A doença de Parkinson (DP) é uma doença neurodegenerativa caracterizada por sintomas motores e não motores. O tratamento da doença de Parkinson é sintomático, isto é, proporciona o alívio dos sintomas possibilitando uma melhor qualidade de vida aos pacientes ─ ainda que essas terapias não interfiram na fisiopatologia e no curso natural dessa doença. Sendo assim, é uma terapia altamente individualizada.
Em 2022, o Departamento Científico de Distúrbios do Movimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) publicou diretrizes no tratamento dos sintomas motores de doença de Parkinson. No final de 2024, houve a publicação da segunda parte dessa diretriz, direcionada agora às recomendações terapêuticas dos sintomas não motores da doença.
Métodos
A revisão foi realizada nas bases de dados MEDLINE e Cochrane Library, abrangendo o período de 1989 a 2024. Foram analisados estudos sobre tratamento de sintomas não motores da DP como “cognição”, “demência”, “comprometimento cognitivo leve”, “depressão, “apatia”, “ansiedade”, “psicose”, disfunção de desregulação dopaminérgica”, “distúrbios de sono”, “insônia”, “sonolência diurna excessiva”, “transtorno comportamental do sono REM”, “síndrome de pernas inquietas”, “apneia obstrutiva do sono”, “dor”, “disfunção autonômica”, “hipotensão postural”, “disfagia”, “sialorreia”, disfunção urinária, “disfunção sexual”.
Os estudos foram classificados de acordo com o Clinical Practice Guideline Process Manual (2017 Edition) da American Academy of Neurology. Nesse manual, os estudos foram também classificados de acordo com quatro níveis de recomendação: nível A (estabelecido como eficaz, ineficaz ou prejudicial), nível B (provavelmente eficaz, ineficaz ou prejudicial), nível C (possivelmente eficaz, ineficaz ou prejudicial) e nível U (dados inadequados ou conflitantes considerando o conhecimento atual, de modo que o tratamento não apresenta comprovação científica).
Comprometimento cognitivo
Queixas cognitivas são comuns na doença de Parkinson (DP), podendo surgir desde os estágios iniciais como comprometimento cognitivos leve (MCI-PD) e progredir, posteriormente, para demência (PDD). Aproximadamente 80% dos pacientes desenvolvem demência após 20 anos de doença. Os principais fatores de risco atrelados à PDD são: o avançar da idade, gravidade da doença e presença de psicose.
Estudos com inibidores de acetilcolinesterase como donepezila e rivastigmina demonstraram melhora cognitiva e redução dos sintomas neuropsiquiátricos (nível classe B de evidência). Não há evidências suficientes para corroborar ou refutar o uso de galantamina (outra droga da classe de IChE) no tratamento de PPD.
A memantina, antagonista do receptor NMDA, também foi considerada possivelmente efetiva no tratamento de PPD (nível B), contudo, sua efetividade é limitada e restrita à percepção subjetiva de melhora clínica nos estudos realizados.
Sintomas neuropsiquiátricos
Sintomas neuropsiquiátricos (depressão, ansiedade e psicose) podem estar presentes na doença de Parkinson. Há estimativa de que 40-50% dos casos de DP possam apresentar depressão, enquanto aproximadamente 50% dos casos em algum estágio da doença podem apresentar sintomas de psicose.
Estudos relacionados com tratamento de depressão na DP foram publicados tanto com drogas antidepressivas quanto agonistas dopaminérgicos. Venlafaxina e pramipexoal foram fármacos considerados como provavelmente eficaz (nível B de evidência); paraxetina e nortriptilina como possivelmente eficaz (nível C); enquanto outros antidepressivos com eficácia comprovada na depressão fora da DP podem ser clinicamente úteis (nível U).
Quanto ao transtorno de ansiedade na DP, não há ensaios clínicos randomizados grandes para avaliar terapias nesse contexto clínico. Foi observada uma associação entre crises de ansiedade com flutuação não-motora especialidade nos períodos em OFF do paciente com DP. Portanto, não há uma recomendação baseada em evidências para o manejo da ansiedade na DP (nível U).
Todos os indivíduos com DP que apresentem sintomas sugestivos de psicose devem receber avaliação médica geral, analisando especialmente potenciais gatilhos como infecção ou polifarmácia. Em casos de drogas antiparkinsonianas, pode ser considerada a redução da dose dessas medicações na seguinte ordem decrescente: anticolinérgicos, amantadina, antagonistas dopaminérgicos, inibidores da MAO-B, inibidores da COMT e, por último, se possível, levodopa. Em casos de introdução de fármaco para controle dos sintomas de psicose, apenas a clozapina (nível B) e pimavanserina (este último atualmente indisponível no Brasil) possuem ensaios clínicos de classe I para corroborar o uso no controle desse sintoma na população com DP. A quetiapina, segundo os estudos publicados, foi considerada como eficácia questionável no controle de psicose na diretriz (nível B) e a olanzapina deve ser evitada por piorar os sintomas motores (nível B).
