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Dermatologia29 julho 2024

Afecções dermatológicas na infância: Impetigo

O impetigo é uma doença causada por bactérias Gram-positivas, como Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes.

Nesta semana, iniciamos uma nova série de publicações a respeito das afecções dermatológicas mais comuns nos pacientes pediátricos. O artigo de hoje trata, com o intuito de auxiliar a conduta profissional, sobre uma das principais doenças que os pediatras podem encontrar: o impetigo.   

O impetigo consiste em uma infecção frequente localizada das camadas superficiais da epiderme e causada, principalmente, pelas bactérias Gram-positivas Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes. É a terceira causa de infecção cutânea na infância, correspondendo a 50% a 60% de todas as infecções bacterianas da pele, sendo altamente contagiosa. O presente artigo contempla uma ampla revisão da literatura sobre o tema.

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Etiologia  

A doença é causada por bactérias Gram-positivas, como Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes (estreptococo beta-hemolítico do grupo A – EGA), ou por uma combinação dessas duas. No entanto, conforme a região climática, a etiologia bacteriana do impetigo pode variar. Em regiões de climas temperados, o Staphylococcus aureus substituiu amplamente o EGA como patógeno predominante. Por outro lado, em áreas de clima tropical, o EGA é o principal patógeno e a coinfecção com Staphylococcus aureus é frequente.   

Epidemiologia  

O impetigo é uma lesão altamente contagiosa e acomete, principalmente, lactentes e pré-escolares (especialmente crianças de 2 a 5 anos). A transmissão é geralmente feita por meio do contato pessoa-pessoa e algumas condições também tornam o indivíduo mais suscetível ao impetigo, como ambientes aglomerados, desnutrição, diabetes, falta de higiene, o contato próximo em creches e escolas esportes de contato (luta livre, por exemplo), internatos e instalações militares.  

A prevalência global de impetigo é estimada em 11,2%, sendo 2,5 vezes mais frequente em pacientes pediátricos (12,3%) do que em adultos (4,9%). Em locais com poucos recursos, o impetigo representa um fardo significativo para ambas as populações.  

Em revisão sistemática publicada em 2015, Bowen e colaboradores, com base em dados de estudos publicados desde 2000 em países de rendimento baixo e médio-baixo descreveram que, globalmente, a estimativa de crianças afetadas havia aumentado, na época, de 111 milhões para 162 milhões. Neste estudo, a prevalência relatada de impetigo variou de 0,2% a 90%.

A mediana de prevalência do impetigo na América Latina e Caribe foi de 15,5%, na África foi de 7% e, na Ásia, 7,3%. Já nas populações com poucos recursos na América do Norte, correspondeu a 13,3%. Não havia dados disponíveis para a China ou Europa.

A prevalência mediana mais elevada foi na Oceania (40,2%) e destaca-se que, na Austrália, até 49% das crianças indígenas residentes de comunidades remotas apresentam impetigo em qualquer momento, com uma prevalência mediana de 44,5%. No entanto, excluindo estudos realizados na Nova Zelândia e na Austrália, a prevalência permaneceu elevada em 29,7%.

Mais recentemente, Barbieri e colaboradores (2022), demonstraram que somente 6% das crianças na Itália apresentam pelo menos um episódio de impetigo não bolhoso, sendo esta uma prevalência menor que os dados acima descritos. Os autores declararam que, de fato, estabelecer comparações com outros países de alta renda apresenta-se como um desafio devido à desatualização dos dados, à seleção de populações específicas e às diferenças nos respectivos sistemas de saúde.  

Com relação ao período de incubação, há bastante variabilidade quando se trata de doença estafilocócica, podendo haver um longo atraso entre a aquisição da bactéria e o início da doença. Para a síndrome da pele escaldada estafilocócica (Staphylococcal scalded skin syndrome – SSSS), uma das complicações do impetigo, o período de incubação é de 1 a 10 dias, em geral. Já o período de incubação entre a aquisição do EGA na pele saudável e o desenvolvimento de lesões é variável entre 7 a 10 dias.   

Fisiopatologia  

Classifica-se o impetigo como primário ou secundário. No impetigo primário, a pele previamente normal é afetada por invasão bacteriana direta. Já o impetigo secundário envolve o desenvolvimento de infecção em uma lesão cutânea prévia.

