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Cardiologia26 julho 2024

Miocardiopatia hipertrófica: nova diretriz 

O conhecimento médico científico sobre a cardiomiopatia hipertrófica (CMH) avançou nas últimas décadas, desse modo foram publicadas novas diretrizes para CMH

Recentemente foi publicada a nova diretriz sobre Diagnóstico e Tratamento da Cardiomiopatia Hipertrófica (CMH), a cardiopatia genética mais prevalente. Esta doença é transmitida de forma autossômica dominante e causada por mutações em genes que codificam proteínas do sarcômero.  

A maioria dos indivíduos é assintomática e tem expectativa de vida normal, porém uma parte tem sintomas importantes e risco aumentado de morte súbita (MS). Abaixo seguem os principais pontos abordados na diretriz. 

Miocardiopatia hipertrófica nova diretriz 

Imagem de freepik

Definição 

Hipertrofia do miocárdio com aumento das espessuras das paredes, sem dilatação ventricular nas fases iniciais e ausência de outras condições que justifiquem esta alteração. A espessura diastólica final em qualquer segmento dos ventrículos deve ser ≥ 15 mm ou ≥ 13 mm quando há familiar com o diagnóstico. 

Epidemiologia 

Ocorre em quase todos os países e tem prevalência de 1 a cada 500 pessoas na população geral. Porém, quando avaliados portadores de genes patogênicos a prevalência é de 1 a cada 200.  

História natural da doença 

Bastante heterogênea, podendo se manifestar desde a infância até a oitava década de vida. Quase metade tem evolução benigna, porém o restante pode apresentar sintomas relevantes ou complicações clínicas: MS, isquemia miocárdica, limitação funcional por obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE) ou por disfunção diastólica, disfunção sistólica do ventrículo esquerdo (VE), fibrilação atrial (FA) ou arritmias ventriculares.  

Quadro clínico 

  • Arritmias e síncope: as arritmias podem ser assintomáticas, detectadas em exames de rotina, ou sintomáticas, com palpitação, pré-síncope e síncope. As mais frequentes são extrassístoles, FA, flutter atrial, taquicardia ventricular não sustentada (TVNS) ou taquicardia ventricular sustentada (TVS). Pode haver associação com pré-excitação.   
  • Dor torácica: ocorre tanto no repouso quanto no esforço. Resulta de desbalanço entre oferta e consumo de oxigênio pelo miocárdio, que ocorre por alterações microvasculares, hipertrofia do VE, aumento do estresse da parede e obstrução da VSVE. Quando há angina típica, deve-se excluir doença arterial coronariana. 
  • Insuficiência cardíaca (IC): a maioria dos pacientes tem dispneia e fadiga em decorrência de obstrução dinâmica da VSVE. Ortopneia e dispneia paroxística noturna são pouco frequentes e IC avançada é rara. Na presença de obstrução da VSVE ocorre aumento da pressão do VE e regurgitação mitral secundária, hipertensão pulmonar, disfunção diastólica e resposta inadequada ao aumento do volume sistólico com o exercício.  

Fisiopatologia 

A obstrução da VSVE, em repouso ou dinâmica, ocorre em 75% dos pacientes. Pode ocorrer por hipertrofia septal com estreitamento da VSVE, que leva a fluxo sanguíneo anormal e deslocamento anterior dos folhetos da válvula mitral, chamado movimento sistólico anterior (SAM). Além de possíveis alterações anatômicas na valva mitral, músculos papilares e aparelho valvar mitral.  

O gradiente de pico na VSVE ≥ 30 mmHg classifica a CMH como obstrutiva e ≥ 50 mmHg, em repouso ou dinâmico, define a obstrução como significativa. Mudanças de pré ou pós-carga e da contratilidade podem modificar esse gradiente. 

A isquemia é secundária ao desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio, como já comentado acima, e na presença de doença aterosclerótica sobreposta o prognóstico é pior, com menor sobrevida e maior risco de morte súbita.  

A síncope ocorre em 16% dos pacientes e pode ser arrítmica, por obstrução da VSVE (geralmente ao esforço ou logo após o pico do esforço), ou vasovagal, por disautonomia, quando geralmente tem pródromos. Entender seu mecanismo é crucial para a tratamento adequado.  

