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Neurologia16 agosto 2018

Meu paciente jovem teve um AVC, e agora?

O acidente vascular cerebral (AVC) também ocorre em neonatos, crianças e adultos jovens, resultando em morbidade e mortalidade importantes.

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Ainda que seja mais comum em adultos mais velhos, o acidente vascular cerebral (AVC) também ocorre em neonatos, crianças e adultos jovens, resultando em morbidade e mortalidade importantes. Como o tópico de AVCs é enorme, a proposta deste artigo é focar no AVC arterial isquêmico no jovem adulto até 45 anos de idade, pois a isquemia cerebral costuma possuir avenidas bastante amplas em termos de investigação para sua etiologia e possibilidades de prevenção secundária.

Há neste assunto espaço para aprofundar-se em longas discussões aos que por elas se interessarem, porém, é importante que todo clínico saiba identificar os pontos principais das causas desta doença cuja incidência é estimada de 3,4 a até 22,8/100.000 pessoas por ano.

Em predominância por sexo, a incidência de AVCs é maior em homens do que em mulheres, independente de idade, subtipo de AVC ou histórico de trauma. Nas crianças e nos adultos jovens, alguns dos fatores de risco que contribuem para causa de AVC são distintos dos habituais conhecidos para adultos mais velhos.

Nos jovens, falaremos muito mais sobre:

  • Doenças cardíacas congênitas ou adquiridas;
  • Condições hematológicas;
  • Vasculopatias;
  • Distúrbios metabólicos;
  • Ingestão de substâncias exógenas como drogas.

Infelizmente, os escassos dados disponíveis sobre causas e fatores de risco para AVC nos adultos jovens advém apenas de coortes populacionais ou de estudos unicêntricos.

Um dos maiores estudos de coorte realizados sobre o assunto na Finlândia consistiu de 1.008 pacientes com idades de 15 a 49 anos com seu primeiro AVC isquêmico, e trouxe as seguintes observações:

– A ocorrência do AVC isquêmico aumenta exponencialmente com a idade.
– De maneira geral, os fatores de risco mais comuns foram dislipidemia, tabagismo e hipertensão, encontrados em 60, 44 e 39%, respectivamente.
– As etiologias mais comuns foram cardioembolismo e dissecção arterial cervicocefálica em 20 e 15%, respectivamente.
– A proporção de doença de pequenos vasos e aterosclerose de grandes vasos (14 e 8%) aumenta de forma significativa inicialmente entre as idades de 30 a 35 anos.
– A frequência de AVC de etiologia indeterminada (33%) diminuiu com a idade.

Este estudo realizado na Finlândia chama a atenção para o fato de que, ainda que o paciente jovem precise de uma investigação usualmente mais ampla do que o mais velho, os tradicionais fatores de risco para AVC (como tabagismo, hipertensão, dislipidemia) podem já ser os responsáveis pelo AVC. Nestes casos o AVC seria apenas uma infeliz manifestação precoce de doença cardiovascular. Para estes pacientes, os cuidados de prevenção secundária voltados a correção do fator de risco cardiovascular será similar a abordagem que é usual para adultos mais velhos.

E para aqueles adultos jovens que não apresentam um óbvio fator de risco tradicional para AVC, como conduzir a investigação de uma forma dirigida, economicamente razoável, e aumentar as chances de corretamente realizar a posterior prevenção secundária? Vamos abordar as diferentes frentes que necessitam ser avaliadas nestes pacientes.

Aspecto cardíaco: as doenças congênitas cardíacas são um risco para AVC cardioembólico, especialmente no período perioperatório ou após cateterismo cardíaco. Mesmo por anos após a correção cirúrgica ou paliativa, estas doenças congênitas continuam representando um risco de 9 a 12 vezes maior para AVC no adulto jovem afetado do que na população em geral. No entanto, o papel do forame oval patente (FOP) e prolapso da valva mitral, anormalidades cardíacas muito comuns, persiste ainda de forma controversa. Lesões cardíacas adquiridas, como endocardite, cardiomiopatia, valva prostética, também são fatores de risco para AVC. De maneira geral, a contribuição cardíaca para o AVC pode incluir os seguintes mecanismos:

  • Embolia paradoxal.
  • Hiperviscosidade.
  • Risco aumentado de êmbolos sépticos.
  • Dilatação de câmeras cardíacas e respectiva formação de trombos.
  • Arritmias.

