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Endocrinologia4 setembro 2024

Perfil glicêmico em gestantes com e sem DMG por CGM

O uso de monitores contínuos de glicose (CGM) facilitando o manejo diário para os pacientes e melhorando o controle glicêmico.

O uso de monitores contínuos de glicose (CGM) vem trazendo mudanças tanto diretas aos pacientes, facilitando seu manejo diário e melhorando o controle glicêmico, como indiretas, já que novas evidências a respeito do entendimento do diabetes, do perfil glicêmico e de dietas vem surgindo, potencialmente colaborando para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de tratamentos, monitorização e até mesmo de personalização de terapias. 

Seu uso em pacientes gestantes com diabetes mellitus tipo 1 (DM1) já é bem estabelecido, sendo que o estudo CONCEPTT mostrou uma redução no risco de eventos materno-fetais em pacientes que utilizaram tais ferramentas. Contudo, seu papel em gestantes com DM2 ou com diabetes mellitus gestacional (DMG) ainda não é bem estabelecido. 

Ademais, as próprias definições diagnósticas do DMG ainda são controversas, bem como a forma de seu diagnóstico. Após evidências do estudo HAPO, foi estabelecido o critério atualmente adotado pela OMS, seguido pelo ministério da saúde e Sociedade Brasileira de Diabetes. A recomendação atual é de realizar uma avaliação com glicemia de jejum no primeiro trimestre e, caso essa glicemia seja menor que 92 mg/dL, realizar o teste oral de tolerância à glicose 75g (TOTG 75g) entre 24 e 28 semanas. Nesse teste, caso a paciente apresente uma alteração (jejum ≥ 92 mg/dL, 1h ≥ 180 mg/dL ou 2h ≥ 153 mg/dL) é fechado o diagnóstico de DMG. Ainda, se já no primeiro trimestre houver uma alteração na glicemia de jejum (entre 92 e 125 mg/dL), podemos adiantar o diagnóstico e iniciar o tratamento do DMG, ainda que as evidências para tratamento precoce não sejam tão homogêneas quanto aos benefícios. 

Leia mais: ADA 2024: O que há de novo em diabetes na gestação?

O CGM pode auxiliar no entendimento de diferentes perfis glicêmicos em diferentes contextos. Com essa prerrogativa, foi elaborado um estudo prospectivo observacional para avaliar o perfil glicêmico de gestantes com o uso do CGM, com objetivo de analisar padrões capazes de predizer o risco de DMG (de acordo com os critérios diagnósticos atuais) e se a ferramenta pode ou não ser útil nesse contexto, além de trazer mais dados sobre o perfil de glicose na gestação. 

gestante usando monitores contínuos de glicose (CGM)

O ESTUDO 

O estudo foi uma coorte prospectiva, sem intervenções, realizada em dois centros norte americanos, que envolveu gestantes sem diagnóstico prévio de diabetes. Foram incluídas aquelas com idade gestacional de até 17 semanas no estudo, visto que um dos objetivos era de fato analisar dados advindos do CGM que pudessem predizer maior risco de DMG diagnosticado a partir do TOTG realizado, no estudo, entre 24 e 34 semanas de gestação. Foram excluídas gestantes com menos de 18 anos, gemelares e aquelas com diagnóstico de overt diabetes (HbA1c na avaliação > 6,5%) ou outros tipos de diabetes. Também foram excluídas gestantes que haviam sido submetidas previamente a cirurgia bariátrica por Bypass gástrico ou em uso de medicações que pudessem interferir na avaliação da glicemia. Todas utilizaram o sensor profissional cego Dexcom G6 Pro. O TOTG realizado poderia seguir o método de 2 etapas (triagem com 50g e confirmação com 100g) ou de uma etapa única (75g). Ao total, foram incluídas 768 gestantes.  

Quanto à população do estudo, a média de idade foi de 33 anos, com média de glicada inicial de 5,2%. O IMC médio inicial foi de 26,8 kg/m2, sendo que 3% tinham histórico de DMG prévio. A mediana de tempo de uso do CGM foi de 67 dias prévios à realização do TOTG. 

