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Descrita pela primeira vez por um pediatra francês chamado Antoine Bernard-Jean Marfan, no ano de 1896, a síndrome de Marfan é uma doença do tecido conjuntivo, genética, autossômica dominante, sem predileção por raça ou sexo, com uma prevalência de 1/10.000 indivíduos.
Possui como característica principal o envolvimento multissistêmico, afetando principalmente o aparelho cardiovascular, musculoesquelético e ocular. A dilatação da aorta, disseção e rotura são as principais causas de morbimortalidade. Estudos demonstram ser uma doença genética, porque várias pessoas são afetadas na mesma família e denomina-se autossômica dominante porque torna-se necessário apenas uma mutação em um dos alelos para que ocorram as manifestações clínicas.
A raça humana tem como regra possuir 46 cromossomos, ou seja, 23 pares de cromossomos, herdados da mãe e do pai. Esses pares são iguais e os genes ocupam sempre o mesmo lugar em ambos. Cada gene que ocupa o mesmo lugar é chamado de alelo. Uma mutação (alteração no código genético) em apenas um dos alelos é necessária para observarmos as características clínicas em uma doença autossômica dominante.
É frequente a síndrome de Marfan ser hereditária, porém cerca de 25 a 30% das pessoas afetadas são as primeiras da sua família a terem a doença.
Por muito tempo, pesquisadores tentaram identificar que proteína seria comum aos ossos, olhos e coração. No final da década de 80, eles descobriram a existência de uma proteína que foi denominada fibrilina, que faz parte do tecido de sustentação dos órgãos e está presente em grande quantidade nos ligamentos que unem os ossos nas articulações e seguram as lentes dos olhos, chamadas de cristalino, assim como na camada interna das artérias, principalmente na maior artéria do corpo humano, a aorta.
A mutação genética leva a produção de quantidades maiores dessa proteína, acarretando no surgimento dos principais sinais e sintomas da síndrome de Marfan.
Na população com síndrome de Marfan há um defeito no gene FBN1 situado no cromossoma 15 que afeta a produção do fibrilina da glicoproteína (especificamente fibrillin-1). As moléculas de fibrillin-1 formam as estruturas chamadas microfibrils. Estes são necessários para fornecer elasticidade e apoio aos tecidos conjuntivos como ossos, músculos e as lentes dos olhos.
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Manifestações clínicas da síndrome de Marfan
Os sinais e sintomas da síndrome de Marfan variam muito de paciente para paciente, mesmo que sejam da mesma família. As principais manifestações clínicas estão relacionados a três sistemas principais: o esquelético, caracterizado por estatura elevada, escoliose, braços e mãos alongadas e deformidade torácica; o cardíaco, caracterizado por prolapso de válvula mitral e dilatação da aorta; e o ocular, caracterizado por miopia e luxação do cristalino. Essa capacidade de atingir órgãos tão distintos é denominada pleiotropia.
Manifestações clínicas relacionadas ao sistema esquelético
- Estatura elevada/escoliose/pé chato/deformidades torácicas
- Braços, pernas, mãos e dedos alongados (aracnodactilia)
- Deformidade torácica
- Curvatura da coluna espinhal/apinhamento dental
Manifestações clínicas relacionadas ao sistema cardiovascular:
- Prolapso da válvula mitral/dilatação da aorta/sopro cardíaco
Manifestações clínicas relacionados ao sistema ocular:
- Miopia/luxação do cristalino/descolamento de retina
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Como diagnosticar a síndrome de Marfan
O diagnóstico da síndrome de Marfan é baseado na presença de alterações clínicas típicas e uma história positiva familiar de parente próximo. Na ausência de comprometimento familiar, é necessária a ocorrência de sinal clínico maior em, no mínimo, dois sistemas e o envolvimento de um terceiro.
Sistema esquelético: critérios maiores
- Pectus carinatum
- Pectus escavatum
- Relação segmento superior/inferior <0.86
- Aracnodactilia
- Extensão reduzida com os cotovelos (<170°)
- Pés planos
- Protusão do acetábulo/Escoliose
Sistema cardiovascular: critérios maiores
- Dilatação do arco aórtico
- Dissecção da aorta ascendente
Sistema ocular: critério maior
- Subluxação do cristalino
Sistema neurológico: critério maior
- Ectasia dural lombosacral
Genético: critérios maiores
- História familiar confirmada
- Presença de mutação no gene fibrilina-1 ou haplotipo fibrilina-1
Pela grande diversidade de alterações clínicas, esses pacientes devem ser seguidos por especialistas de múltiplas áreas. Os exames complementares de cada especialidade incluem ecocardiograma, eletrocardiograma, radiologia, densitometria óssea e amostras para análise genética.
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Manuseio cardiovascular na síndrome de Marfan
Devemos nos atentar para os seguintes tópicos:
- Uso de betabloqueador profilático com o objetivo de diminuir a pressão arterial, a contratilidade, a tensão na parede aórtica, reduzindo os riscos de dissecção e ruptura.
- Monitorar os fatores de risco: controle dos diâmetros aórticos, dilatação aórtica progressiva, história familiar de dissecção.
- Avaliação anual ou bi-anual, se houver taxa de crescimento mais rápida dos diâmetros aórticos (≥2mm/ano).
- Encaminhamento para cirurgia em caso de diâmetros aórticos no seio de valsalva maiores de 5,0 cm (criança) ou 5,5 cm (adulto).
- Pacientes grávidas têm maior risco de rutura com diâmetros aórticos maiores de 4,0 cm (monitorar).
Take-home message
Enfim, por tratar-se de uma doença que atinge vários sistemas, o seu manejo requer uma abordagem multidisciplinar. Com o tratamento adequado, é possível obter resultados satisfatórios na sobrevida. A indicação de exercício é importante nesses pacientes, pois além do bem estar físico e mental promovido pelo exercício, este atua melhorando a capacidade física, ajudando no controle dos níveis tensionais, aumentando a densidade óssea e ajudando na prevenção de doenças degenerativas, como obesidade, diabetes e aterosclerose. Porém, faz-se necessário avaliações regulares e criteriosas e de forma individual.
Referências:
- Mc Bride ART, Gargan M. Marfan syndrome. Current Orthopedics 2006; 20:418-23.
- Le Parc JM. Marfan syndrome. Orphanet encyclopedia february, 2005 http://www.orpha.net/data/patho/GB/uk-marfan
- De Paepe A, Devereux RB, Dietz HC, Hennekam RC, Pyeritz RE: Revised diagnostic criteria for the Marfan syndrome. Am J Med Genet 1996; 62:417–426.
- Dennison A.D, Certo C. Exercise for individuals with Marfan Syndrome. Cardiopulmonary Physical Therapy Journal 2006; 17(3):110-15.
- Giske L, Stangelle JK, Rand-Hendrikssen S, Strom V, Wilhelmsen JE.,Roe C. Pulmonary function, working capacity and strength in young adults with Marfan syndrome. J Rehabil Med. 2003;35:221-228.
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