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Ginecologia e Obstetrícia2 julho 2025

FMF World Congress 2025: Colestase gestacional em paciente em uso de azatioprina 

Apresentação durante o 22º World Congress in Fetal Medicine mostrou caso de colestase intra-hepática gestacional (CIG) em paciente com doença inflamatória intestinal (DII)
Por Ênio Luis Damaso

Durante o 22º World Congress in Fetal Medicine, realizado entre os dias 29 de junho e 3 de julho de 2025 em Praga, na República Tcheca, especialistas compartilharam experiências e casos clínicos envolvendo medicina materno-fetal. Um dos destaques foi a apresentação da Dra. Kate Willes, do Reino Unido, que discutiu um caso de colestase intra-hepática gestacional (CIG) em paciente com doença inflamatória intestinal (DII). 

Colestase gestacional em paciente em uso de azatioprina

O caso envolvia uma secundigesta de 33 semanas, portadora de retocolite ulcerativa em uso de azatioprina, um imunossupressor da classe das tiopurinas, frequentemente utilizado para manter a remissão de doenças autoimunes intestinais durante a gestação. A paciente apresentou prurido intenso, acompanhado de elevação de enzimas hepáticas e ácidos biliares, sendo diagnosticada com CIG, condição que eleva o risco de prematuridade,  sofrimento fetal e óbito intrauterino. 

Apesar do quadro clínico, optou-se por não iniciar o tratamento com ácido ursodesoxicólico (ursodeoxycholic acid), medicação utilizada para alívio dos sintomas e possível redução de complicações fetais na GIG. A gestante evoluiu com trabalho de parto pré-termo, e o recém-nascido desenvolveu paralisia cerebral, o que motivou ampla discussão sobre a conduta adotada. 

FMF World Congress 2025: Alterações do Sistema Nervoso Fetal e Neurossonografia

Durante a apresentação, Dra. Willes revisou evidências recentes sobre o uso do ácido ursodesoxicólico. Um dos estudos citados foi uma meta-análise com dados individuais de mais de 6900 mulheres, publicada no Lancet Gastroenterology & Hepatology, que mostrou nenhuma redução significativa no risco isolado de óbito fetal com o uso da medicação. No entanto, quando a análise foi restrita a ensaios clínicos randomizados, observou-se uma redução estatisticamente significativa no desfecho combinado de óbito fetal e parto prematuro (aOR 0,60; IC 95%: 0,39–0,91; p=0,016), reforçando o possível benefício clínico do tratamento antenatal com ursodesoxicólico, especialmente em casos mais graves ou com alto risco fetal. 

Além disso, foram discutidos dados que sugerem uma associação entre a exposição antenatal às tiopurinas e o aumento do risco de CIG. Um estudo francês descreveu casos de colestase precoce e grave em gestantes com DII tratadas com azatioprina, com rápida resolução após a suspensão da medicação. Já um estudo retrospectivo de coorte identificou uma incidência significativamente maior de CIG entre pacientes com DII expostas a tiopurinas, comparadas a não expostas e a controles da população geral (9,0% vs 1,8% e 1,3%, respectivamente). 

Mais recentemente, um estudo prospectivo multicêntrico publicado em 2024 forneceu novos insights sobre o mecanismo metabólico por trás dessa associação. O estudo demonstrou que, durante a gestação, há um fenômeno conhecido como “shunting metabólico das tiopurinas”, caracterizado por um aumento na razão entre 6-metilmercaptopurina (6-MMP) e 6-tioguanina (6-TGN). Esse desequilíbrio metabólico, observado em cerca de 25% das gestantes expostas, foi associado a maior risco de colestase intra-hepática, especialmente após aumentos de dose ou no terceiro trimestre. 

Em suma, podemos agrupar algumas orientações clínicas baseadas nos achados mais recentes e na discussão do caso: 

  • Em pacientes com DII em uso de tiopurinas que desenvolvem colestase gestacional, considerar a avaliação dos metabólitos (MMP/TGN), quando disponível; 
  • Estratégias como o fracionamento da dose da tiopurina (split dosing) durante o segundo trimestre demonstraram ser eficazes para reduzir o shunting metabólico e potencialmente mitigar o risco de colestase; 
  • A decisão de manter ou suspender a tiopurina deve ser individualizada, com discussão multidisciplinar entre obstetras, gastroenterologistas e hepatologistas, ponderando os riscos de descompensação da DII materna e os riscos hepáticos e fetais; 
  • Uso do ácido ursodesoxicólico segue como uma opção a ser considerada, especialmente em casos com elevação significativa de ácidos biliares ou histórico de desfechos adversos. 

FMF World Congress 2025: Terapia de reposição enzimática intraútero

Autoria

Foto de Ênio Luis Damaso

Ênio Luis Damaso

Doutor em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) ⦁ Professor no Curso de Medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP) ⦁ Professor no Curso de Medicina da Universidade Nove de Julho de Bauru (UNINOVE).

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