No primeiro dia do 22º World Congress in Fetal Medicine, realizado em Praga entre os dias 29 de junho e 3 de julho, uma palestra que despertou grande interesse da comunidade científica internacional. O perinatologista Dr. Ákos Herzeg apresentou o tema “In utero replacement therapy for lysosomal diseases“, abordando os avanços mais recentes em terapia de reposição enzimática fetal para doenças de depósito lisossômico (LSDs).
As LSDs são um grupo de doenças genéticas monogênicas raras, caracterizadas por deficiência ou mal funcionamento de enzimas lisossômicas. Isso leva ao acúmulo de substratos não degradados nos lisossomos, com consequente dano celular progressivo, disfunção orgânica e manifestações clínicas graves, frequentemente fatais.
Embora a terapia de reposição enzimática pós-natal (ERT) seja o tratamento padrão para muitas LSDs, ela possui limitações importantes: não atravessa a barreira hematoencefálica, não alcança tecidos como ossos e córnea, pode induzir respostas imunológicas com anticorpos neutralizantes e, sobretudo, não reverte os danos já iniciados no período fetal.
Terapia de reposição enzimática intraútero
A terapia de reposição enzimática intraútero (IUERT) surge como uma estratégia inovadora para superar essas barreiras. Segundo Herzeg, a administração de enzimas ainda na vida fetal permite o acesso ao SNC antes da formação da barreira hematoencefálica e pode induzir tolerância imunológica devido à imaturidade do sistema imune fetal. Além disso, a intervenção precoce pode evitar o surgimento de patologias irreversíveis, permitir melhor penetração nos tecidos afetados, doses menores e maior relação fármaco-alvo.
No campo do diagnóstico, Herzeg destacou que a identificação pré-natal das LSDs é possível por análise genética ou enzimática de vilosidades coriônicas ou líquido amniótico. A detecção precoce é essencial para viabilizar a terapia fetal, pois os melhores resultados são obtidos quando a intervenção é iniciada antes da instalação de danos irirreversíveis.
Estudos recentes
Durante o painel, Herzeg também destacou o inovador PEARL Trial (PrEnAtal Enzyme Replacement Therapy for Lysosomal Storage Disorders) — o primeiro ensaio clínico de fase 1 em humanos que avalia a aplicação da IUERT em fetos com doenças lisossômicas.
Esse estudo, com financiamento da Universidade da Califórnia (UCSF), busca avaliar a segurança, viabilidade e eficácia do procedimento no tratamento das manifestações fetais, quando presentes. O PEARL Trial reúne uma equipe multidisciplinar, liderada por figuras como a Dra. Tippi MacKenzie (investigadora principal), com participação também do Dr. Herzeg e especialistas em genética, cirurgia fetal, cardiologia fetal, neurologia e áreas metabólicas .
Em publicações e comunicações institucionais, foi reportado que o ensaio está em curso e já apresenta resultados preliminares promissores no uso de terapias enzimáticas pré-natais.
Atualmente, Herzeg atua na UCSF, onde conduz pesquisas em terapias moleculares para doenças genéticas. Sua apresentação no congresso reforça uma tendência emergente na medicina fetal: utilizar intervenções terapêuticas para tratar doenças complexas antes mesmo do nascimento, oferecendo uma abordagem verdadeiramente curativa e transformadora para condições até então consideradas intratáveis na fase fetal.
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