PERFIL GLICÊMICO ATRAVÉS DO CGM NA GESTAÇÃO

58 das 768 participantes (8%) desenvolveram DMG, diagnosticado através da realização do TOTG. Em comparação às demais, que não desenvolveram DMG, os resultados da monitorização PRÉVIA ao diagnóstico de DMG foram os seguintes: 

  • Maior média de glicose: 109 mg/dL (+/- 13) vs. 100 mg/dL (+/- 8); p < 0,001; 
  • Menor tempo no alvo (63 a 120 mg/dl*): 70% (+/- 17) vs. 84% (+/- 8), p < 0,001; 
  • Maior tempo acima do alvo (> 120 mg/dL): 23% vs. 12%; p < 0,001; 
  • Maior tempo acima do alvo de 140 mg/dL: 2,7% vs. 7,4%; p < 0,001. 

*O alvo definido para CGM na gestação, em gestantes com DM1, é de 63 a 140 mg/dL. Contudo, os autores optaram por utilizar métricas diferentes devido não se tratar de DM1 e sim de gestantes na população geral, onde se espera, mesmo no caso de DMG, que as médias de glicose sejam menores. 

O MONITOR CONTÍNUO DE GLICOSE (CGM) FOI CAPAZ DE PREDIZER MAIOR RISCO DE DIABETES GESTACIONAL (DMG): O QUE ISSO SIGNIFICA NA PRÁTICA? 

As gestantes que de fato foram diagnosticadas com DMG a partir do TOTG apresentaram perfil glicêmico pior no CGM, com menor tempo no alvo (definido no estudo entre 63 e 120 mg/dL e maior tempo acima do alvo de 120 mg/dL no início da gestação do que aquelas que não desenvolveram DMG, como exposto anteriormente.  

Veja também: Associação entre o intervalo das gestações e o diagnóstico de diabetes gestacional

Interessantemente, gestantes que desenvolveram DMG já apresentaram alterações no perfil de glicose logo entre 13 e 14 semanas de gestação, onde a mediana de tempo acima de 120 mg/dL foi de 32% vs. 14% no grupo DMG e acima de 140 mg/dL, 5,2 vs 2,0%, persistindo durante todo o período do estudo antes da realização do TOTG. A curva ROC utilizando o tempo acima do alvo de 140 mg/dL entre 13 e 14 semanas atingiu uma área sob a curva (AUROC) de 0,74 para predição de DMG. 

A conclusão dos autores é de que gestantes que testam positivo no TOTG já apresentam alterações detectáveis de glicose mais cedo na gestação e que tais alterações podem ser detectadas com o uso de um CGM. 

Um problema a se considerar é o sobrediagnóstico da condição, no sentido de que a mera detecção precoce de hiperglicemias leves possa não trazer impactos relevantes em desfechos materno-fetais. Tais esclarecimentos devem ser respondidos com estudos randomizados no futuro a partir destas observações. 

PERSPECTIVAS 

O uso de tecnologias em diabetes tais como os CGMs vem melhorando a qualidade de vida de pacientes em diversos cenários. Na gestação existem alguns fatores limitantes discutíveis como a possibilidade de maior edema intersticial, potencialmente afetando sua acurácia nesse período. Além disso, ainda não temos evidências demonstrando que o uso de tais ferramentas é superior à aferições de medidas da glicemia capilar ou que são capazes de reduzir desfechos gestacionais.  

Contudo, estudos como o discutido neste artigo são importantes levantadores de hipótese para considerarmos tais instrumentos como possíveis aliados no diagnóstico do DMG, na sua condução e monitorização. Como o assunto está em pauta ultimamente, é provável que em breve tenhamos novas evidências acerca do assunto. O presente estudo, por exemplo, suscita a necessidade de uma investigação randomizada para avaliar os possíveis benefícios da detecção precoce da hiperglicemia na gestação através do uso de CGMs adiantando o diagnóstico, intervenções, poupando da realização do TOTG, visto que traz evidências que de fato gestantes com DMG podem desenvolver alterações da glicemia bem antes da realização do TOTG e que tal fato pode ser detectado com o uso do CGM. 

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Referências bibliográficas

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