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Neurologia3 fevereiro 2023

Manejo de cefaleias trigeminoautonômicas: uma revisão

Publicação traz uma revisão sobre o manejo das cefaleias trigeminoautonômicas com base em estudos publicados nos últimos 20 anos.

Por Danielle Calil

As cefaleias trigeminoautonômicas formam um grupo primário de cefaleias caracterizado por dor unilateral, localizada em área de distribuição do primeiro ramo do nervo trigêmeo, com intensidade moderada-grave, acompanhada por sinais autonômicos cranianos.

Esse grupo de doenças apresenta prevalência rara. Dessa forma, grande parte das evidências sobre tratamentos dessa condição são baseadas em estudos observacionais. Uma ressalva é para a cefaleia em salvas, cefaleia mais comum pertencente a esse grupo, que possui algumas evidências a partir de ensaios clínicos randomizados.

Leia também: Cefaleia tensional: como definir, classificar e tratar

Manejo de cefaleias trigeminoautonômicas: uma revisão

Métodos da análise recente

A pesquisa foi realizada através da plataforma PubMed entre 2000 e 2022 a partir dos termos “cefaleia em salvas”, “hemicrania paroxistica”, “hemicrania contínua”, “SUNCT” e “SUNA”. Para avaliação de tratamento e manejo, foram considerados artigos cujos resultados apresentavam pelo menos 10 pacientes.

1. Cefaleia em salvas crônica

A cefaleia em salvas apresenta 2 formas: episódica e crônica. Em geral, é cefaleia unilateral em região temporal ou periorbitária, com elevada intensidade de dor e presença de sintomas autonômicos. Geralmente, cada episódio de dor tem duração entre 15 e 180 minutos. Para considerar a forma crônica, os ataques de cefaleia devem ultrapassar o período de 1 ano sem remissão ou com período de remissão que dura menos de 1 mês.

O manejo de cefaleia em salvas é dicotomizado em tratamento abortivo e profilático. Grande parte das recomendações dessas terapias são realizadas a partir de estudos observacionais.

→ Terapia abortiva

A terapia abortiva mais efetiva para essa forma de cefaleia é a suplementação de oxigênio, sendo que esta indicação foi avaliada a partir de ensaio clínico controlado com placebo.

Como a duração da cefaleia em salvas no geral é curta, entre 15 e 180 minutos, medicamentos via oral não são recomendados, pois costumam demorar para iniciarem seu efeito. Logo, drogas como sumatriptano via nasal ou subcutânea e zolmitriptano via nasal possuem evidências científicas com efetividade para essa condição.

→ Terapia profilática

Todos os pacientes com cefaleia em salvas crônica devem receber tratamento preventivo. Para essa forma de cefaleia em salvas, as evidências são provenientes de relatos de caso e estudos não cegos, enquanto na forma episódica da doença há alguns estudos com ensaios clínicos randomizados.

Uma metanálise de 2 estudos não cegos que avaliaram o uso de verapamil demonstrou que 87% dos pacientes apresentaram resolução completa dos episódios de cefaleia ou redução acima de 50% na frequência desses eventos. Outra metanálise de 3 estudos não cegos avaliou um total de 103 pacientes que usaram lítio com efetividade na remissão da cefaleia ou alívio acima de 50% da frequência de eventos em 77% dos pacientes — nesse estudo, foi orientado monitoramento da dosagem sérica da droga a fim de evitar toxicidade. Outras drogas como topiramato e gabapentina não conseguiram demonstrar efetividade para a forma crônica de cefaleia em salvas sendo uma possível justificativa os estudos serem pequenos.

Os peptídeos relacionados ao gene da calcitonina (CGRP) exercem importante papel na fisiopatologia da cefaleia em salvas. Galcanezumab, anticorpo monoclonal com alvo na CGRP, foi estudado para cefaleia em salvas episódica e crônica. Essa droga, após ensaios clínicos, é aprovada para prevenção de cefaleia em salvas episódica nos Estados Unidos. Contudo, essa droga, a partir de análise de subgrupo de pacientes com cefaleia em salvas na forma crônica, não demonstrou superioridade desse fármaco em relação ao placebo.

→ Neuroestimulação

Nos casos em que a terapia farmacológica não é efetiva para controle de dor nessa população, métodos de neuroestimulação podem ser considerados. Um procedimento que tem demonstrado boa efetividade é a estimulação bilateral do nervo occipital, em que eletrodos de estimulação são dispostos em área subcutânea na topografia dos nervos occipitais. O ensaio clínico ICON, que se propôs a avaliar esse método na prevenção de cefaleia em salvas, incluiu 131 pacientes com a forma crônica em que 65 recebeu intensidade de estímulo de 100% e o remanescente com estímulo de 30%. Foi observado que houve uma redução de 15,75 eventos semanais de dor para 7,38 (valor p = 0,001) entre a 21ª e a 24ª semana.

