As doenças inflamatórias intestinais (DII), como a doença de Crohn e retocolite ulcerativa, são condições crônicas, de prevalência crescente e grande morbidade.
O entusiasmo com a evolução do arsenal terapêutico deve ser equilibrado com a perspectiva de eficácia e segurança, especialmente pela tendência de lidarmos, cada vez mais, com uma população idosa, policomórbida e fragilizada acometida pelas DII.
As principais discussões relativas ao perfil de segurança das terapias vigentes, portanto, têm se pautado nos seguintes aspectos:
- Infecções;
- Malignidades;
- Eventos cardiovasculares maiores;
- Tromboembolismo venoso.
Uma proposta interessante, trazida pelo Dr. Miguel Reguero, é a pirâmide de segurança, que adaptamos na sequência:
O topo da pirâmide, caracterizado pela maior segurança sob o aspecto de infecções e malignidades, é compartilhado pelo vedolizumabe (anti-integrina α4-β7), ustekinumabe (inibidor da subunidade p40 da IL12/23) e, mais recentemente, pelos inibidores da subunidade p19 da IL-23: rizankizumabe, mirikizumabe e guselkumabe.
A comboterapia (anti-TNF + azatioprina ou 6-mercaptopurina), por sua vez, encontra-se na base da pirâmide, perdendo em insegurança apenas para a corticoterapia.
Os inibidores da JAK (iJAK), como o tofacitinibe e upadacitinube, altamente eficazes no manejo da retocolite ulcerativa, associam-se também ao incremento de eventos cardiovasculares maiores e trombose, e não alcançaram margem de não inferioridade em relação à terapia anti-TNF sob o aspecto das malignidades (HR 1,48, IC 95% 1,04 a 2,09).
Já os moduladores SP1 – ozanimode e etrasimode, podem precipitar edema macular, hipertensão arterial sistêmica e bradicardia, sendo contraindicados na presença de bloqueio atrioventricular avançado.
Veja mais: Perfil epidemiológico da doença inflamatória intestinal no Brasil
Os cuidados em linhas gerais
A mitigação do risco de infecções conta com as imunizações (os cartões de vacinas devem ser sempre checados e atualizados!), a triagem sorológica e o rastreamento de tuberculose infecção (a antiga “tuberculose latente”) e das malignidades.
As imunizações recomendadas contemplam:
- Influenza anual;
- COVID-19 com reforço semestral;
- Antipneumocócica (Prevnar 13® conjugada seguida, em um intervalo mínimo de 2 meses, pela Pneumovax 23® polissacarídica, ambas com eficácia demonstrada entre os portadores de DII);
- Vírus da varicela zóster recombinante (Shingrix®) em 0 e 2 meses;
- HPV, sobretudo para a faixa etária abaixo dos 26 anos, em regime de três doses (0-1 a 2-6 meses);
- dTP;
- HBV.
Deve-se considerar ainda a imunização para:
- Haemophilus influenzae B;
- Meningite, com preferência pela meningocócica conjugada ACWY, em dose única, e, se possível, incluindo a meningocócica B (2 doses com intervalo de 1 a 2 meses);
- Hepatite A (a apresentação fulminante é estimada em 2% dos adultos e é mais provável em imunossuprimidos);
- Tríplice viral (o sarampo tende a ser especialmente grave entre os imunossuprimidos);
- Febre amarela.
As duas últimas, por serem constituídas por vírus vivos atenuados, devem ser instituídas antes da introdução da terapia avançada, mas sem atrasá-la nos casos graves, sendo ambas contraindicadas na gestação.
Um detalhe interessante é a tendência ao hipoesplenismo, seja ele funcional ou anatômico, entre os portadores de DII, o que reforça a importância da imunização contra os germes encapsulados, como o pneumococo, hemófilos e meningococo.
A triagem sorológica deve incluir:
- EBV, pelo risco de doenças linfoproliferativas e síndrome hemofagocítica diante de infecção aguda instalada na vigência de imunossupressão, sendo os homens jovens usuários de tiopurinas particularmente suscetíveis.
- CMV, pelo risco de reativação na presença de imunossupressão, por vezes simulando ou agravando a atividade da doença inflamatória intestinal, como nas colites.
- HIV, que pode impor a necessidade de individualização da imunossupressão, sobretudo na presença de síndrome de imunodeficiência concomitante.
- Hepatite A (anti-HAV IgG) e hepatite B (HBsAg, anti-HBc total e anti-HBs) – além da instituição da vacinação nos casos recomendados, deve-se manter a vigilância para o risco de reativação da hepatite B induzida pela imunossupressão, inclusive nos casos de “cura sorológica” (HBsAg negativo, Anti-HBs e Anti-HBc total positivos), consultando a necessidade de introdução de entecavir ou tenofovir nesses cenários.
- HCV, pelo risco de deterioração da função hepática na vigência de imunossupressão.
A tuberculose, endêmica em nosso meio, deve ser buscada ativamente. Na ausência de sinais ou sintomas compatíveis com doença ativa (“tuberculose doença”), deve-se prosseguir com rastreio da “tuberculose infecção” com radiografia de tórax associada ao IGRA ou PPD. Embora a preocupação maior seja com a terapia anti-TNF, casos raros de reativação foram descritos com a exposição à terapia anti-IL12/23 e iJAK. Uma vez iniciada a terapia avançada, a triagem deve ser repetida anualmente.
Os pacientes expostos às pequenas moléculas devem ser submetidos a hemograma (risco de citopenias), provas de função hepática e renal. Os candidatos ao iJAK devem ser avaliados adicionalmente com lipidograma, risco cardiovascular global e risco para eventos tromboembólicos; enquanto os candidatos aos moduladores S1P devem ter documentado um ECG basal, além de realizar vigilância da pressão arterial e avaliação oftalmológica.
Por fim, além das recomendações inerentes ao rastreio de câncer colorretal, deve-se seguir as recomendações gerais de triagem de malignidades recomendadas com base na faixa etária (mama, colo uterino e próstata), sem se esquecer da inspeção anual da pele, preferencialmente por dermatologista.
Conclusão e Mensagens práticas
- O ímpeto de tratar a doença inflamatória intestinal com eficácia e prontidão deve ser balizado com a necessidade de otimizar a segurança do tratamento, promovendo as imunizações e as triagens infecciosas e de malignidades recomendadas.
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