A encefalite autoimune (EA) contempla um grupo complexo de distúrbios em que o sistema imunológico cria anticorpos que visam o cérebro, causando inflamação e resultando em vários sintomas neurológicos e psiquiátricos. Muitas vezes, pode ser confundida com outras formas de encefalite ou condições neurológicas devido à sobreposição dos sintomas. O reconhecimento precoce é crucial porque o tratamento oportuno com imunoterapia pode melhorar significativamente os desfechos dos pacientes, especialmente em casos graves. Durante o 10º Congresso da Academia Europeia de Sociedades Pediátricas (EAPS 2024), a Dra. Margherita Nosadini apresentou as principais características clínicas relacionadas à EA e qual a condução inicial destes pacientes.

Veja quais são os principais tipos de EA
Encefalite por Receptor NMDA:
- A forma mais comum, especialmente em crianças e adultos jovens.
- Caracteriza-se por um pródromo semelhante a uma doença viral (por exemplo, febre, mal-estar) seguido de início rápido de sintomas psiquiátricos (alucinações, agressão), convulsões e distúrbios cognitivos ou comportamentais graves.
- Distúrbios de movimento, como discinesias orais-faciais (movimentos involuntários da boca e língua), são muito típicos.
- Casos graves podem evoluir para instabilidade autonômica e coma, requerendo cuidados em UTI.
Transtorno Associado ao MOG (MOGAD):
- O segundo tipo mais comum de encefalite autoimune em crianças.
- Envolve anticorpos contra a glicoproteína oligodendrocitária de mielina (MOG), apresentando frequentemente convulsões e distúrbios visuais devido à neurite óptica ou outras características desmielinizantes.
Astrocitopatia GFAP:
- Uma condição rara envolvendo autoanticorpos contra a proteína ácida fibrilar glial (GFAP), encontrada em astrócitos (células de suporte do cérebro).
- Geralmente se apresenta com dor de cabeça, febre e sintomas meníngeos, tendo padrões de ressonância magnética distintos com realce linear periventricular.
Saiba mais: Aplicar os critérios de encefalite autoimune na prática clínica funciona?
Diagnóstico: Veja quais são os critérios e as ferramentas chave
Diagnosticar a encefalite autoimune pode ser desafiador devido à sobreposição de sintomas com distúrbios infecciosos, metabólicos ou psiquiátricos. Critérios diagnósticos específicos foram desenvolvidos para ajudar no reconhecimento:
- Critérios Graus de 2016 (Adultos) e Critérios Cellucci de 2020 (Crianças):
- Ambos os critérios exigem o início de sintomas neurológicos ou psiquiátricos dentro de três meses em uma pessoa previamente saudável.
- Características clínicas: Incluem encefalopatia (alteração do estado mental por mais de 24 horas), convulsões, distúrbios de movimento, dificuldades cognitivas ou sintomas psiquiátricos como psicose.
- Características paraclínicas, incluem:
- Líquido cefalorraquidiano (LCR) anormal mostrando inflamação (por exemplo, aumento de glóbulos brancos ou proteína).
- Ressonância magnética do cérebro mostrando características de encefalite.
- Anomalias no EEG (eletroencefalograma), embora frequentemente não específicas, podem mostrar padrões como o extremo delta brush na encefalite por receptor NMDA.
- Detecção de anticorpos específicos no LCR ou soro (por exemplo, anticorpos NMDA, MOG, GFAP).
- Categorias de Diagnóstico:
- EA possível: Baseada em suspeita clínica, mas sem confirmação de anticorpos.
- Encefalite Autoimune Provável: Características de encefalite presentes, mas sem detecção de anticorpos.
- Encefalite Autoimune Definida: Anticorpos contra antígenos de superfície neuronal ou glial são detectados.
Para todos os pediatras: Dicas clínicas chave para suspeitar de EA
- Idade e demografia: A encefalite autoimune é menos comum em neonatos ou bebês, onde infecções são mais prevalentes. A maioria dos casos ocorre em crianças, adolescentes e adultos;
- Histórico: Normalmente afeta indivíduos anteriormente saudáveis. Se um paciente está imunocomprometido, a encefalite infecciosa deve ser considerada com mais força;
- Início: A encefalite autoimune geralmente tem um início subagudo (dentro de dias a semanas). Apresentações hiperagudas (acidente vascular repentino ou eventos vasculares) e sintomas crônicos progressivos (observados em doenças neurodegenerativas) devem levar a diagnósticos alternativos;
- Distúrbios de Movimento: Distúrbios de movimento específicos (por exemplo, catatonia ou discinesia) são característicos da encefalite autoimune, particularmente da encefalite por receptor NMDA;
- Sintomas Psiquiátricos: Psicose de início novo inexplicada, mudanças de humor ou declínio cognitivo em um indivíduo jovem e previamente saudável devem levantar suspeitas.
Investigações
Ressonância Magnética (RM) do Cérebro: A RM pode mostrar padrões distintos com base no subtipo específico de encefalite autoimune:
- Normal ou não específica em muitos casos de encefalite por receptor NMDA;
- O MOGAD pode mostrar envolvimento cortical, e a astrocitopatia GFAP apresenta um realce linear característico;
- Outras causas infecciosas ou mediadas por imunidade, como ADEM (encefalomielite disseminada aguda), têm padrões de RM distintos envolvendo lesões disseminadas.
EEG: Frequentemente anormal na encefalite autoimune, mas não específico. Certos padrões, como o extremo delta brush, podem ajudar a identificar a encefalite por receptor NMDA.
Análise do LCR: Pode mostrar leve inflamação com aumento de glóbulos brancos ou níveis de proteína, mas também pode ser normal. O teste do LCR para anticorpos é crucial para confirmar o diagnóstico.
Veja também: Principais erros diagnósticos de encefalite autoimune e como evitá-los
Mensagem prática:
- A encefalite autoimune é uma condição cada vez mais reconhecida e tratável;
- O reconhecimento precoce através de uma avaliação clínica cuidadosa, o uso de critérios diagnósticos e investigações apropriadas (RM, EEG, análise de LCR) é essencial para iniciar a imunoterapia que salva vidas;
- A combinação de sinais clínicos, fatores demográficos e evidências paraclínicas, incluindo a detecção de anticorpos, pode guiar um diagnóstico rápido, ajudando a distinguir a encefalite autoimune de infecções e outras causas.
Autoria

Jôbert Neves
Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).
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