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Neurologia24 abril 2023

Tratamento de neoplasias cerebrais malignas

Uma revisão publicada no JAMA Neurology trouxe uma atualização no tratamento das neoplasias cerebrais malignas.

Por Danielle Calil

A incidência anual de neoplasias cerebrais malignas é aproximadamente 7 a cada 100 mil indivíduos, aumentando conforme idade. A sobrevivência em 5 anos dessas neoplasias gira em torno de 36%. Nessa conjuntura, a atualização do manejo de neoplasias malignas é essencial para um melhor direcionamento terapêutico dos pacientes acometidos.  

A JAMA Neurology, em fevereiro de 2023, publica uma revisão sobre esse tópico. Nessa publicação, foram realizadas duas pesquisas de revisão de literatura, uma em junho de 2022 e a outra em dezembro de 2022, restritas ao idioma inglês, através dos termos “glioma”, “glioblastoma”, “meningioma maligno”, “linfoma primário de SNC”. Foram incluídos 110 artigos, sendo 48 ensaios clínicos, 19 metanálises ou revisões. 

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Tratamento sintomático das neoplasias intracranianas 

Crises epilépticas

Ocorrem em 75% dos pacientes com glioma. É preferível prescrição de drogas antiepilépticas não indutoras enzimáticas em vista do seu perfil com menor interação medicamentosa e menores efeitos adversos. Em pacientes sem quadro epiléptico, não é recomendado profilaxia com drogas antiepilépticas. O uso de drogas antiepilépticas no perioperatório é comum, mas a evidência para essa prática ainda é escassa. 

Edema cerebral

Geralmente, é tratado com corticoterapia, sendo dexametasona a droga de preferência devido à sua baixa atividade mineralocorticóide com meia-vida mais prolongada. Em sintomas neurológicos graves – como alteração de marcha ou de nível de consciência – é recomendado ataque de dexametasona 10mg seguido de administração de manutenção com 16mg/dia. Por outro lado, em caso de sintomas leves-moderados – como cefaleia ou déficits sensitivos – pode ser prescrito dexametasona entre 4 e 8mg/dia sem dose de ataque.  

É importante optar pela menor dose de corticoide viável para o controle dos sintomas, assim como realizar o desmame assim que possível. Em casos de paciente sob uso de dexametasona 3mg diariamente por pelo menos 1 mês, a profilaxia para pneumonia por Pneumocystis jirovecii (PCP) deve ser realizada – a prescrição de trimetoprima/sulfametoxazol profilática nesses casos é capaz de reduzir a incidência de PCP de 6.2% para 0.2%. 

Tromboembolismo venoso:

Ocorre em torno de 30% dos pacientes com glioma ou linfoma de sistema nervoso central (SNC), muitas vezes em contexto pós-operatório. Em pacientes hospitalizados, a profilaxia medicamentosa com heparina de baixo peso molecular ou não fracionada é recomendada idealmente 24 horas após a cirurgia.

Em casos de alta hospitalar, não há dados que suportam a manutenção dessa profilaxia. Em casos de diagnóstico de tromboembolismo venoso, muitos neuro-oncologistas priorizam terapia com heparina de baixo peso molecular (LMWH) do que antagonistas de vitamina K.

Em estudo realizado com população portadora de câncer em geral, foi demonstrado que os anticoagulantes orais diretos foram não inferiores à LMWH, podendo ser apropriado para população com neoplasia intracraniana. Anticoagulação sistêmica, nesses casos, deve ser realizada pelo menos em três a seis meses, embora em pacientes com neoplasias malignas possa ser considerado um tempo indeterminado. 

Atualizações no tratamento específico de cada neoplasia 

Glioblastoma 

É a neoplasia intracraniana primária maligna mais comum, apresentando sobrevida média estimada em menos de dois anos. A ressecção total bruta é associada com melhora na sobrevida geral.  O uso de ácido 5-amonilevulínico é recurso que possibilita a visualização do tecido maligno durante a cirurgia, possibilitando uma melhor ressecção cirúrgica e sobrevida livre de progressão em 6 meses.

Dentro de três a seis semanas após a cirurgia, os pacientes devem receber radioterapia com administração concomitante de temozolamida. Ao completar a radioterapia, temozolamida deve ser retomada após quatro semanas para um total de seis ciclos mensais. Em ensaio clínico com 573 participantes, o regime combinado de quimio e radioterapia apresentou melhora em sobrevida quando comparado à radioterapia única. 

A recorrência de glioblastoma é inevitável, com sobrevida de progressão livre em torno de sete meses. Muitos pacientes são submetidos à segunda ressecção tumoral e nova necessidade de quimioterapia. Bevacizumab pode ser considerado no controle de sintomas relacionados à edema vasogênico. Não foi demonstrado efetividade em novas drogas para glioblastoma em ensaios clínicos. Essa neoplasia não foi responsiva a terapias com alvo molecular, como selumetinib, ibrutinib ou vemurafenib. 

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Astrocitoma e oligodendroglioma IDH-mutante 

Gliomas IDH mutantes compreendem aproximadamente 70-80% dos gliomas de baixo grau histopatológicos, geralmente possuindo melhor resposta ao tratamento do que gliomas IDH-selvagem. Enquanto os gliomas com IDH mutante e presença de codeleção 1p/19q são definidos como oligodendrogliomas, os gliomas IDH mutantes sem a presença dessa codeleção são definidos como astrocitomas. 