Transtorno controle do impulso
Transtornos do controle do impulso (TCI) ocorrem em até 20% dos pacientes com DP em algum estágio da doença. As apresentações do TCI incluem: compulsão por jogo, por compras, por alimentos e por sexo.
Ademais, há casos em que pode ocorrer a síndrome de desregulação dopaminérgica (DDS), caracterizada pelo uso excessivo de levodopa. Durante o efeito máximo da mediação, pode ocorrer manifestações hipomaníacas (sensações de euforia, onipotência, grandiosidade) enquanto, no contexto de desmame, pode induzir disforia (tristeza, lentidão psicomotora, fadiga e apatia).
Além disso, há o “punding“, comportamento repetitivo e estereotipado, também observado em pacientes com DP em uso crônico de dopaminérgicos. Esses comportamentos incluem desmontar e remontar objetos, manipular itens sem propósito funcional (como organizar papéis repetidamente ou alinhar moedas) assim como executar tarefas motoras repetitivas por horas, sem controle.
Em 2024, devido à falta de evidências de alta qualidade, um consenso internacional de especialistas propôs uma definição de gravidade e diretrizes de tratamento para os transtornos do controle do impulso e comportamentos relacionados (ICBDs) no contexto da DP. Em casos de TCI, após definir sua gravidade, a recomendação terapêutica realizada seria a redução gradual dos agonistas dopaminérgicos (ou inclusive suspensão) até que os sintomas do transtorno de controle de impulso fossem resolvidos (nível U). Já para os casos de DDS e punding, o tratamento recomendado seria a interrupção das doses de resgate de levodopa e apomorfina, seguida da redução de dose total de levodopa se necessário (nível U).
Distúrbios de sono
Distúrbios do sono são comuns, que incluem: insônia, sonolência diurna excessiva, transtorno do comportamento do sono REM e síndrome das pernas inquietas.
Em estudos que avaliam tratamento de insônia na DP, a rotigotina, trazodona, clonazepam e melatonina demonstraram provável eficácia (nível B); enquanto o uso da L-dopa de liberação prolongada noturna, pramipexol, zopiclona, doxepina, rasagilina e agomelatina não apresentaram evidências suficientes para uso (nível U).
Quanto à sonolência diurna excessiva, a educação sobre higiene do sono continua sendo um pilar fundamental, embora sua eficácia ainda não tenha sido quantificada empiricamente (nível U). O modafinil é possivelmente eficaz no tratamento da sonolência diurna excessiva em pacientes com DP (nível C). Já o metilfenidato e a cafeína permanecem em investigação.
O tratamento envolve higiene do sono, ajuste de medicamentos e uso de fármacos como clonazepam e melatonina para transtorno do sono REM. Modafinil pode ser utilizado para sonolência diurna excessiva.
Estudos sobre tratamento de TCSREM em pacientes com DP evidenciaram possível eficácia no uso de clonazepam e melatonina (nível C).
Há escassez de estudos de síndrome de pernas inquietas (SPI) em pacientes com DP, de forma que não houve recomendação específica na diretriz. Ainda assim, foi orientado que a aplicação do tratamento padrão para SPI possa auxiliar o clínico.
Dor
Dor apresenta frequência de 2-3 vezes maior em pacientes com doença de Parkinson comparada à população da mesma faixa etária sem essa condição. A etiologia da dor pode ser variável, de modo que parte da sua abordagem terapêutica irá envolver a definição da causa da dor.
Entre os estudos realizados nessa área, duloxetina foi considerada provavelmente não eficaz (nível B), rotigotina como possivelmente eficaz (nível C), safinamida como provavelmente eficaz (nível B). Oxicodona foi considerada possivelmente eficaz (nível C), porém há ressalva para cautela no uso em população mais idosa, com necessidade de monitoramento de função hepática e renal além dos efeitos adversos. No momento, há dados insuficientes para suportar o uso de terapias como acupuntura, cannabis, pregabalina e gabapentina (nível U).
Hipotensão postural
A hipotensão postural é uma manifestação autonômica da DP, podendo ocorrer em 30-60% dos casos, sendo associado a quedas, redução de atividade física e síncope.
