se reconhecer ao se deparar com seu reflexo no espelho ou por acreditar que o que se passa na TV é real.

Sua avaliação deve ser cuidadosa, pois podem se confundir com outros sintomas (ex: confabulação) ou diagnósticos (ex: delirium e esquizofrenia de início tardio). São mais comuns na DA, na DCL (destaque para alucinações visuais, sensação de presença e erros na identificação e percepção), na DP, mas menos frequentes na DFT. A única medicação aprovada para estes sintomas na Doença de Parkinson é a Primavanserina.

Esse fármaco está em investigação para o tratamento desses sintomas na DA. Outra categoria de fármacos usada são os antipsicóticos atípicos. Entretanto, esses compostos estão associados a riscos em pacientes acima de 60 anos, como declínio cognitivo, risco de quedas, risco de AVE e aumento da mortalidade.

Nessa categoria, a medicação Clozapina mostra-se como uma possibilidade na DP que não causaria uma piora importante nos sintomas motores. Embora a Quetiapina seja muito usada, alguns estudos não indicam que haja um benefício importante, enquanto o aripiprazol e a risperidona teriam maior eficácia, apesar de a risperidona não ser tão bem tolerada.

Os inibidores da acetilcolinesterase parecem reduzir os sintomas na DCL e, em menor grau, na DA, não tendo benefícios claros na DP. Já a eficácia das propriedades antipsicóticas da Memantina seriam limitadas. A substância Xanomelina demonstrou eficácia antipsicótica, apesar de ser pouco tolerada, sobretudo por seus efeitos gastrointestinais.

Sua combinação com antagonistas muscarínicos periféricos parece apresentar menos efeitos adversos.

Apatia

Muito relacionada às síndromes demenciais, principalmente quando progridem. Está ligada a um pior desfecho, como pior resposta ao tratamento, maiores dificuldades com o cuidado, piora cognitiva e maior mortalidade.

Parece ter correlação com achados neurofisiológicos e morfológicos do sistema nervoso. Infelizmente, não possui uma medicação específica para seu tratamento, sendo as abordagens não farmacológicas mais usadas as atividades físicas e ligadas à música. Pesquisas estão sendo realizadas com estimulação magnética transcraniana e estimulação transcraniana direta.

Em relação aos fármacos, pesquisas com metilfenidato têm apresentado resultados positivos, enquanto a modafinila apresenta resultados inconclusivos e os inibidores da acetilcolinesterase teriam um efeito modesto.

Agitação

Frequentemente pode-se apresentar como agressividade e ser acompanhada ou precedida por irritabilidade. Os pacientes podem gritar, bater, empurrar ou resistir à abordagem.

A agitação também pode estar relacionada a outras condições, como dor, estresse, depressão, delirium ou sintomas psicóticos. É muito comum na DA, relacionando-se a um pior prognóstico. Nesses casos, o uso de inibidores da acetilcolinesterase ou memantina pode amenizar os sintomas.

Recentemente, a agência reguladora dos EUA (FDA) aprovou o fármaco Brexpiprazol para o manejo da agitação na DA, embora não seja indicada para uso pontual ou para o tratamento dos sintomas psicóticos.

Antipsicóticos atípicos, por sua vez, permanecem sendo uma das classes farmacológicas mais usadas para o manejo da agitação. Os benefícios de medicações mais sedativas, como olanzapina e quetiapina, embora sejam considerados pequenos, são significativos. Entretanto, seus riscos também devem ser considerados na prescrição, sendo muitas vezes reservadas para quadros de maior gravidade.

Outra categoria usada é a dos benzodiazepínicos. No entanto, não são considerados como uma boa opção, pois possuem efeitos adversos importantes, especialmente sobre a cognição e o equilíbrio, podendo aumentar o risco de quedas.

Já o ISRS citalopram mostrou-se eficaz na redução da agitação na dose de 30 mg/dia (superior aos 20mg/dia recomendados pelo FDA em pacientes com mais de 60 anos, pelo risco de alterações no ECG e arritmias).

Leia mais: Transtornos mentais em doenças reumáticas autoimunes sistêmicas

Depressão

Pode ou não estar associada a sintomas ansiosos, sendo uma ocorrência comum nas síndromes demenciais, chegando a ser entendida como um fator de risco para DA. Também seria frequente em casos de DCL, DP e AMS.

Quando não tratada, pode se relacionar a piora cognitiva, risco de suicídio e aumento da mortalidade. Em pacientes com transtornos neurodegenerativos, seu diagnóstico pode ser desafiador – quer pela dificuldade que os pacientes possam ter para se expressarem, quer pela confusão com os sintomas do quadro ou presença de comorbidades.

Sintomas como alterações no peso, sono ou piora súbita do quadro podem sugerir o diagnóstico de depressão. Seu manejo envolve estratégias não farmacológicas (ex: manejo dos estressores e psicoterapia – com destaque para técnicas cognitivo-comportamental e interpessoal), não havendo uma medicação especialmente aprovada para esses casos.

As opções envolvem os ISRS e os inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSN) e se baseiam nas respostas de pacientes com idade avançada e diagnóstico de transtorno depressivo idiopático.

Casos graves (em que há sintomas psicóticos associados ou risco para a vida do paciente) podem ser abordados com eletroconvulsoterapia. No caso da DA, é possível que a fisiopatologia da doença, ligada às placas amiloides, se relacione a uma pior resposta ao tratamento.

Infelizmente os fármacos aprovados para os quadros neuropsiquiátricos dos transtornos neurodegenerativos ainda são limitados. Embora avanços sejam observados, ainda há um longo caminho com pesquisas e estudos a serem conduzidos.

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Referências bibliográficas

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