A ressecção cirúrgica com margem de segurança tem sido associada com melhora geral em sobrevida. A abordagem de watch and wait (observar e esperar) pode ser considerada nos casos de glioma com classificação WHO grau 2 que apresentem doença residual mínima e sem sintomas neurológicos associados, pois o objetivo seria postergar possíveis efeitos adversos relacionados ao tratamento. 

Análises post hoc do grupo NRG Oncology/Radiation Therapy Oncology Group 9802 (RTOG9802) demonstraram que pacientes com glioma IDH mutante de grau 2 de alto risco (pacientes acima de 40 anos ou com ressecções subtotais) se beneficiaram da associação de agentes quimioterápicos – como procarbazina, lomustina e vincristina – à radioterapia. 

De acordo com resultados do RTOG9802, procarbazina, lomustina e vincristina apresentaram melhora nos desfechos de sobrevida de pacientes com gliomas IDH mutantes sem codeleção 1p/19q. Por outro lado, ainda há dados insuficientes para avaliar efetividade de associação desses agentes quimioterápicos com a radioterapia nos pacientes com glioma IDH mutante na presença dessa codeleção. 

Pequenas moléculas inibidoras da enzima IDH mutante tem demonstrado, em ensaios clínicos de fase 1, atividade preliminar contra gliomas IDH mutantes de baixo grau. 

Linfoma primário de SNC 

É doença hematológica maligna rara, confinada ao sistema nervoso central – podendo acometer, portanto, cérebro, medula espinhal, leptomeninge e espaço vitroretiniano. Apesar de imunodeficiência ser um fator de risco estabelecido, pode afetar pacientes imunocompetentes com aumento de incidência naqueles acima de 70 anos.  

Em relação à neurocirurgia, a associação entre ressecção tumoral extensa com melhora na sobrevida permanece controversa. O tratamento quimioterápico é baseado em prescrição de metotrexato em alta dose, mesmo em casos de idosos frágeis ou indivíduos com incapacidade funcional, em decorrência de boas taxas de resposta, em torno de 80-90%.

A combinação de metotrexato e outros agentes quimioterápicos em estudos mostrou melhorar ainda mais os desfechos de sobrevida. Para redução de recorrência tumoral, terapia de consolidação com mieloablação tiotepa seguida ou por transplante de células tronco autólogo, ou por quimioterapia não-mieloablativa ou por radioterapia cerebral total podem ser consideradas.  

Em geral, é neoplasia muito sensível à quimioterapia e à radioterapia. Contudo, aproximadamente 36 a 62% dos pacientes apresentam recorrência tumoral após terapia de primeira linha, usualmente nos dois primeiros dois anos. Nesses casos de recorrência, os pacientes bons respondedores na terapia de indução com metotrexato, podem ser retratados com metotrexato de alta dose intravenosa. Outras opções são combinação de alta dose de metotrexato seguida por transplante de células tronco autólogo, inibidores tirosina-quinase de Bruton ou derivados de talidomina. 

Meningioma maligno 

Os meningiomas são os tumores primários de sistema nervoso central mais prevalentes, sendo 90% dos casos em geral benignos. Aproximadamente 5% possuem classificação de WHO grau 2 e 1-2% possuem classificação grau 3. Alterações moleculares (ex. deleção CDKN2A/B, mutação na promotora TERT etc.) são associadas à piora prognóstica. 

Meningiomas pequenos (< 3cm), assintomáticos, com pouco edema peritumoral podem ser monitorados com neuroimagem. Nesse caso, o cronograma típico é RM crânio seriada em 3, 6 e 12 meses após diagnóstico, a cada 6 a 12 meses por 5 anos e posteriormente a cada 1-3 anos. 

Quando essa neoplasia é extensa, com aumento rapidamente progressivo, sintomática, associada a edema perilesional ou apresenta infiltração em parênquima cerebral, é recomendado a ressecção cirúrgica. Ressecção total é fator prognóstico positivo independente para sobrevida. Radioterapia adjuvante fracionada é também recomendada para esses casos.  

Nas hipóteses de recorrência, que ocorrem entre 50 e 90% dos casos, ressecção ou radioterapia podem ser novamente consideradas. 

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Tratamento de ependimoma maligno 

É grupo heterogêneo de neoplasias com surgimento no sistema ependimário. Os ependimomas malignos são raros, de forma que há poucos ensaios clínicos disponíveis na literatura. Além disso, apresentam 9 subgrupos distintos, não sendo precisa a informação se as terapias atuais se aplicam em todos esses casos.  

Sabe-se que a ressecção total bruta está associada com melhora em sobrevida. Radioterapia pós-operatória é recomendada para tumores grau 3 na classificação de WHO ou tumores de grau 2 com ressecção parcial. Ependimomas com disseminação liquórica devem ser tratados com radiação cranioespinhal.

A quimioterapia é reservada para recorrência após opções terapêuticas locais (cirurgia ou irradiação). Em corte retrospectiva, não foi demonstrado em geral benefício em sobrevida com quimioterapia, embora temozolamida, etoposide e bevacizumab possam beneficiar alguns pacientes. 

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Referências bibliográficas

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