Mecanismos comuns de ruptura da pele incluem dermatite atópica, escabiose, ferida operatória, herpes, picadas de insetos, prurido, queimaduras, trauma e varicela.

Inclusive, é importante lembrar que crianças com escabiose apresentam 12 vezes mais chance de apresentar impetigo quando comparadas a crianças com pele saudável. Ademais, a autoinoculação para outros locais é muito comum na presença de uma lesão.   

Manifestações clínicas  

Em geral, o impetigo acomete a face com mais frequência, ao redor da boca e das narinas, e nas extremidades. Todavia pode se desenvolver também em qualquer outra parte do corpo. As lesões são extremamente contagiosas e disseminam-se rapidamente. Não é comum a presença de febre.  

Não bolhoso (ou crostoso) 

Frequentemente, é causado pelo Staphylococcus aureus (cerca de 80% dos casos) e, ocasionalmente, pelo EGA. Inicia-se como uma única lesão maculopapular eritematosa que progride para vesículas ou pústulas e, posteriormente, para lesões crostosas cores de mel (melicéricas) com uma secreção serosa e halo eritematoso.

Classicamente, as lesões se localizam na face, predominando ao redor de orifícios ou em membros inferiores, numa pele traumatizada previamente, poupando as regiões das palmas e plantares. Eventualmente há prurido e não há sintomas sistêmicos ou dor. É comum a presença de linfadenopatia regional.   

Bolhoso  

Representa, aproximadamente, 10% de todos os casos de impetigo. É causado, exclusivamente, pelo Staphylococcus aureus produtor de toxinas (fago 71) e consiste em uma forma localizada de SSSS. As lesões cutâneas consistem em bolhas de paredes finas (0,5–3 cm), frágeis e superficiais com margens eritematosas semelhantes a queimaduras de segundo grau. Estas bolhas são facilmente rompidas, ficando uma erosão rasa eritematosa.  

Em geral, o impetigo bolhoso surge mais comumente em neonatos após a segunda semana de vida. Em alguns casos, os pacientes evoluem com sintomas sistêmicos, como linfadenopatia e febre.  

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Ectima  

Consiste em uma forma de impetigo que acomete tecidos profundos. Caracteriza-se pela presença de lesões ulcerativas que podem ser purulentas e que penetram profundamente na derme através da epiderme. Essas úlceras surgem como lesões “perfuradas” com margens violáceas e as crostas podem ser de cor marrom-escuras ou melicéricas. 

Neonatos  

Neonatos com impetigo podem apresentar lesões maculopapulares generalizadas com crostas cores de mel, além de irritabilidade e recusa alimentar.   

Complicações  

De modo geral, a evolução tende para a cura, sem deixar cicatrizes e/ou sequelas. Raramente há complicações, mas a infecção pode progredir localmente ou de forma sistêmica. Entre as complicações locais estão artrite, celulite e osteomielite; entre as sistêmicas, destacam-se a pneumonia e a sepse. Recém-nascidos podem apresentar meningite. Complicações não infecciosas incluem a escarlatina, a psoríase gutata e a glomerulonefrite difusa aguda pós-estreptocócica (GNDA-PE). 

A GNDA-PE é uma relevante complicação decorrente de impetigo por EGA e se caracteriza por um processo inflamatório glomerular difuso, geralmente associado a uma infecção anterior por estreptococos. Costuma ocorrer entre duas a três semanas após a infecção cutânea, sendo considerada uma das complicações não supurativas causadas por cepas nefritogênicas de Streptococcus pyogenes, especialmente pelo EGA. Após um quadro de impetigo, os sorotipos mais frequentes relacionados à GNDA-PE são M 2, 49, 55, 57 e 60.  

Destaca-se também a SSSS, uma infecção que pode ser fatal e é causada por certas cepas de Staphylococcus aureus produtoras de toxinas esfoliativas A e B. Suas manifestações variam conforme a idade: em recém-nascidos, apresenta-se como doença de Ritter, com esfoliação generalizada; já em crianças mais velhas, pode surgir como uma erupção escarlatiniforme dolorosa ou impetigo bolhoso localizado.