Aspecto hematológico: a anemia falciforme é a causa mais comum de AVC em crianças. Já nos adultos jovens, também devemos considerar outras afecções hematológicas. Outras anemias, particularmente a ferropriva, pode estar envolvidas. As trombofilias, mutações de antitrombina, protrombina, por exemplo, são mais comuns e estatisticamente significativas quando consideramos o AVC em crianças. Nos adultos jovens, essa associação é mais incerta quando tratamos de AVC arterial isquêmico, porém são fatores a se considerar quando deparar-se com tromboembolismo venoso. Como o propósito deste artigo é o foco em AVC arterial isquêmico, as evidências fundamentam que nestes casos deve-se de rotina pesquisar apenas os seguintes fatores no adulto jovem:

  • Anticorpo antifosfolípede
  • Mutação do fator V de Leiden

Uso de anticoncepcionais hormonais orais (ACHO): o uso de ACHO foi associado a um pequeno porém significante aumento de incidência de AVC isquêmico em vários estudos, mas não em todos. Esta preocupação era maior no início do uso de ACHOs com maior dose de estrogênio. As preparações que contém menos de 50mcg de etinil-estradiol estão associadas com menor risco. Importante notar que em mulheres jovens saudáveis (não-tabagistas e sem hipertensão arterial sistêmica), o risco é bastante baixo. Torna-se um fator mais preocupante quando combinado com outros fatores de risco:

  • Idade mais avançada (>39 anos);
  • Tabagismo;
  • Enxaqueca com aura
  • Hipertensão arterial sistêmica;
  • Obesidade
  • Dislipidemia
  • Mutações protrombóticas

Importante notar que as apresentações injetáveis e de patch transdérmico, quando contiverem estrogênio, também podem aumentar o risco para AVC isquêmico. O risco parece ser menor para AVC e outros eventos cardioembólicos nos contraceptivos com apenas progesterona e/ou combinados. De toda forma, é válido considerar outras formas não-hormonais de contraceptivos nas mulheres jovens que tenham apresentado um AVC isquêmico.

Dissecção arterial: trata-se de um fator vascular importante em algumas séries de adultos jovens estudadas. Enquanto o trauma vascular definitivo ou provável é identificado em alguns pacientes, também pode ocorrer uma dissecção espontânea. Doenças do tecido conjuntivo como a síndrome de Ehlers-Danlos e síndrome de Marfan, por exemplo, podem predispor a dissecção.

Abuso de substâncias: o uso de drogas simpaticomiméticas, como cocaína e metanfetamina, pode causar AVC por hipertensão, vasoespasmo ou vasculite. Outras substâncias que já tiveram dados epidemiológicos relacionados a AVC incluem: heroína, outros opiáceos, marijuana, canabinoides sintéticos.

Vasculites: as doenças inflamatórias vasculares que afetam os vasos cerebrais podem ser primárias ou secundárias.

• As vasculites primárias relacionadas com AVC isquêmico incluem:
◦ Arterite de Takayasu;
◦ Arterite de células gigantes;
◦ Poliarterite nodosa;
Doença de Kawasaki;
◦ Angiite primária do sistema nervoso central (SNC).

• As vasculites secundárias relacionadas com AVC isquêmico são associadas afecções do colágeno vascular, como o ocorrido no lúpus ou em infecções diversas, por exemplo:
◦ Meningite bacteriana;
◦ Infecções virais incluindo o HIV e varicella;
◦ Sífilis;
◦ Tuberculose do SNC;
◦ Infecções fúngicas.

