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Terapia Intensiva18 abril 2024

Como manejar o potencial doador de órgãos no CTI? 

Neste artigo apresentamos um resumo sobre o manejo de doadores na terapia intensiva após morte encefálica.
Por Leandro Lima

O potencial doador de órgãos, definido por critérios neurológicos ou circulatórios, demanda cuidados intensivos habituais, somados a algumas notáveis particularidades, a maioria delas baseada em escassa evidência científica. 

A partir do momento em que se constata a morte encefálica (ME), o foco do tratamento é deslocado. Não mais se pode salvar a vida daquele indivíduo específico, mas se inicia uma corrida contra o tempo para oportunizar os que aguardam em filas de transplante. Nesse sentido, o médico intensivista exerce um papel fundamental! Ele conduzirá o potencial doador de órgãos de modo a otimizar o número e a função dos órgãos doados e transplantados.  

Como manejar o potencial doador de órgãos no CTI 

Imagem de peoplecreations no Freepik

Quais são as medidas gerais que o intensivista deve ofertar ao potencial doador de órgãos?  

  • Suporte hemodinâmico; 
  • Ventilação mecânica protetora;  
  • Profilaxia de tromboembolismo venoso e infecções;  
  • Manutenção da normotermia;  
  • Controle metabólico com alvo na euglicemia.

Na ME, a herniação cerebral resultante do edema intracraniano promove a progressão da isquemia pelo tronco cerebral, desencadeando uma tempestade autonômica. Pelo exposto, são esperadas, em um primeiro momento, hipertensão arterial grave, bradi e taquiarritmias, que são causas potenciais de isquemia cardíaca, cardiomiopatia de estresse e arritmias malignas persistentes. Na sequência, emergem a depleção do tônus simpático e a resposta inflamatória, quando se instalam a vasodilatação e hipotensão.   

Nesse ponto, a ressuscitação volêmica deve ser realizada, preferencialmente com cristaloides, sem preferência de uma solução em detrimento de outra. Todavia, o objetivo é uma estratégia de fluidos restritiva, guiada por parâmetros dinâmicos de fluidorresponsividade e dados ecocardiográficos. A terapia vasopressora e inotrópica, destinadas ao tratamento da vasoplegia ou depressão miocárdica, respectivamente, devem ser indicadas conforme o cenário clínico  

Por que, após a fase inicial de hipertensão arterial grave, os pacientes com morte encefálica tendem a desenvolver hipotensão? 

As causas são multifatoriais: 

  • Hipovolemia induzida por diabetes insipidus, diurese osmótica pelo manitol e hemorragia traumática;  
  • Doença cardíaca isquêmica;  
  • Hipotireoidismo central e insuficiência adrenal. 

A ventilação mecânica protetora é pautada na prevenção do barotrauma e manutenção do recrutamento alveolar. A posição prona deve ser indicada diante de relação PaO2/FIO2 persistente reduzida a despeito da otimização dos parâmetros ventilatórios.   

Deve-se adotar as medidas profiláticas de infecções e tromboembolismo venoso, preferencialmente com heparina de baixo peso molecular, a menos que o risco de sangramento seja proibitivo.   

A normotermia e a euglicemia devem ser buscadas, de forma semelhante ao recomendado para os demais doentes críticos. Os pacientes com ME tendem à hipotermia em decorrência de vasodilatação, redução da produção de calor e perda da termorregulação. Contudo, a hipotermia deve ser evitada, pois está associada a eventos adversos, notadamente a instabilidade hemodinâmica, sangramento e infecções.   

Leia também: Avaliação e gerenciamento do risco de sangramento antes de procedimentos invasivos

Quais são as particularidades terapêuticas do potencial doador de órgãos?  

A terapia endócrina, direcionada ao manejo do diabetes insipidus (presente em pelo menos metade dos casos), hipotireoidismo central e insuficiência adrenal, deve ser implementada de forma individualizada. Tradicionalmente, acreditava-se que a função neuroendócrina era interrompida após a morte encefálica. Entretanto, essa não é uma realidade universal, de forma que RCTs não demonstram um benefício claro da suplementação hormonal rotineira.  

A reposição do déficit de água livre, sobreposta à administração de desmopressina ou vasopressina (com preferência da última no contexto da vasoplegia), deve ser realizada para tratar a hipernatremia progressiva, especialmente na vigência de poliúria e hipovolemia que caracterizam o diabetes insipidus.  

A reposição de hormônios tireoidianos está indicada em casos de depressão miocárdica grave e ausência de resposta aos agentes inotrópicos. Os níveis baixos de T3, isoladamente, não são indicativos de reposição hormonal, pois geralmente se devem ao aumento de sua conversão a T3 reverso, caracterizando a doença não tireoidiana ou eutireoideo doente. Entretanto, alguns indivíduos com ME realmente desenvolvem hipotireoidismo central, que pode gerar disfunção cardíaca.  

O tratamento da insuficiência adrenal deve ser considerado principalmente em casos de vasoplegia grave e irresponsivos aos vasopressores. O tratamento rotineiro com hidrocortisona, porém, é desencorajado.  

Terapia endócrina destinada ao doador de órgãos (individualizar!) 

Diabetes insipidus 

  • Desmopressina 1-4 µg 6/6h (EV) 
  • Vasopressina 0,01 a 0,04 UI/min (EV) 

Hipotireoidismo central 

  • Triiodotironina (T3): 0,6 µg/kg/dia (EV) 
  • Levotiroxina (T4): 10 a 30 µ/h (EV) 

Insuficiência adrenal 

  • Hidrocortisona: 200 a 300 mg/dia (EV). 

Saiba mais: Uma perspectiva atualizada sobre o transplante hepático

Conclusão e mensagens práticas 

  • A morte encefálica encerra as perspectivas de sobrevida individual, mas abre a possibilidade de contemplar os que anseiam nas filas de transplante.  
  • O intensivista desempenha um papel chave na condução do potencial doador de órgãos, sendo um dos responsáveis por otimizar número e função dos órgãos doados.  
  • O suporte intensivo destinado ao potencial doador é muito semelhante ao do doente crítico geral.  
  • A terapia endócrina, baseada no manejo do diabetes insipidus, hipotireoidismo central e insuficiência adrenal, deve ser restrita aos casos suspeitos ou confirmados, não sendo uma conduta rotineira a ser implementada.
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Referências bibliográficas

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