Logotipo Afya
Anúncio
Cardiologia26 setembro 2024

Pericardite aguda: diagnóstico e tratamento 

A pericardite corresponde a até 5% dos casos de procura a serviços de emergência por dor torácica nos EUA.
Por Isabela Abud Manta

A maioria dos pacientes com pericardite tem um curso benigno quando o tratamento é adequado, porém quando há recorrência pode ocorrer grande prejuízo da qualidade de vida e da saúde física e mental. Recentemente foi publicada uma revisão sobre o assunto com dados dos estudos e diretrizes dos últimos dez anos. Abaixo seguem os principais pontos. 

Pericardite aguda diagnóstico e tratamento 

Epidemiologia da pericardite aguda

Na América do Norte e Europa Ocidental, a pericardite aguda geralmente é idiopática ou de causa viral presumida e a recorrência ocorre em 15-30% dos casos.  

A síndrome pós injuria miocárdica tem incidência variável e ocorre após infarto agudo do miocárdio (IAM), procedimentos cardíacos como ablação ou cirurgias cardíacas e é caracterizada como dor pericárdica ou pleurítica, febre, atrito pericárdico ou pleural, derrame pericárdico ou pleural e aumento de PCR. Essa síndrome ocorre após algumas semanas do evento.  

Na maior parte do mundo a causa mais comum de pericardite é tuberculose, chegando a 65-70% dos casos na África. Também pode ocorrer como complicação de doença maligna, radioterapia, infecções bacterianas, insuficiência renal crônica ou doenças autoimunes. Quando associada a neoplasias, as mais comuns são de origem no pulmão (40%), mama (25%) ou hematológicas (20%). 

Fisiopatologia 

O pericárdio normal tem menos de 1 mm de espessura e menos de 50 mL de líquido seroso. É irrigado por poucos vasos e quando há um insulto, como infecção viral ou injúria direta no coração, ocorre aumento da permeabilidade vascular com exsudação de fluido e descamação das células mesoteliais. Isso gera formação de tecido de granulação, proliferação de fibroblastos e formação de novos vasos no pericárdio, levando a aumento da espessura, que pode ser vista nos exames de imagem, assim como neovascularização, vista em exames contrastados.  

Já a pericardite recorrente tem um fenótipo inflamatório, geralmente representado por resposta imune inata anormal, com ativação inapropriada do inflamassomo NLRP3. 

Apresentação clínica e diagnóstico 

O diagnóstico é feito quando há pelo menos 2 dos seguintes: dor torácica (não isquêmica, aguda, pleurítica, que piora ao deitar, em 90% dos casos), alterações eletrocardiográficas (supradesnivelamento do segmento ST difuso e infra desnivelamento do segmento PR, em 25-50%), derrame pericárdico novo ou em piora e atrito pericárdico (< 30% dos casos). O atrito pericárdico é um som agudo, geralmente trifásico, mais audível com o paciente inclinado para frente e pode ser transitório. 

Outras alterações que podem auxiliar no diagnóstico são aumento de marcadores inflamatórios, como VHS e PCR 9, que ocorrem em até 78% dos pacientes. Também pode haver leucocitose neutrofílica ou aumento da relação neutrófilo/linfócito e alguns pacientes podem ter tosse, dispneia ou sintomas sistêmicos, como fadiga e febre baixa, e arritmias, como fibrilação atrial ou flutter. 

Dos pacientes que têm troponina aumentada, chamada miopericardite, a maioria (80%) não tem disfunção ventricular e dos que apresentam disfunção, a maioria (85%) recupera em 12 meses. O manejo é semelhante ao da pericardite e o aumento da troponina não é marcador de pior prognóstico. 

A pericardiocentese está indicada em caso de tamponamento pericárdico ou em suspeita de derrame pericárdico bacteriano, tuberculoso ou neoplásico. Realiza-se contagem de células, Gram, cultura e citologia, além de outros testes conforme suspeita clínica. 

Todos os pacientes com suspeita de pericardite aguda devem realizar ecocardiograma para avaliar espessamento e ecogenicidade do pericárdio, além da presença de derrame e complicações hemodinâmicas. Se o ecocardiograma não estiver disponível realiza-se o ultrassom point-of-care. Todos devem realizar radiografia de tórax para avaliar se há tuberculose pulmonar ou neoplasia. 

