Principais erros diagnósticos de encefalite autoimune e como evitá-los
A encefalite autoimune é uma condição rara que pode ser mimetizada pelos transtornos mais prevalentes, como encefalopatias tóxico-metabólicas, distúrbios funcionais e mais.
A encefalite autoimune é uma doença cujas características clínicas principais envolvem perda amnésica de início subagudo, alteração do nível de consciência ou sintomas psiquiátricos.
Com o advento de biomarcadores de autoanticorpos neurais, a detecção dessa doença tem sido cada vez maior ao longo dos anos. A presença desses biomarcadores possibilitou maior sensibilidade diagnóstica, embora a especificidade varie com o tipo de anticorpo, metodologia do teste e a sua probabilidade pré-teste. Portanto, há a possibilidade de falso positivo desses autoanticorpos para alguns pacientes com outras doenças que não encefalite autoimune.
A encefalite autoimune é uma condição rara e possui muitos mimetizadores mais comuns, como encefalopatias tóxico-metabólicas, distúrbios funcionais, doença psiquiátrica primária, doenças neurodegenerativas, neoplasias e epilepsia. O diagnóstico errado de encefalite autoimune expõe risco como morbidades de efeitos adversos de imunoterapias e atraso no tratamento apropriado.
Nessa conjuntura, a JAMA Neurology publica estudo¹ que investiga quais são as doenças mais mimetizadoras de encefalite autoimune e quais fatores na história estão mais associados a sinais de alarme para erros diagnósticos.
Métodos
Trata-se de estudo retrospectivo, observacional, internacional, multicêntrico que seguiu as diretrizes de recomendação para estudos observacionais da STROBE.
Os critérios de inclusão foram adultos acima de 18 anos com (1) primodiagnóstico de encefalite autoimune em nível ambulatorial ou hospitalar e (2) diagnóstico alternativo subsequente proposto por visita ambulatorial em clínica de neuroimunologia.
O estudo foi realizado em seis centros médicos com experiência na especialidade de neuroimunologia. Esses centros possuíram localização nos Estados Unidos e Reino Unido. Os pacientes foram avaliados entre janeiro de 2014 até dezembro de 2020.
A coleta de dados foi fornecida a partir de cada centro participante, em que foi ofertado dados como: idade, gênero, variáveis clínicas de pacientes com erro diagnóstico de encefalite autoimune. Além disso, foi analisado se os casos preenchiam os critérios diagnóstico de encefalite autoimune (demonstrado na tabela 1). Foi considerada falha diagnóstica para os casos que não preenchiam a parte 1 e 2 dos requisitos diagnósticos para encefalite autoimune.
Critérios diagnósticos de encefalite autoimune
(1) Início subagudo (rápida progressão em menos de três meses) de déficit amnéstico operacional (memória de curto prazo), alteração do estado mental ou sintomas psiquiátricos.
(2) Presença de pelo menos um dos achados:
2.1) Déficit neurológico focal
2.2) Crises epilépticas não explicadas por outro transtorno epiléptico.
2.3) Pleocitose em líquor
2.4) Características em RM encéfalo com sinais de encefalite e presença de hipersinal em sequências de T2/FLAIR em um ou ambos os lobos temporais mediais (encefalite límbica) ou áreas multifocais envolvendo substância cinzenta e branca sendo compatíveis com desmielinização/inflamação.
Além disso, dados como idade no início dos sintomas, gênero, tempo do início da doença até diagnóstico correto, instalação de sintomas, história de neoplasia ou outros distúrbios autoimunes, resultado de teste neuropsicológico, de EEG, de LCR e de autoanticorpos também foram coletados.
Em cada centro participante, os erros diagnósticos de encefalite autoimune foram categorizados conforme o erro para cada participante: (1) Superinterpretação de auticorpo não-específico positivo, (2) Falha em aceitar diagnóstico psiquiátrico alternativo, (3) Erro em classificar sintomas neurológicos funcionais como orgânicos, (4) Superinterpretação de sintomas cognitivos inespecíficos como encefalite e (5) Outros.
Resultados
Foram avaliados 397 pacientes, sendo que 107 pacientes apresentaram erro diagnóstico, enquanto 286 foram corretamente diagnosticados com a doença. Logo, a proporção de erros diagnósticos de encefalite autoimune foi estimada em 27,22%.
Entre a amostra de 107 pacientes com erro diagnóstico de encefalite autoimune, foi observado que a mediana de idade apresentou entre 48 anos sendo 61% mulheres. O tempo de início dos sintomas até o diagnóstico correto apresentou mediana de 16 meses. Nessa amostra, a instalação dos sintomas foi insidiosa (após três meses) em 48% dos casos embora alguns tenham relatado piora subaguda superimposta.
