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Clínica Médica5 agosto 2021

Migrânea: como identificar e tratar?

Resumo de um artigo recém-publicado na revista científica Nature sobre o diagnóstico e o manejo da enxaqueca (migrânea) em 10 passos.

Por Juliana Avelar

Hoje vamos resumir pra vocês um artigo recém-publicado na Nature sobre o diagnóstico e o manejo da enxaqueca (migrânea) em 10 passos.

A enxaqueca tem uma prevalência em um ano estimada em 15% da população geral e causa, sozinha, mais incapacidade do que todos os outros distúrbios neurológicos juntos. Sendo assim, o assunto é muito relevante para o nosso dia a dia!

Leia também: Uso de mindfulness no tratamento da migrânea

Migrânea como identificar e tratar

Passo 1: quando suspeitar de enxaqueca

Para começar, os autores fazem a seguinte subdivisão:

  1. Enxaqueca sem aura: caracterizada por ataques recorrentes de cefaleia que duram entre 4-72 horas. Tipicamente, a dor é unilateral, pulsátil, de intensidade moderada a severa e que se agrava com atividade física. Dor bilateral é relatada em até 40% dos casos.
    Sintomas comumente associados: Fotofobia, fonofobia, náuseas e vômitos. Antes da dor, pode haver humor deprimido, fadiga, bocejo e desejo por comidas específicas. Depois da dor, sintomas como cansaço, dificuldade de concentração e rigidez do pescoço podem persistir por até 48 horas.
  2. Enxaqueca com aura: corresponde a aproximadamente um terço dos casos. Vale lembrar que aura é definida como um sintoma focal neurológico temporário que normalmente precede, às vezes acompanha, a crise de cefaleia. A aura mais comum é a visual. Outras menos comuns são: afasia, disartria, vertigem, fraqueza motora. Um mesmo indivíduo pode apresentar enxaqueca com e sem aura.
  3. Enxaqueca crônica: definida como mais de 15 dias/mês de cefaleia por mais de 3 meses. Além disso, deve preencher os critérios ICHD-3** em > 8 dias no mês.

Vale destacar que a enxaqueca tem um importante componente genético e a sua prevalência é maior em indivíduos que possuem familiares de primeiro grau acometidos pela doença.

Passo 2: como fazer o diagnóstico de enxaqueca

A principal ferramenta para o diagnóstico é a anamnese juntamente com a aplicação dos critérios previstos no ICHD-3. Nenhum exame de imagem é necessário.

Na anamnese, os seguintes dados não podem faltar: idade de início da cefaleia, duração dos episódios, frequência, características da dor, sintomas concomitantes, aura e histórico de tratamento abortivo/preventivo.

Depois de coletados os dados, devemos aplicar os critérios ICHD-3. Esses critérios são mais específicos do que sensíveis, podendo algum diagnóstico ficar como provável e ser confirmado durante posterior acompanhamento médico. Solicitar ao paciente que faço um calendário de cefaleia pode ser uma ferramenta para auxílio no diagnóstico.

Diagnósticos diferenciais

A cefaleia do tipo tensional é um outro distúrbio de cefaleias paroxísticas muito prevalente na população em geral. Essa cefaleia não tem sintomas associados e é normalmente bilateral, de intensidade média a moderada, em pressão e que não se agrava com atividade física.

A cefaleia em salvas acomete apenas 0,1% da população e é caracterizada por ataques recorrentes e curtos (15-180 minutos) de cefaleia unilateral severa ou muito severa. É acompanhada por congestão nasal e lacrimejamento unilaterais ao lado da dor.

A cefaleia por abuso de analgésicos é um importante diagnostico diferencial da enxaqueca crônica e frequentemente os dois diagnósticos coexistem.

Devemos lembrar dos red flags da cefaleia e da necessidade de seguir investigação com neuroimagem/laboratório/punção lombar caso eles apareceram. São eles: cefaleia “thunderclap” (pior da vida), início com > 50 anos, aura atípica, perda de peso, cefaleia ao tossir/espirrar, febre inexplicada, história de trauma recente, perda de memória e sintomas neurológicos focais.

Passo 3: educação do paciente

É fundamental — a fim de evitar conflitos e expectativas irreais — que o paciente seja informado que o tratamento tem como objetivo reduzir a frequência das crises, sua duração e/ou a intensidade da dor, mas que não é possível extinguir a doença.

Além disso, para melhorar a adesão ao tratamento, o paciente deve ser informado sobre a doença, os princípios do tratamento, o uso correto das medicações, dos possíveis efeitos colaterais e dos riscos do abuso de analgésicos.

Fatores predisponentes e gatilhos

Ao contrário do que se pensa, os fatores predisponentes e gatilhos têm importância limitada na enxaqueca. Uma importante exceção é a menstruação; algumas mulheres têm crises frequentemente ou até exclusivamente relacionadas ao período menstrual.

Passo 4: tratamento agudo

Primeira linha: são os AINEs (AAS, ibuprofeno, diclofenato de potássio). Paracetamol para os intolerantes aos AINEs.

Segunda linha: se os medicamentos de primeira linha não oferecerem alívio, os triptanos devem ser oferecidos. Os triptanos são mais efetivos quando tomados no início da crise, enquanto a cefaleia é ainda moderada. Se todos os triptanos falharem ou houver vômito intenso, sumatriptano por via subcutânea pode ser usado.

Terceira linha: se todos os triptanos falharem, ditans ou gepants podem ser usados, mas sua disponibilidade é muito limitada.

Medicações adjuvantes: se houver náusea ou vômito, domperidona e metoclopramida podem ser eficazes.