Para o tratamento da hipotensão ortostática neurogênica (nOH) em pacientes com DP, não há dados suficientes para apoiar ou refutar intervenções não farmacológicas para nOH (nível U). Contudo, é incentivado ingesta hídrica adequado, uso de meias elásticas e atividade física. Considerando as estratégias farmacológicas no controle de nOH, a fludrocortisona é possivelmente eficaz (nível C), a midodrina é clinicamente útil (nível A) e a droxidopa é clinicamente útil no manejo de curto prazo (nível A) – apesar desses últimos dois fármacos não serem disponíveis atualmente no Brasil.
Disfagia e Sialorreia
Disfagia e sialorreia podem estar presentes na DP. Inclusive, essa alteração faríngea pode reduzir a segurança na deglutição, aumentando o risco para pneumonia broncoaspirativa. A sialorreia, por sua vez, ocorre mais pela lentidão do reflexo de deglutição (e não por uma produção excessiva de saliva).
Quanto ao tratamento de disfagia, não há evidências suficientes para terapia de deglutição padrão (nível U), embora a terapia fonoaudiológica seja de grande auxílio para casos leves-moderados. Não há também evidências suficientes para suportar ou refutar terapias como LSVT (Lee Silverman Voice Therapy), DBS (deep brain stimulation) e drogas dopaminérgicas (nível U). Em casos de disfagia grave, a implantação de sonda de gastrostomia deve ser discutida com o paciente, considerando ser um procedimento com potencial de garantir uma nutrição/hidratação adequada e redução no risco de broncoaspiração ainda que não seja isento de complicações.
Quanto ao tratamento da sialorreia em pacientes com DP, não há dados suficientes para apoiar a modificação comportamental e o uso de goma de mascar (nível U); o glicopirrolato oral é eficaz em contexto de curtíssimo prazo (nível A); a administração local de anticolinérgicos é possivelmente útil (nível C) e a Toxina Botulínica (BoNT-A e BoNT-B) é clinicamente útil (nível B). Uma vantagem do tratamento da Toxina Botulínica para controle de sialorreia é a presença de menores efeitos adversos comparada às outras terapias citadas.
Disfunção urinária
Disfunção urinária pode ocorrer em 80% dos casos de doença de Parkinson, sendo mais predominante em homens. Sintomas urinários irritativos são mais prevalentes, geralmente atrelados à contração involuntária do detrusor (bexiga neurogênica), proporcionando urge-incontinência e aumento da frequência urinária.
Os estudos publicados relacionados a esse contexto clínico não apresentam evidências suficientes para suportar o uso de succinato de solifenacina no tratamento de bexiga hiperativa (nível U), enquanto o uso de toxina botulínica intravesical é possivelmente eficaz no tratamento de incontinência urinária (nível C).
Disfunção sexual
A disfunção erétil é sintoma não-motor frequentemente pouco reconhecido na DP, embora possa estar presente em 70% dos casos masculinos e em 50% dos casos femininos. Geralmente a disfunção sexual pode ser mais associada à indivíduos com DP que possuam subtipo clínico atrelado à instabilidade de marcha e de postura.
Em casos masculinos, entre as drogas avaliadas, sildenafila apresenta evidência de ser clinicamente útil (nível A). Para esse gênero, outras opções são possíveis como: injeção intracavernosa de alprostadil (prostaglandina E1), dispositivos de bomba a vácuo e a colocação cirúrgica de prótese peniana.
Em casos femininos, há uma maior dificuldade no manejo. Opções terapêuticas são limitadas, incluindo: lubrificação vaginal, terapia hormonal, micção antes da relação sexual, tratamento da bexiga hiperativa e psicoterapia.
Comentários: diretriz brasileira para tratamento de sintomas não motores na doença de Parkinson
A grande vantagem da publicação dessa diretriz brasileira no manejo de sintomas não motores na DP é fornecer um padrão baseado em evidências científicas, podendo auxiliar o clínico e o neurologista na tomada de decisão.
Por outro lado, as diretrizes, em geral, apresentam limitações. Uma limitação presente nessa diretriz é a ausência de ensaios clínicos robustos de alguns sintomas não-motores da DP, de modo que algumas recomendações foram baseadas em consenso de especialistas e, portanto, reduz a confiabilidade científica. Ademais, as diretrizes fornecem condutas padronizadas que não necessariamente irão contemplar preferências ou características individuais do paciente em questão.
Mensagens práticas
Embora alguns sintomas não motores presentes na doença de Parkinson não apresentem evidências sólidas para seu manejo, a abordagem terapêutica dos sintomas não motores, assim como dos sintomas motores, deve ser sempre individualizada de acordo com o perfil do paciente e de suas necessidades.
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