Logotipo Afya
Anúncio
Neurologia11 março 2023

Anticorpos monoclonais para migrânea

Sabe-se que em torno de 40-50% da população com migrânea apresenta resposta ineficaz de terapias profiláticas orais convencionais.

Por Danielle Calil

Migrânea é a sétima causa de incapacidade no mundo e a segunda quando se trata de população abaixo de 50 anos. Geralmente, esses casos são relacionados à migrânea crônica, que é definida como presença de pelo menos 15 dias de cefaleia ao mês por pelo menos 3 meses. 

Diante dessa prevalência e do impacto socioeconômico associado a essa condição, estudos que incentivem o seu tratamento são necessários. Sabe-se que em torno de 40-50% da população com migrânea apresenta resposta ineficaz de terapias profiláticas orais convencionais, seja pela má tolerância de efeitos adversos ou seja pela latência prolongada para atingir o efeito clínico. Em decorrência disso, há dados revelando que 50% dos pacientes com migrânea crônica abandonam o tratamento após 2 meses e 80% após um ano. 

Atualmente, há a toxina botulínica como forma de tratamento para migrânea crônica, contudo essa opção é cara, invasiva e com necessidade de reaplicação a cada 3 meses. No momento, há como opção os anticorpos monoclonais com foco no peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP mAbs), considerados as primeiras drogas preventivas com alvo específico para migrânea — visto que as outras opções terapêuticas para essa condição são, geralmente, originadas como drogas de outras doenças.  

A revista Practical Neurology publicou, recentemente, revisão sobre essa nova classe de drogas, ressaltando os mecanismos de ação, indicações, contraindicações e medidas de cautela. 

Leia também: Anticorpos monoclonais para doença de Alzheimer, já estamos lá?

anticorpos monoclonais

Mecanismo de ação 

O peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP) está envolvido na fisiopatologia da migrânea que possui receptores encontrados no sistema trigeminovascular. Geralmente, é um neuropolipeptídeo com aumento de suas concentrações durante os episódios migranosos. Os anticorpos monoclonais de CGRP agem bloqueando a atividade do referido peptídeo. 

Opções terapêuticas e suas evidências científicas 

Atualmente, há quatro anticorpos monoclonais de CGRP aprovados para tratamento preventivo de migrânea episódica e de migrânea crônica: fremanezumab, galcanezumab, erenumab e eptinezumab.  

Todos são licenciados para uso nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil.  

Galcanezumab: droga de via subcutânea com dose de ataque de 240mg seguido por manutenção de 120mg mensal. 

Fremanezumab: droga de via subcutânea com dose de 225mg mensal ou 675mg a cada 3 meses. 

Erenumab: droga de via subcutânea com intervalo mensal apresentando doses de 70mg ou 140mg. A dosagem de 140mg demonstrou melhor eficácia e sem efeitos adversos significativos — sendo, assim, a mais prescrita na prática clínica. 

Eptinezumab: droga de via intravenosa com infusões realizadas a cada quatro meses. 

Todos os ensaios clínicos das drogas citadas acima apresentaram benefício estatisticamente significativo na prevenção de migrânea com taxa de resposta em torno de 50% na redução de dor.  

Quando indicar e quais recomendações na prática clínica? 

Segundo a British Association for the Study of Headaches, a indicação dessa classe de drogas na prática clínica deve seguir os seguintes critérios: 

Persistência de cefaleia — seja migrânea episódica ou crônica — apesar da tentativa com duas classes de terapias preventivas. 

Embora essas drogas sejam efetivas em contexto de cefaleia por abuso de analgésicos, há a recomendação de tentar a detoxificação desses medicamentos, sempre que possível, antes da prescrição dos anticorpos monoclonais (em virtude da possível remissão de cefaleia apenas com desprescrição de analgésicos).  

A eficácia da droga deve ser revisada a cada três meses e o tratamento deve ser apenas continuado se houver resposta significativa. 

Após tratamento bem-sucedido entre 6 e 18 meses, os clínicos devem considerar a pausa dele (em torno de 3 meses) e o retorno da droga naqueles que recorrerem com cefaleia. 

Se houver falha de um anticorpo monoclonal de CGRP, é razoável a opção de trocar por outra droga dessa mesma classe. 

De acordo com o consenso da Sociedade Brasileira de Cefaleia para terapia profilática em migrânea episódica, publicado em 2022, as drogas galcanezumab, fremanezumab e erenumab possuem recomendação nível A enquanto eptinezumab foi considerada como nível B. 

Contraindicações e perfis de segurança e de tolerabilidade 

Os estudos, em geral, têm indicado um bom perfil securitário e de tolerabilidade dessas quatro drogas. Os ensaios clínicos, realizados nesse grupo, não demonstraram nenhuma preocupação grave em termos de segurança — embora dados de longo prazo sejam limitados, há apenas um estudo com follow-up de cinco anos. 

Uma informação interessante é que esses anticorpos monoclonais não apresentam consequências imunológicas como aumento no risco de infecções oportunistas. Esse fato se deve a estrutura do anticorpo que apresenta alteração molecular na região Fc gamma através de glicosilação ou adição de aminoácidos. 

Há ainda cautela quanto à segurança cardiovascular dessa classe de medicamentos. Sabe-se que o CGRP é potente vasodilatador, sendo que há evidências em modelos animais que seus antagonistas podem piorar a isquemia cerebral. É difícil avaliar se há algum risco cardiovascular relacionado a anticorpos monoclonais de CGRP, em vista dos pacientes com alto risco vascular terem sido excluídos dos ensaios clínicos. 

Além desses efeitos vasculares, opeptídeo relacionado ao gene da calcitoninaexerce funções que facilitam a cicatrização e previnem processos de apoptose, de forma que os anticorpos monoclonais de CGRP não devem ser provavelmente usados em pacientes com comorbidades como doença inflamatória intestinal, DPOC, hipertensão pulmonar ou transplantados. 

Quanto ao perfil de segurança dos anticorpos monoclonais na gravidez, há referências indicando que o erenumab atravessa a placenta e o CGRP tem papel importante na regulação da circulação uteroplacentária. Apesar dessa revelação, alguns estudos primários com erenumab durante a gestação não evidenciaram efeito colateral em feto ou alteração no desenvolvimento do recém-nascido, não havendo, portanto, dados robustos sobre risco em nascituros ou neonatos com prescrição dessa classe. No consenso da Sociedade Brasileira de Cefaleia, o erenumab e galcanezumab são considerados como categoria B para amamentação, enquanto não há informações relacionadas ao fremanezumab e ao eptinezumab. 

Veja mais:  Manejo de cefaleias trigeminoautonômicas: uma revisão

Mensagens práticas 

Os antagonistas de CGRP provaram-se benéficos para prevenção de migrânea a partir de grandes ensaios clínicos randomizados. 

As quatro drogas (galcanezumab, fremanezumab, erenumab e eptinezumab) são licenciados pela ANVISA. Todas são consideradas nível de recomendação A pela Sociedade Brasileira de Cefaleia, exceto o eptinezumab que está como nível B. 

A tolerabilidade em geral é boa, apesar de ainda não termos dados de segurança suficientes quanto ao risco cardiovascular e gestação. 

Anúncio

Assine nossa newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Ao assinar a newsletter, você está de acordo com a Política de Privacidade.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Referências bibliográficas

Compartilhar artigo