A disfunção diastólica é secundária a não uniformidade na contração e relaxamento ventricular, altas pressões intracavitárias e recaptação anormal do cálcio. A rigidez do VE pode ocorrer por hipertrofia miocárdica, isquemia e fibrose intersticial. O enchimento ventricular pode depender mais da sístole atrial, com baixa tolerância à FA. 

A disfunção autonômica pode se manifestar com hipotensão arterial ao exercício, dificuldade de recuperação da frequência cardíaca e comprometimento da vasodilatação.  

Exames complementares 

Após a suspeita pela história e exame clínico, utiliza-se exames de imagem e avaliação genética. 

  • Eletrocardiograma (ECG): tem alterações em 90% dos casos, porém são inespecíficas, já que a expressão genética é variável. Ocorrem achados de pseudoinfarto (ondas Q proeminentes inferolaterais) e aumento das forças de despolarização do septo hipertrófico (ondas R proeminentes em derivações precordiais). Bloqueios completos de ramo são incomuns e sua presença sugere intervenções invasivas prévias. Ainda, o ECG pode mudar ao longo da progressão da doença. 
  • Peptídeos natriuréticos e troponina: podem estar alterados e correlacionam-se com pior classe funcional e gravidade das alterações ecocardiográficas. A troponina está alterada em mais da metade dos pacientes.  
  • Ecocardiograma transtorácico (ETT): método inicial para o diagnóstico. O ETT 3D tem melhor correlação com as medidas da RMC e deve ser o método de escolha se disponível. A FEVE costuma estar preservada e quando < 50% indica pior prognóstico. O strain longitudinal global pode auxiliar no diagnóstico diferencial, principalmente com a doença de Fabry e amiloidose cardíaca. Ocorre também disfunção diastólica e o padrão restritivo de disfunção diastólica de VE (grau III ou IV) associa-se a pior prognóstico, independente da presença de obstrução. A obstrução dinâmica na VSVE tem impacto em morbimortalidade e está presente em 2/3 dos pacientes.  
  • RMC: importante para a confirmação diagnóstica, quando o ETT é inconclusivo, para estabelecer o prognóstico e auxiliar no planejamento terapêutico. Ajuda a identificar formas não convencionais, como as apicais ou com hipertrofia mais localizada, e defeitos adicionais, como aneurisma de ponta de VE. Além disso, é reprodutível e consegue confirmar volumes, massas, espessura e função sistólica de ambos os ventrículos. A presença de realce tardio tem pior prognóstico, principalmente quando há 15% ou mais da massa comprometida, e alterações do mapa T1 podem estar associadas a maior ocorrência de arritmias e morte súbita.  
  • Tomografia computadorizada: é limitada, mas parece útil para avaliar a função sistólica do VE e até mesmo para detectar fibrose miocárdica, podendo ser uma opção quando não há RMC disponível. Também pode contribuir na avaliação das artérias coronárias.  
  • Estudo genético: o diagnóstico molecular pode contribuir para aumentar a certeza diagnóstica quando o paciente possui hipertrofia limítrofe ou moderada ou quando há manifestações subclínicas. O rastreamento de familiares com teste genético parece custo-efetivo quando comparado ao rastreamento clínico isolado.  

Diagnósticos diferenciais 

Os principais diagnósticos diferenciais, chamados fenocópias, são a amiloidose cardíaca, citopatias mitocondriais, síndrome de Barth, ataxia de Friedreich, doenças de depósito de glicogênio, doença de Fabry e síndrome de Noonan. 

Tratamento farmacológico  

O tratamento varia dependendo da apresentação individual de cada paciente. Os que têm apenas teste genético alterado devem ser acompanhados periodicamente; os que têm hipertrofia, são assintomáticos e têm baixo risco de MS devem ser avaliados periodicamente, sem necessidade de tratamento; quando há sintomas, a primeira escolha é por tratamento farmacológico, com objetivo de melhorar sintomas, sem benefício em mortalidade. 