Distúrbios metabólicos: geralmente estão associadas com AVC por seu efeito na parede vascular. Usualmente apresentam-se de forma bastante precoce, seja ainda na infância ou no início da vida adulta e costumam apresentar pistas em outros familiares de acordo com seu padrão de herança genética. São alguns exemplos mais relevantes:

– CADASIL (cerebral autosomal-dominant arteriopathy with subcortical infarcts and leukoencephalopathy): doença autossômica dominante que leva a uma degeneração progressiva das células musculares lisas das paredes vasculares. São pacientes que terão precocemente enxaqueca, AVC isquêmico, acidente isquêmico transitório (AIT). Costumeiramente também será possível encontrar um padrão de acometimento familiar com estes eventos ocorrendo ainda na infância e em adultos jovens.
– Doença de Fabry: de armazenamento do lisossomo, ligada ao cromossomo X, que se manifesta em infartos múltiplos no adulto jovem do sexo masculino afetado e nas mulheres que carregam a mutação.
– MELAS (mitochondrial encephalomyopathy with lactic acidosis and stroke-like episodes): doença mitocondrial de herança materna com acometimento de diversos sistemas, cuja marca é a ocorrência de episódios AVC-símiles, ou seja, com clínica similar ao AVC, associadas também a enxaqueca, baixa estatura, perda auditiva. Usualmente se manifesta ainda na infância apesar de um desenvolvimento inicial normal. Um curso remitente-recorrente é o mais comum. Os episódios vão levando a uma disfunção neurológica progressiva e demência.

Foi realmente um AVC?

Por fim, lembremos que o diagnóstico diferencial para o AVC arterial isquêmico é amplo e existem outras doenças que podem se apresentar com déficits neurológicos agudos. Algumas condições que podem mimetizar AVCs arteriais isquêmicos no adulto jovem incluem:

  • Outras anormalidades vasculares: hemorragia intracraniana; aneurisma cerebral; malformação arteriovenosa; trombose de seios venosos cerebrais;
  • Condições não-vasculares: tumores; lesões estruturais; paresia pos-ictal prolongada (Todd); migrânea complicada; hemiplegia familiar alternante; infecção intracraniana; hipertensão intracraniana idiopática; doenças desmielinizantes; situações tóxico-metabólicas; síncope; condições psicogênicas.

Em resumo, embora os fatores de risco para AVC arterial isquêmico em adultos jovens sejam diferentes dos típicos no adulto mais velho, ainda é importante lembrar do papel dos fatores clássicos como hipertensão, tabagismo, diabetes e hipercolesterolemia.

Quando for necessário expandir a sua busca por outras etiologias, direcione a investigação para pistas que virão, principalmente, da boa anamnese extraída do paciente e/ou de outros informantes. Levantar o histórico de afecções prévias do paciente, mesmo aquelas ocorridas ainda na infância, pode trazer pontos de partida mais claros na sua pesquisa. De forma similar, uma história familiar que pesquise possíveis eventos cardiovasculares ocorridos precocemente também pode ser útil, bem como o levantamento dos hábitos do paciente na questão de uso de medicamentos e eventuais abusos de substância.

Quando falamos do reconhecimento precoce do AVC no jovem, é importante reforçar para a população em geral o fato de que isso pode acontecer mesmo nos adultos mais jovens e nas crianças, pois os estudos ainda demonstram que estes pacientes chegam aos hospitais de forma mais tardia e usualmente não trazidos por ambulância. Este atraso potencialmente prejudica o tratamento precoce com trombólise nos casos indicados.

A investigação da etiologia do AVC arterial isquêmico no adulto jovem é um convite para o clínico considerar como esta doença pode ser o sinal de alerta para diversas doenças sistêmicas.

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Referências:

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  • Lutski M, Zucker I, Shohat T, Tanne D. Characteristics and Outcomes of Young Patients with First-Ever Ischemic Stroke Compared to Older Patients: The National Acute Stroke Israeli Registry. Front Neurol. 2017 Aug 21;8:421.
  • José M Ferro, Ayrton R Massaro, Jean-Louis Mas – Aetiological diagnosis of ischaemic stroke in young adults J Neurol Neurophysiol 2012, 3:4 DOI: 10.4172/2155-9562.1000133
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