ADA 2024: O que há de novo em diabetes na gestação?
Não é novidade que o congresso da American Diabetes Association (ADA) divide tópicos e apresentações de acordo com áreas de interesse para melhor aproveitamento das apresentações, uma vez que o tema “diabetes” é um assunto extremamente amplo e com novas evidências em todos os campos.
Uma das áreas é a gestação. Regularmente nos deparamos com novas evidências acerca do diagnóstico e manejo dessa condição.
Aqui, abordamos os destaques das apresentações sobre diabetes gestacional.
Estudo DiGest (dados ainda não publicados)
Os dados preliminares do estudo DiGest, ainda não publicado, foram apresentados pela Dra. Claire Meek. O estudo DiGest avaliou o impacto de uma dieta de baixa caloria em gestantes com diabetes mellitus gestacional (DMG) e obesidade com objetivo de induzir perda de peso e investigar seu impacto no controle glicêmico, composição corporal e resultados pós gestacionais.
O ganho de peso materno excessivo durante a gestação pode aumentar o risco de desenvolvimento de diabetes mellitus tipo 2 em até sete vezes após a gestação e levar a consequências obstétricas como ganho de peso fetal excessivo.
O estudo foi um ensaio clínico randomizado, onde, após os critérios de inclusão e exclusão, 425 gestantes foram divididas para dieta convencional vs. dieta equilibrada com restrição calórica (Para esse grupo foi fornecido uma “diet box” pronta, com alimentos equilibrados, compostos por 40% carboidratos, 25% proteínas e 35% gorduras, mas com menor quantidade de calorias).
Foram incluídas gestantes com mais de 18 anos de idade, com diagnóstico de DMG a partir do teste oral de tolerância à glicose (TOTG) no segundo trimestre e IMC > 25 kg/m². Foram excluídas gestantes com DM prévio, gemelares, necessidades específicas de dieta e aquelas com restrição de crescimento fetal. O endpoint primário foi, portanto, a mudança de peso materno, enquanto os principais desfechos secundários selecionados foram o impacto no diabetes (avaliado por hemoglobina glicada e métricas de monitores contínuos de glicose – CGMs) e complicações materno-fetais.
A população que compôs o estudo tinha em média idade de 32 anos, IMC médio de 36 kg/m², sendo que 68% eram primigestas. Vale lembrar que as gestantes eram randomizadas em média na 29ª semana de gestação e os resultados eram analisados ao final.
Curiosamente, não houve diferenças no peso materno na análise primária. Contudo, dentre os desfechos secundários houve redução da necessidade de uso de insulina de 39% para 27%, configurando um NNT de 8. Em termos de segurança, não houveram efeitos significativos, tais como aumento do risco de fetos pequenos para idade gestacional (PIG).
Os autores do estudo optaram por realizar também uma análise secundária comparando os dados isoladamente das gestantes que perderam peso (44% das gestantes) comparado às gestantes que ganharam peso. Nessa análise secundária, as que conseguiram de fato perder peso tiveram melhora do tempo no alvo (aferido por monitor contínuo de glicose), média de glicose diária e pressão arterial. Nessas, houve uma redução significativa em fetos grandes para idade gestacional (GIG: 22,2% para 15,4%) sem diferença significativa em fetos PIG. Quanto aos eventos pós natais, 3 meses após o parto, as que mantiveram o peso perdido tiveram redução de HbA1c em 0,3%, comparado àquelas que não perderam peso ou recuperaram o peso perdido.
Haverá um estudo de follow-up das mães e das crianças em 3 anos. Em conclusão, a intervenção inicial do estudo foi capaz de levar a uma perda de peso em apenas 44% das gestantes. Nas que perderam peso, houve melhora do controle glicêmico, menor incidência de fetos GIG, sem aumentar o risco de consequências materno-fetais significativas. Contudo, vale lembrar que essa última parte serve apenas como levantadora de hipóteses, já que o estudo foi desenhado (com poder estatístico suficiente) para a avaliação primária, e não para comparação apenas daquelas que perderam peso com as que não perderam peso. Aguardamos a publicação final para esclarecimento desses detalhes, mas é um dado interessante em termos dos possíveis benefícios de uma dieta com menor quantidade de calorias na gestação, sobretudo com relação à sua segurança aparente.
Impacto dos monitores contínuos de glicemia (CGM) no DMG
A Dra. Amy Valent apresentou outro estudo interessante, que também ainda não foi publicado, que avaliou o impacto do uso do CGM em gestantes com DMG. Vale lembrar que até hoje, o único grupo de pacientes que tem evidência de benefícios no uso dessa ferramenta são as gestantes com DM1 (estudo CONCEPTT), já que os dados sobre o papel dessa ferramenta em gestantes com DMG ainda são insuficientes.
Portanto, o objetivo da avaliação foi comparar o impacto do uso de um CGM (real time) com a monitorização através da monitorização por aferição da glicemia capilar (CBG, em inglês). O trial foi unicêntrico, open label e randomizado. As gestantes foram randomizadas 2:1 para o grupo intervenção (CGM – o aparelho utilizado foi o Dexcom G6) ou CBG. Vale destacar que para uma comparação adequada, ambos os grupos fizeram monitorizações com glicemia capilar para validação do grupo CGM e o grupo CBG também fez uso de um CGM, porém um CGM fechado (Dexcom pro) para análise dos dados. Havia uma janela em que as gestantes do grupo CBG ficariam sem uso de nenhum tipo de CGM para outras análises.
Como critérios de inclusão, as gestantes deveriam ter entre 18 e 55 anos, com 20 a 35 semanas de gestação, com diagnóstico específico de diabetes mellitus gestacional de acordo com as recomendações vigentes nos EUA. Foram excluídas aquelas com diagnóstico de diabetes prévio à gestação, gemelares ou com uso de imunossupressores, álcool ou drogas ilícitas.
O endpoint primário utilizado foi o tempo no alvo (selecionado de 60 a 140 mg/dL).
111 gestantes foram randomizadas (71 para o grupo CGM e 30 para o grupo CBG, após exclusão por perda de dados). A idade média foi de 32,9 anos e IMC médio pré gestacional de 33 kg/m². A média de tempo de gestação no momento do diagnóstico do DMG foi de 20 semanas.
Quanto ao desfecho primário, o grupo CGM teve um tempo no alvo de 93,6% comparado a 87% no grupo CBG (P = 0,03).
Dentre os desfechos secundários, A glicose média apresentada também foi menor (102 mg/dL vs. 109 mg/dL), com menor tempo acima do alvo (5,7 vs 11,9%)
A principal conclusão do estudo é que gestantes que utilizaram o CGM tiveram melhor controle glicêmico quando comparadas às gestantes que utilizaram monitorização por meio de aferição da glicemia capilar. É um dado interessante, pois levanta-se a possibilidade de buscar entender os reais impactos dessa ferramenta no controle do DMG, seja pela melhora na aderência ou por fatores ainda não esclarecidos, abrindo espaço para investigações maiores no futuro.
Contudo, é importante ter em mente que trata-se de um estudo de centro único, sem poder suficiente para avaliar o impacto dessa abordagem em desfechos materno-fetais e outras variáveis como necessidade de uso de insulina, aderência à dieta, podem (e devem) ser analisadas também. Aguardemos a publicação final do estudo.
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