Medicações que devem ser evitadas: Alcaloides derivados do ergot são pouco efetivos e potencialmente tóxicos. A eficácia de barbitúricos e opioides é questionável e ambos podem causar dependência.

Passo 5: tratamento preventivo

A terapia preventiva deve ser indicada quando o tratamento agudo não é suficiente para melhorar a qualidade de vida do paciente, ou seja, quando o paciente mantiver crises em 2 ou mais dias/mês apesar do tratamento agudo otimizado. Vale destacar que apenas após semanas ou meses o tratamento profilático passa a ser eficaz.

Primeira linha: betabloqueadores (atenolol, bisoprolol, metoprolol ou propranolol), topiramato e candesertana.

Segunda linha: flunarizina, amitriptilina, valproato de sódio.

Terceira linha: anticorpotos erenumab, fremanezumab, galcanezumab e eptinezumab.

Terapias não farmacológicas: Dispositivos neuromodulatórios e acupuntura. Não há recomendação em relação a melatonina, riboflavina e magnésio.

Passo 6: manejo em populações especiais

Idosos

Enxaqueca frequentemente remite nos idosos; nessa faixa estaria, aumenta a incidência de cefaleias secundárias. Início de aparente enxaqueca em indivíduos com mais de 50 anos deve levantar suspeita a respeito de uma causa subjacente.

Se a enxaqueca começou mais cedo e persistiu até a velhice, o manejo continua o mesmo. A ressalva é em relação aos triptanos, que normalmente são contraindicados, já que os idosos têm maior chance de possuírem doença cardiovascular.

Crianças e adolescentes

A enxaqueca é comum nas crianças e a prevalência aumenta ainda na adolescência. As crises costumam ser mais curtas, a dor bilateral e os sintomas gastrointestinais são frequentes.

Grávidas e lactantes

Normalmente a enxaqueca remite durante a gestação. Se for necessário manter o tratamento, a primeira escolha deve ser o paracetamol. AINEs só podem ser usados no segundo trimestre da gestação. Deve-se evitar qualquer tipo de tratamento preventivo, mas em caso de crises frequentes e incapacitantes, a escolha deve ser o propranolol, sob intensa vigilância do bem estar fetal. Como segunda opção, fica a amitriptilina.

No pós-parto, o paracetamol também é a escolha, mas AINES e triptanos podem ser usados se necessário.

Enxaqueca no período menstrual

Oito por cento das mulheres com enxaqueca têm crise apenas durante o período menstrual. Nesses casos, o uso de AINES ou triptanos por 5 dias no mês (começando 2 dias antes do primeiro dia da menstruação) pode ser considerado. Na enxaqueca sem aura, o uso contínuo de anticoncepcionais também é uma opção.

Vale lembrar que se enxaqueca com aura, os anticoncepcionais são contraindicados, já que aumentam o risco de AVC.

Passo 7: follow-up, resposta ao tratamento e falha

A resposta ao tratamento deve ser avaliada após 2-3 meses e depois de forma regular, a cada 6-12 meses. Deve-se avaliar sempre a efetividade do tratamento (frequência das crises, severidade e incapacidade), a adesão e os efeitos adversos. Se o tratamento não estiver sendo efetivo, lembre de rever o diagnóstico, a dose das medicações e a adesão. Se todos os tratamentos falharem, considere o encaminhamento para um especialista.

Passo 8: manejo das complicações

Cefaleia por abuso de analgésicos: Trata-se da cefaleia em mais de 15 dias/mês a qual ocorre em indivíduos que, por mais de 3 meses, tomam regularmente analgésicos para tratar algum tipo de cefaleia. Para resolver esse tipo de cefaleia, deve-se interromper completamente o uso de analgésicos, de preferência de forma abrupta. O paciente deve ser orientado que antes da melhora, é comum a piora da cefaleia após a cessação do uso de analgésicos.

Transformação para enxaqueca crônica

Até 3% dos pacientes com enxaqueca eventual evoluem para enxaqueca crônica no período de um ano. Os fatores de risco para essa transformação são: sexo feminino, alta frequência de crises, tratamento inadequado, abuso de analgésicos, depressão, ansiedade e obesidade.

A enxaqueca crônica é de difícil manejo e frequentemente requer acompanhamento de um especialista. Depois de afastado o diagnóstico de cefaleia por abuso de analgésicos, deve-se iniciar medicação preventiva. Existem evidências para o uso de topiramato (primeira escolha), toxina botulínica e anticorpos monoclonais CGRP.

Saiba mais: Migrânea com aura: lamotrigina pode ser uma alternativa eficaz na profilaxia?

Passo 9: reconhecer e tratar comorbidades

A enxaqueca frequentemente está associada com depressão, ansiedade, distúrbios do sono e dor crônica. Essas comorbidades devem ser conhecidas porque afetam diretamente a escolha da droga no tratamento da enxaqueca. Por exemplo, em indivíduos obesos, o topiramato pode ser uma boa opção; nos que têm depressão, a escolha recai sobre a amitriptlina, etc.

Passo 10: follow-up de longo prazo

Quando o paciente alcançar 6 meses de terapia preventiva com sucesso, ele deve ser encaminhado para a atenção primária, onde seguirá seu acompanhamento. O manejo a longo prazo deve ser responsabilidade da atenção primária, visando à manutenção do controle da doença.  Se houver qualquer mudança ou agravamento do quadro, o paciente deve ser novamente encaminhado ao especialista.

Referências bibliográficas:

  • Eigenbrodt AK, et al. Diagnosis and management of migraine in ten steps. Nature Reviews Neurology. 2021;17:501–514. doi: 10.1038/s41582-021-00509-5
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