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Endocrinologia30 julho 2024

Tecnologia no manejo do diabetes na gestação

O tratamento do diabetes na gestação enfrenta vários desafios e o uso da tecnologia pode ser um grande aliado para superar barreiras.

Diabetes na gestação e tecnologias em diabetes, por si só, são temas de grande relevância e interesse, cuja quantidade de estudos vem aumentando recentemente. A união dos temas, contudo, ainda carece de grandes evidências, mas é uma área que também vem ganhando a atenção do mundo da endocrinologia e diabetes.

Sabendo que ainda temos muitas incertezas quanto ao manejo do diabetes durante a gestação, desde critérios diagnósticos, momento de intervenção, alvos e quais terapias utilizar, o uso de tecnologias pode trazer novos insights e promover maior facilidade em atingir níveis glicêmicos estritos, usualmente necessários para a redução de complicações materno-fetais.

Contemplando o assunto, foi publicada uma revisão inglesa sobre o “estado da arte” em termos de tecnologia em diabetes durante a gestação, bem como as perspectivas futuras e um “call” por estudos nessa área tão relevante. A revisão foi publicada recentemente na revista Diabetologia, o jornal europeu de diabetes, uma das mais conceituadas mundialmente no assunto.

Veja também: Diretriz Brasileira de Diabetes – O que mudou no Diagnóstico no DM?

Grávida segurando medidor de glicose ao lado da barriga representando a diabetes na gestação

Contexto: A dificuldade em se manter um bom controle no diabetes durante a gestação

As autoras da revisão reforçam a importância de um bom controle glicêmico antes e durante a gestação. Dados mostram que, devido às melhorias no acompanhamento e tratamento dessas gestantes, cerca de 98,9% das gestações com diabetes na Inglaterra (entre DM1, DM2 e DM gestacional – DMG) saem da maternidade com seus recém-nascidos (comparadas a 99,6% na população geral), sendo que 95% das gestações ocorrem sem malformações congênitas.

Aparentemente, num local de excelente acesso à saúde e grande disponibilidade de recursos, os desfechos negativos estão ficando mais relacionados apenas àquelas mães com menor acesso, que tinham maiores hemoglobinas glicadas (hbA1c) antes da concepção, uma vez que os dados também apontam para um risco duas a três vezes maior de anomalias congênitas, morte neonatal e óbito intrauterino comparadas às gestantes sem diabetes.

Apesar das melhorias, o impacto em morbidades como feto GIG (grande para idade gestacional, acima do P90), macrossomia e admissões em UTI neonatal continuam extremamente comuns, afetando aproximadamente metade das gestantes com DM1 e uma a cada 3 gestantes com DM2.

Monitores contínuos de glicose

Os monitores contínuos de glicose (CGMs) são ferramentas que podem ser interessantes para o acompanhamento dos níveis de glicose durante a gestação. Antes de tudo, é importante contextualizar que no Reino Unido há a disponibilização de CGMs para gestantes com DM1 e também para a população geral com indicações, o que permite que basicamente todas possam desfrutar dessa ferramenta.

O uso de CGMs em DM1 já é bem estabelecido, com as evidências do estudo CONCEPTT, que demonstrou uma redução nos níveis maternos de glicose e redução também em complicações materno-fetais nas gestantes que utilizaram a ferramenta, também se provando custo-efetiva pela redução na frequência e duração de internações neonatais.

As autoras pontuam que no Reino Unido, em 2022, cerca de 95% das gestantes com DM1 estavam em uso de CGM (75% real time). Dados de mundo real disponíveis atualmente mostram que 2055 gestantes com DM1 (entre 2021 e 2022) que utilizaram os sensores apresentaram melhoras discretas nos níveis de glicose, com maior proporção de gestantes atingindo as metas de HbA1c após 24 semanas. Além disso, houve menor incidência de hipoglicemias, cetoacidose e desfechos neonatais como feto GIG, pré-termo e admissões em UTI neonatal, apesar de modestos.

A redução em eventos adversos gestacionais foi de cerca de 30% (OR 0,7; IC 95%; 0,53-0,94).
Além disso, o uso do CGM está associado a maior satisfação e conforto por parte das gestantes e também com maior possibilidade de análise individual das necessidades de cada gestante, onde o manejo de insulina pode ser desafiador devido à diferença de perfis individuais, seja pela absorção errática de insulina ao final da gestação, seja por diferentes perfis de absorção intestinal dos alimentos e picos pós-prandiais mais curtos ou mais prolongados.

Os próximos desafios são a avaliação dessa ferramenta em gestantes com DM2 e DMG (as evidências atuais são escassas e de baixa qualidade), além da melhora da acurácia dessas ferramentas, que ainda não é perfeita sobretudo ao final da gestação.

Sistemas de infusão contínua em alça fechada (“Closed Loop”)

Já os sistemas de infusão contínuo de insulina em alça fechada (“Closed Loop”), ou SICI-AF, os famosos “pâncreas artificiais”, carecem de maiores evidências para uso na gestação. Fora da gestação os estudos apontam para um benefício amplo da categoria, com vários exemplares de diferentes empresas apresentando resultados animadores em termos de redução de hipoglicemia e atingir a meta de HbA1c e tempo no alvo. Contudo, na gestação, devido ao alvo glicêmico estrito, apenas o SICI-AF CamAPS FX foi capaz de demonstrar melhora do controle glicêmico.

O estudo AiDAPT avaliou o uso do dispositivo em gestantes com DM1 e incluiu 124 gestantes, com HbA1c inicial entre 6 e 14,1%, sendo que mais da metade nunca havia utilizado nenhum tipo de sistema de infusão de insulina. Os resultados foram muito significativos, aumentando em cerca de 10,5% o tempo no alvo da gestação (63 a 140 mg/dL) comparados ao cuidado padrão (outras terapias, com uso de CGM) e levando a um menor tempo em hipoglicemia.

Também foi observado um menor ganho de peso materno (cerca de 3 kg em média). Contudo, o estudo não teve poder suficiente para demonstrar a redução em desfechos gestacionais.

Outros dispositivos, como a minimed 780G da Medtronic, falharam em demonstrar benefícios na gestação (estudo CRISTAL).

Logo, apesar de promissores, os SICI-AF ainda carecem de maiores evidências para uso nesse cenário de uma forma geral. As que tiverem acesso ao CamAPS FX podem se beneficiar de seu uso desde o início da gestação, porém o dispositivo não está disponível no Brasil.

Diabetes mellitus tipo 2: Problema global crescente

As autoras ainda trazem um destaque para a falta de estudos acerca do diabetes mellitus tipo 2 na gestação, seja em termos do uso de novas tecnologias u no tratamento. Ainda não temos nenhum estudo demonstrando, por exemplo, a segurança do uso de outras terapias além da insulina e talvez da metformina. Gestantes com DM2 vêm apresentando mais complicações que aquelas com DM1.

O estudo PROTECT está em andamento e vai avaliar o papel do CGM em gestantes com DM2, com desenho e desfechos parecidos com o CONCEPTT.

Saiba mais: Síndrome dos ovários policísticos e sua relação com obesidade

Perspectivas

O tratamento do diabetes na gestação enfrenta vários desafios e o uso da tecnologia pode ser um grande aliado para superar barreiras. O uso do CGM já está bem estabelecido no DM1 e pode ser uma novidade nos próximos anos para outros tipos de diabetes. Já os dispositivos em alça fechada ainda carecem de grandes evidências que os apontem como superiores às terapias tradicionais, porém já temos exemplares capazes de trazer melhoras. O futuro parece promissor.

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Referências bibliográficas

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