No caso de bebês mais velhos e crianças pequenas, pode ocorrer uma combinação dessas manifestações com descamação espessa branca ou marrom de toda a pele, especialmente na face e no pescoço. A característica distintiva da SSSS é a clivagem mediada por toxinas na camada do estrato granuloso da epiderme, conhecida como sinal de Nikolsky. A recuperação ocorre sem deixar cicatrizes e, embora a bacteremia seja rara, podem ocorrer desidratação e superinfecção em casos de esfoliação extensa.  

Diagnóstico  

O diagnóstico de impetigo é clínico.  

Diagnóstico diferencial  

As seguintes condições fazem diagnóstico diferencial com o impetigo: candidíase, dermatite atópica, dermatite de contato, escabiose, herpes simples, e varicela zoster. No caso de neonatos, devemos pensar também em sífilis congênita e pênfigo neonatal.   

Saiba mais: Dupilumabe incorporado no rol da ANS para dermatite atópica grave em bebês 

Tratamento  

Aproximadamente 20% dos casos de impetigo têm cura espontânea, com a infecção se resolvendo em 14 a 21 dias sem tratamento. Alguns pacientes podem apresentar alterações de pigmentação, embora a ocorrência de cicatrizes seja rara. Com um tratamento adequado, a resolução se dá em até 10 dias.  

Quando o impetigo está restrito a uma pequena área, um antibiótico tópico pode ser usado. No Brasil, as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) referem que estes fármacos são adequados para o tratamento de lesões únicas ou de extensão limitada de impetigo não bolhoso. Os antibióticos tópicos recomendados são:   

  • Ácido fusídico 2% creme: 2 a 3 vezes ao dia por 7 a 10 dias; 
  • Mupirocina 2% pomada: 3 vezes ao dia por 7 a 10 dias em crianças com idade superior a 2 meses; 
  • Retapamulina 1% pomada: 2 vezes ao dia por 5 dias em crianças com idade superior a 9 meses. 

Quando há infecção generalizada, um antibiótico oral como a cefalexina deve ser prescrito para uso durante 7 dias. Se houver suspeita de Staphylococcus aureus resistentes à meticilina (MRSA), é relevante considerar uma cobertura mais ampla, embora a maioria das infecções seja causada por Staphylococcus aureus sensíveis à meticilina (MSSA). Segundo a SBP, o tratamento sistêmico está indicado para pacientes com lesões extensas com mais de 2% da superfície corporal acometida, ou 2 ou mais segmentos afetados, em crianças com menos de 2 anos, nos pacientes com infecção por MRSA suspeita ou confirmada, ou em casos de impetigo bolhoso. 

A SBP recomenda a prescrição de antibióticos com cobertura para bactérias Gram-positivas, resistentes às beta-lactamases, como cefalosporinas, amoxicilina-clavulanato e oxacilina. O antibiótico de escolha para o tratamento oral em crianças é a cefalexina. Em locais com alta prevalência de MRSA, a antibioticoterapia engloba clindamicina, trimetoprim/sulfametoxazol e doxiciclina (no entanto, a doxiciclina está recomendada apenas para crianças com mais de 8 anos). Já em pacientes com hipersensibilidade à penicilina em áreas onde as taxas de resistência aos macrolídeos estejam controladas, a clindamicina e a eritromicina são opções adequadas. Infelizmente, já existem relatos de resistência à clindamicina tanto entre isolados de EGA como de Staphylococcus aureus. 

Com relação aos pacientes neonatais, na escassez de diretrizes baseadas em evidências nesta população, o tratamento deve ser individualizado de acordo com vários fatores, como a extensão das lesões ou outras comorbidades cutâneas.  

Orientar a família com relação aos hábitos de higiene é extremamente relevante para o sucesso do tratamento. Essas medidas incluem: limpar a lesão para remover as crostas; lavar as mãos regularmente, especialmente após tocar nas lesões e manter as unhas curtas e limpas. Antissépticos não são recomendados para o tratamento do impetigo, embora possam ser utilizados para prevenir recorrências. Entretanto, o uso frequente de antissépticos pode alterar o microbioma intestinal, favorecendo a proliferação de agentes resistentes. Em casos recorrentes, considerar a realização de culturas e/ou a descolonização do paciente e de seus contatos próximos. 

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Referências bibliográficas

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