2. Hemicrania paroxística

A hemicrania paroxística é caracterizada por episódios breves de cefaleia e dor facial unilateral, com duração entre 2 a 30 minutos, apresentando sinais autonômicos. A frequência variando entre 5 e 40 ataques ao dia (embora a média fique em torno de 10 ataques ao dia). Um dos grandes marcos clínicos nessa condição é uma eficácia completa com uso de indometacina regular. Pode apresentar 2 subtipos: episódico e crônico.

Os ataques de hemicrania são muito curtos para uma terapia abortiva efetiva. Assim, a terapia profilática é recomendada com indometacina, sendo iniciada com prescrição de comprimido de 25 mg 3 vezes ao dia podendo ser aumentado progressivamente até 150 mg/dia. Para grande parte dos pacientes a dose de manutenção fica entre 25 e 100 mg.

A hemicrania paroxística usualmente retorna em contexto de horas ou dias no caso de suspensão de profilático — em vista de alguns pacientes não conseguirem tolerar uso prolongado devido à intolerância gastrointestinal — a despeito de uso de inibidor de bomba de prótons. No caso de intolerância à indometacina, há relatos de caso de eficácia com outras drogas como topiramato, verapamil e carbamazepina.

Ouça mais: Cefaleia Pós-raqui: características [podcast]

3. Hemicrania contínua

Cefaleia com duração mais contínua com períodos superimpostos de exacerbação de intensidade moderada-grave. Importante característica diagnóstica é a resposta completa, embora transitória, com doses terapêuticas de indometacina.

Foi observado que a hemicrania contínua não necessariamente responde de forma imediata à terapia. Em uma série de casos, foi observado que 10% dos pacientes apresentaram resposta em 24 horas, enquanto 43% dos pacientes apresentou resposta dentro de 1 semana e outros pacientes necessitaram de 4 semanas.

Em pacientes que não apresentaram tolerância à indometacina, topiramato apresentou uma associação como agente poupador dessa droga. A melatonina (6-9 mg/dia) demonstrou ser efetiva para poucos pacientes, em combinação com indometacina.

Além disso, bloqueios de nervo podem ser efetivos com relatos de benefício com duração entre 2 e 10 meses. Bloqueio de nervo occipital maior ou supraorbital podem ser considerados.

4. SUNCT/SUNA

Cefaleia unilateral com intensidade moderada-grave e sintomas autonômicos como lacrimejamento, injeção conjuntival, rinorreia, congestão nasal, ptose e edema palpebral. Duração entre 1 e 600 segundos. A frequência pode variar entre 1 e 100 ataques ao dia, variando muito conforme paciente. Essas cefaleias podem ser desencadeadas por estímulo cutânea ou intraoral — muitas vezes sendo difícil distinguir esse diagnóstico de neuralgia do trigêmeo.

Há 2 subtipos: SUNCT e SUNA. Enquanto a SUNCT é caracterizada por apresentar injeção conjuntival e lacrimejamento, na SUNA apenas 1 desses 2 sintomas autonômicos está presente. 60% dos pacientes com essas cefaleias apresentam períodos livres de dor que varia entre semanas e meses, enquanto os outros 40% possuem a forma crônica.

Em vista que os ataques de SUNCT e SUNA são de duração curtíssima, terapia abortiva não é útil. A terapia profilática é considerada para curto e longo prazo.

Em terapia profilática de curto prazo, houve um estudo que demonstrou efeito terapêutico com lidocaína intravenosa em período de 12 semanas. Para terapias profiláticas de longo prazo, essa revisão da JAMA conseguiu embasamento apenas a partir de estudos observacionais. Foram avaliados benefício com drogas como lamotrigina (eficácia de 62%) e topiramato (eficácia de 48%) em estudos não cegos. Outros tratamentos com resultado positivo reportados foram a partir de drogas como gabapentina, carbamazepina, oxcarbamazepina, duloxetina e zonisamida. Na prática clínica, a combinação de medicamentos profiláticos pode ser necessária.

Em casos de intolerância ou refratariedade à terapia farmacológica, procedimentos com neuromodulação podem ser considerados. Em estudo com radiofrequência pulsada em gânglio esfenopalatino, 7 entre 9 pacientes apresentaram resposta. Em série de casos com 11 pacientes tratados a partir de estimulação cerebral profunda em área tegmental ventral, 82% apresentaram melhora pelo menos de 50% na frequência diária de dor. Em casos de compressão microvascular de nervo trigêmeo demonstrados através de angioressonância de crânio, cirurgia para descompressão pode também ser considerada com base em estudo não cego com 47 pacientes entre 2002 e 2020.

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Referências bibliográficas

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