Betabloqueadores (BB) são indicados para alívio de angina e dispneia, pois aumentam tempo diastólico, melhoram perfusão coronariana, reduzem consumo miocárdico de oxigênio, risco de taquiarritmias, de morte súbita e a obstrução da VSVE.  

Bloqueadores de canal de cálcio (BCC) não dihidropiridínicos, como verapamil e diltiazem, aliviam sintomas por efeito inotrópico e cronotrópico negativos e são utilizados quando os BB são contraindicados ou ineficazes. 

O mavacanteno, inibidor seletivo da ATPase da miosina cardíaca, foi desenvolvido para diminuir interações de ponte cruzada da actina-miosina, reduzindo a contratilidade cardíaca. Seu efeito inotrópico negativo reduz o gradiente de pressão da VSVE. Deve ser considerada para melhora dos sintomas quando há CMH obstrutiva, FEVE ≥ 55%, gradiente intraventricular ≥ 50mmHg e sintomas em classe funcional (CF) II ou III, apesar do uso de BB ou BCC em máximas doses toleradas. O aficanteno é outra medicação da mesma classe, ainda em avaliação nos estudos. 

Disopiramida é um antiarrítmico tipo I com efeito inotrópico negativo e pode ser uma alternativa ao esquema medicamentoso dos pacientes com obstrução da VSVE, quando não há resposta aos BB ou BCC. Porém, não está disponível no brasil. 

Os inibidores do sistema renina angiotensina aldosterona são indicados nos pacientes com IC com fração de ejeção reduzida sem padrão obstrutivo. 

Terapias de redução septal 

Indicadas quando refratariedade ao tratamento farmacológico e gradiente ≥ 50 mmHg. As opções são alcoolização septal e miectomia cirúrgica, técnicas já antigas e com bons resultados. A ablação septal por cateter de radiofrequência é procedimento mais novo, ainda experimental.  

Estratificação de risco e prevenção de morte súbita 

A redução de MS pode ser alcançada com o cardioversor desfibrilador implantável (CDI). Os fatores de risco para MS são antecedentes de parada cardíaca, TVS ou FV, síncopes inexplicadas, história familiar de MS, HVE extrema, FE < 50%, aneurisma apical e realce tardio na RMC, TVNS no holter. A ocorrência de eventos de MS é muito baixa em pacientes > 60 anos e clinicamente estáveis e o CDI nesta população é duvidoso.  

Pelo menos um fator de risco é suficiente para conferir um alto risco de morte e justificar o implante de CDI. Para auxiliar na tomada de decisão existe uma calculadora que estima o risco de MS em 5 anos, o HCM Risk-SCD, e categoriza os pacientes em risco baixo (< 4%), intermediário (4-6%) ou alto (≥ 6%). Porém é importante lembrar que esse escore não leva em consideração a disfunção sistólica do VE, a presença de aneurisma apical e o realce tardio. 

De modo geral, recomenda-se CDI para pacientes com TVS, MSC revertida ou FV. Outras indicações são a presença de pelo menos um fator de risco para MSC, a depender da idade.  

Os que não têm fator de risco, mas têm TVNS (múltiplos episódios, com mais de 10 bpm e em frequência maior que 200bpm) também devem ser considerados para o procedimento quando têm idade mais jovem, assim como a presença de fibrose > 15% na RMC.  

Arritmias 

A mais frequente é a FA e o tratamento consiste na prevenção de eventos tromboembólicos e controle de ritmo ou FC, sendo a preferência por controle de ritmo, já que evolução para FA piora muito os sintomas. A escolha é por amiodarona ou sotalol. A ablação por cateter pode ser considerada, porém há maior risco de recidiva que em pacientes sem essa doença.  

Anticoagulação com DOAC ou varfarina está indicada independente dos escores como CHA2DS2-VASc, já que esses funcionam mal nesses pacientes.  

Comentários e conclusão 

A diretriz é bastante completa em relação a avaliação e tratamento do paciente com Cardiomiopatia Hipertrófica (CMH), doença sobre a qual o conhecimento evoluiu muito nos últimos anos. Existem ainda algumas outras situações nas quais esses pacientes exigem cuidados específicos, como no perioperatório, gestação e atividade física, porém com evidências ainda não tão robustas.

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Referências bibliográficas

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