Foi observado que 77 pacientes (72% da amostra) não completaram os requisitos dos critérios diagnósticos de encefalite autoimune.
Presença de anticorpo anti-TPO foi positivo em 24 entre 62 pacientes (39%). Os autoanticorpos neurais foram mais identificados em amostra sérica (48 de 105: 46%) do que em amostra liquórica (7 de 91: 8%). Nesse contexto, foi observado que 10 pacientes apresentavam detecção sérica de anticorpo NMDA, embora apresentasse outros diagnósticos. 1 paciente com detecção de autoanticorpo VGKC (sendo LGI1 e CASPR2 negativo) apresentou diagnóstico final de epilepsia criptogênica não relacionada a causa imunomediada.
As principais razões de erros diagnósticos encontrados nesses centros foram superinterpretação de anticorpos positivos inespecíficos em 50% dos casos, superinterpretação de sintomas inespecíficos neurológicos em 18% dos casos, achados de neuroimagem consistentes com encefalite em 14%, consideração de sintomas funcionais como orgânicos em 13% e manifestações psiquiátricas primárias em 5%.
Discussão
O mais interessante é que, nesse estudo, o erro diagnóstico dessa condição pode ocorrer em múltiplos contextos incluindo em ambulatórios especializados como neuroimunologia.
O fato de 72% da amostra não ter preenchido os critérios diagnósticos sugere uma maior atenção ao preenchimento desses critérios para prevenção de erros.
O início de curso insidioso de sintomas com ausência de achados em RM e líquor sugestivos de neuroinflamação deve apontar para outros diagnósticos alternativos. Ainda assim, vale a pena ressaltar que há alguns casos como encefalites por LGI1, CASPR2m e IgLON5 que podem apresentar duração prolongada e sem outras possibilidades etiológicas que não apenas a presença do próprio anticorpo.
A superinterpretação de anticorpos inespecíficos, como encefalite, foi a categoria com maior porcentagem para erro diagnóstico de encefalite autoimune. Entre esses autoanticorpos considerados, vale ressaltar anti-TPO e anti-GAD65. Anticorpos tireoide-peroxidase (anti-TPO) podem estar presentes em 13% da população e em 20% de indivíduos acima de 60 anos, o que reduz sua utilidade diagnóstica para encefalite autoimune ou encefalopatia de Hashimoto. Já o anticorpo anti-GAD65 também pode ocorrer em 8% da população (particularmente em indivíduos com diabetes), de forma que sua relevância clínica para casos neurológicos deve ser considerada em casos de positividade do anticorpo em títulos altos (>10 000 IU/mL por método de ELISA ou >20 nmol/L por radioimunoensaio) ou em detecção em líquor.
Um outro dado relevante é que 53 entre os 105 pacientes (em torno de 50% da amostra de erros diagnósticos), o erro foi associado a teste de autoanticorpos neurais por amostra sérica. Por outro lado, erros diagnósticos relacionados a detecção de autoanticorpos por amostra liquórica aconteceram apenas em 7 de 91 casos (8%). Josep Dalmau, no editorial² da JAMA Neurology, enfatiza que a priorização do teste de anticorpos em amostras séricas ao invés de liquóricas tem sido um problema recorrente ao longo dos anos. A solicitação em amostras séricas tem sido priorizada devido a um conceito de maior sensibilidade sérica; contudo, as implicações clínicas desses testes séricos são incertas. Além disso, é importante destacar que esse tipo de exame tem sido priorizado e outros conceitos significativos tem ficado para segundo plano, como: associação desses anticorpos com a síndrome clínica do paciente, a especificidade do exame e a resposta clínica à imunoterapia.
Conclusão
Nesse estudo, a detecção de anticorpo NMDAR sérico com anticorpo negativo na amostra de líquor foi considerada um sinal de alarme para erro diagnóstico. Uma outra informação relevante é de que dosagem de anticorpo VDKC são consideradas frequentes fontes de erros diagnósticos. Em um estudo proposto por Lang e colaboradores³, foi notado que 72 pacientes positivos para anticorpo VGKC (porém LGI1 e CASPR2 negativos) não apresentou doenças autoimunes.
Mensagem prática
Alertas para encefalite autoimune que podem sugerir diagnóstico alternativo são: início insidioso, anticorpo sérico inespecífico positivo e falha no preenchimento dos critérios diagnósticos de encefalite autoimune.
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