Leia também: ACC: nova diretriz para insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida

Quando um derrame se desenvolve rapidamente, não há tempo para aumento compensatório da complacência pericárdica e pode haver tamponamento cardíaco. Os sinais de tamponamento incluem taquicardia, aumento da pressão venosa jugular, hipotensão e pulso paradoxal. 

A ressonância pode fornecer dados interessantes, já que o aumento da vascularização do pericárdio pela inflamação leva a alterações do contraste com gadolínio na ressonância. Um paciente com edema pericárdico extenso e presença de realce tardio indica pericardite aguda e um com espessamento pericárdico e ausência de realce tardio indica ausência de inflamação, representando um estágio crônico de doença. 

Tratamento e prevenção de recorrência da doença 

Quando a pericardite tem evolução subaguda ou se apresenta com febre, derrame pericárdico importante (> 2cm), tamponamento cardíaco, suspeita de câncer ou não tem melhora com uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) a internação é recomendada para manejo dos sintomas e monitorização hemodinâmica.  

Encontrando uma causa específica, como tuberculose ou uremia, esta deve ser tratada. No caso de pericardite idiopática, o objetivo é reduzir sintomas e gravidade. 

O alívio da dor é obtido com uso de AINEs em dose alta, como ibuprofeno 1.600-2.400 mg ao dia ou aspirina 650-1000 mg 3x ao dia, com redução da dose conforme os sintomas e normalização de marcadores inflamatórios. O naproxeno pode ser utilizado, porém há menos estudos com essa medicação. 

Diversos estudos avaliaram a colchicina associada à AINE e um estudo já antigo mostrou que a recorrência da pericardite idiopática é menor nos pacientes que a utilizam, sendo recomendada por 3 meses. A dose habitual é de 0,5 mg 2x ao dia quando peso > 70 kgs e 0,5 mg 1x ao dia quando peso ≤ 70 kgs. Em caso de recorrência, essa medicação é utilizada na mesma dose anterior, porém por período de 6 meses. Geralmente a colchicina é bem tolerada e os efeitos colaterais mais comuns são náusea, vômito, dor abdominal e diarreia.  

Estudos com colchicina no pós-operatório de cirurgia cardíaca também mostraram benefício da medicação utilizada por 1 mês na ocorrência de pericardite no pós-operatório. Para tratamento da síndrome pós injuria miocárdica recomenda-se colchicina e aspirina ou AINEs. 

Os corticosteroides não foram avaliados em ensaios clínicos randomizados e estudos observacionais sugerem que quando são utilizados, principalmente em altas doses, aumentam a chance de recorrência da pericardite. Assim, devem ser usados em baixas doses (0,25-0,5 mg/kg 1x ao dia) apenas para pacientes que não têm melhora com AINEs e colchicina ou que tem contraindicação ou efeitos adversos importantes com essas medicações. Também podem ser considerados na pericardite constritiva por tuberculose. 

O rilonacept e o anakinra, bloqueadores da interleucina 1 (IL-1), podem ser utilizados em casos de pericardites recorrentes que são resistentes à colchicina ou dependentes de corticoide. A medicação parece ajudar no desmame mais rápido de corticoides.  

Saiba mais: Confira os destaques do 79° Congresso Brasileiro de Cardiologia!

Orientações 

Os pacientes devem evitar atividade física por 3 meses, pois pode haver recorrência associada à atividade física. 

Existem ainda muitas incertezas em relação ao melhor tratamento para pacientes com múltiplas recorrências, que podem durar anos, para pacientes com pericardite constritiva ou com doenças autoimunes. 

Prognóstico 

Após a resolução dos sintomas, o tratamento visa diminuir a chance de recorrência e tratamento das doenças de base. Quando o risco de recorrência é alto, o tratamento pode ser estendido. Após um primeiro episódio, a recorrência ocorre em 15-30%, sendo a maioria em 3-6 meses. A primeira recorrência é tratada por 6 meses e quando ocorre mais vezes esse tratamento é mais prolongado. 

Comentários e conclusão 

Pericardite aguda é uma causa comum de dor torácica e tuberculose é a principal causa nos países onde esta doença é endêmica. Nos outros países costuma ser idiopática e ocorre após uma infecção viral. O prognóstico é bom com uso de AINEs e colchicina e tratamento mais prolongado e específico pode ser necessário nos casos recorrentes.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Referências bibliográficas

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Cardiologia