O transtorno depressivo tem uma elevada prevalência (> 350 milhões de pessoas mundialmente), mas entre um terço e um quarto dos pacientes não respondem a qualquer estratégia antidepressiva e abandonam o tratamento devido a ineficácia e efeitos adversos. Por isso, novas estratégias de potencialização que sejam acessíveis e capazes de aumentar a eficácia do tratamento são necessárias.
Creatina monoidratada
A creatina monoidratada (creatina) é um nutracêutico de baixo custo que pode alcançar o sistema nervoso central. Ela está presente em alimentos como leite, carne e peixe e é sintetizada no fígado e no cérebro, onde é armazenada em altas concentrações e desempenha um papel importante no metabolismo energético. Mudanças das reservas de energia no cérebro, especialmente baixos níveis de creatina têm sido associada tanto a sintomas depressivos quanto à resistência a tratamentos farmacológicos ou comportamentais em animais e humanos. Além disso, a creatina é um agente neuroprotetor e modula neuroreceptores envolvidos na depressão, como serotonina, noradrenalina, dopamina, adenosina e NMDA, além de interagir com antidepressivos. Nesse sentido, supõe-se que a suplementação com creatina possa levar a uma maior resposta às estratégias convencionais de tratamento antidepressivo.
Métodos
O estudo de prova de conceito conduzido por Sherpa e colaboradores investigou a eficácia antidepressiva, a aceitabilidade, a tolerabilidade e a segurança da creatina ao longo de 8 semanas, combinando creatina monohidratada oral com Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), em comparação com placebo e TCC, em uma amostra comunitária de pacientes diagnosticados com depressão.
Este estudo é um estudo piloto de fase 2, randomizado, de braço paralelo, controlado por placebo, duplo-cego, de viabilidade e exploratório. Os critérios de inclusão foram idade entre 18 e 60 anos, diagnóstico por um psicólogo clínico de transtorno depressivo maior/transtorno depressivo recorrente com um episódio depressivo atual conforme definido pela Entrevista Clínica Estruturada do Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais (SCID-5), uma pontuação ≥5 no Questionário de Saúde do Paciente (PHQ)− 9, ausência de transtorno físico ou mental clinicamente significativo além da depressão (pacientes depressão bipolar ou depressão psicótica foram excluídos), ausência de histórico de abuso de álcool ou substâncias, uso de quaisquer drogas psicotrópicas (por exemplo, benzodiazepínicos, antidepressivos, estabilizadores de humor/anticonvulsivantes, antipsicóticos) por pelo menos oito semanas antes da avaliação de triagem.
Os participantes foram randomizados para receber um dos dois tratamentos: 5 g/dia de creatina oral (dose usada em estudos anteriores) + TCC individual quinzenal ou placebo com TCC individual quinzenal. Foram realizadas cinco sessões de 45 minutos (nas semanas 0, 2, 4, 6 e 8) por um psicólogo clínico. O desfecho primário foi a gravidade dos sintomas depressivos (eficácia), medida com o PHQ-9 ao final do estudo. Os desfechos secundários foram a proporção de pacientes que descontinuaram o tratamento devido a qualquer causa (aceitabilidade), a proporção de pacientes que descontinuaram o tratamento devido a eventos adversos (tolerabilidade) e a proporção de pacientes que apresentaram pelo menos um evento adverso (segurança).
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Resultados
100 participantes foram randomizados para o braço creatina + TCC ou para o braço placebo + TCC. Destes, 60 participantes chegaram ao final do estudo. Todos os participantes randomizados foram contabilizados nas análises de intenção de tratar. As características dos participantes foram semelhantes entre os braços do estudo. Na amostra de 100 participantes, 50 foram mulheres, a idade média foi de 30,4 anos (±7,4) e a pontuação média do PHQ-9 foi de 17,6 (±6,3) (condizente com depressão moderada a grave).
As pontuações do PHQ-9 ao final do estudo foram menores para ambos os braços: 5,8 (±4,8) para o braço creatina + TCC (depressão leve) e 11,9 (±6,6) para o braço placebo + TCC (depressão moderada), com doze e cinco participantes, respectivamente, atingindo a remissão (pontuação do PHQ-9 menor que 5). A análise mostrou que os pacientes do braço creatina + TCC tiveram menores pontuações de gravidade dos sintomas depressivos em comparação com aqueles randomizados para o braço placebo + TCC (aMD (diferença das médias ajustadas) = − 5,12, IC 95% = − 7,20 a − 3,52, favorecendo o braço creatina + TCC).
A proporção de participantes que interromperam o tratamento por qualquer razão foi elevada para ambos os braços do estudo (20 por braço) (aOR (razão de chances ajustada) = 0,96, IC95% = 0,31 a 2,22); destes, nove e oito foram devido a efeitos adversos no braço creatina + TCC e no braço placebo + TCC, respectivamente (aOR = 0,81, IC95% = 0,27 a 2,42). 30 participantes randomizados para o grupo creatina + TCC apresentaram pelo menos um efeito adverso, em comparação com 34 no grupo placebo + TCC. A segurança do tratamento foi comparável (aOR = 1,83; IC95% 0,77 a 4,35). Não foram observados episódios de automutilação, ideação suicida ou viradas maníacas.
Discussão
O presente estudo mostrou que o tratamento de 8 semanas com creatina oral + TCC em comparação com placebo com TCC foi igualmente aceitável, tolerável e seguro, além de associado a uma maior redução dos sintomas depressivos. Não houve diferença de aceitabilidade e tolerabilidade entre os grupos creatina e placebo. Em contraste com vários estudos pré-clínicos e clínicos, o sexo não pareceu modificar a eficácia da potencialização com creatina nesse estudo. Devido às altas taxas de abandono, no entanto, os achados deste estudo devem ser interpretados com cautela, e nenhuma recomendação clínica pode ser feita.
Diferentemente de todos os ensaios anteriores que investigaram a creatina como um adjuvante para medicamentos antidepressivos, esse trabalho utilizou uma intervenção psicológica como comparador comum. O fundamento fisiológico para o suposto efeito de potencialização da creatina aos medicamentos antidepressivos foi investigado em estudos pré-clínicos que ressaltaram interações com sistemas monoaminérgicos envolvidos na depressão. Nesse sentido, a descoberta de que a creatina pode aumentar o efeito da TCC é nova e seu mecanismo fisiológico desconhecido. É possível que a creatina tenha uma atividade antidepressiva direta, como sugerido por dados experimentais ou um efeito protetor pela redução do risco de depressão.
Conforme estudos anteriores, as queixas gastrointestinais e musculares foram mais frequentes no grupo creatina + TCC e tornaram-se menos comuns ao longo do uso, à medida que a tolerância aumentava. Nenhum evento adverso grave, como episódios maníacos, ocorreu durante este estudo. No entanto, ECRs anteriores relataram viradas maníacas em alguns pacientes com transtorno bipolar. Como esse estudo excluiu pessoas com histórico de mania, nenhuma conclusão adicional pode ser feita sobre a segurança do uso de creatina em pessoas com depressão bipolar.
Considerações e mensagem prática
É necessário interpretar todos os achados como preliminares e geradores de hipóteses. Nesse sentido, eles não devem informar decisões clínicas;
A população do estudo foi consideravelmente jovem, etnicamente homogênea e com alta escolaridade (aproximadamente 15 anos de educação);
Os pacientes possuíam um amplo espectro de gravidade do episódio depressivo;
A quantidade de dados ausentes dos participantes que abandonaram o estudo pode limitar sua validade interna. A elevada taxa de abandono, ainda que igualmente distribuídas entre os grupos pode ter causado viés de atrito.
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