A fibrilação atrial (FA) é a arritmia cardíaca sustentada mais prevalente e uma causa significativa de doenças vasculares e mortalidade. Embora o foco do manejo da FA tenha sido nos fatores de risco cardiovasculares e complicações como hipertensão, AVC e insuficiência cardíaca, evidências recentes sugerem que comorbidades não cardiovasculares também são comuns, com diretrizes internacionais recomendando um cuidado holístico ou manejo integrado como parte do caminho de “Melhor Cuidado da Fibrilação Atrial” para o tratamento desses pacientes.
A sepse é uma condição potencialmente fatal de falência orgânica, ocorrendo em cerca de 49 milhões de pessoas anualmente em todo o mundo. Por exemplo, An et al. relataram que a sepse estava entre as três principais causas de mortalidade relacionada à fibrilação atrial (sendo elas, neoplasias malignas, sepse e insuficiência cardíaca).
A fibrilação atrial de início recente tem sido observada em 5% a 25% dos pacientes com sepse e está associada a maior risco de instabilidade hemodinâmica, estadias mais prolongadas em unidades de terapia intensiva, além de episódios recorrentes de FA ou complicações relacionadas à FA.
Embora estudos anteriores tenham documentado a associação entre sepse e FA, os fatores de risco específicos subjacentes à FA de início recente durante a sepse, bem como o prognóstico a longo prazo após a alta hospitalar, permanecem incertos.
As diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia, do Colégio Americano de Cardiologia, da Associação Americana do Coração e da Campanha Internacional de Sobrevivência à Sepse para o manejo da sepse e do choque séptico não dão recomendações específicas para pacientes com sepse e FA de início recente, o que demonstra a necessidade de conscientizar a comunidade médica sobre esse grupo específico de pacientes.
Nesse contexto, foi publicado recentemente no JACC um estudo com o objetivo de identificar os fatores de risco que contribuem para o desenvolvimento de FA de início recente em pacientes com sepse e avaliar o impacto da FA de início recente no prognóstico intra-hospitalar e pós-alta de pacientes com sepse.
Resultados
Trata-se de um estudo retrospectivo usando o banco de dados Clinical Practice Research Datalink (CPRD) do Reino Unido. Foram incluídos 7.691 pacientes hospitalizados por sepse com FA de início recente, 24.506 pacientes com sepse que não desenvolveram FA de início recente e 95.287 pacientes hospitalizados por FA de início recente que não tinham sepse.
Entre os pacientes hospitalizados com sepse, 23,9% apresentaram FA de início recente. Os pacientes com sepse sem fibrilação atrial de início recente eram significativamente mais jovens que os dois outros grupos. Homens e mulheres estavam igualmente representados. Houve predominância de etnia branca, e quase três quartos dos pacientes eram fumantes ou ex-fumantes e tinham hipertensão. Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) estava presente em metade dos pacientes, e a prevalência de doença renal crônica (DRC), insuficiência cardíaca ou diabetes mellitus variou entre 16% e 37%.
Na regressão logística univariada, 12 variáveis estavam associadas a maiores chances de FA de início recente no contexto de sepse: idade no momento da hospitalização índice, idade >70 anos, sexo, etnia, Index of Multiple Deprivation (classificações mais baixas indicam maior nível de privação socioeconômica), status tabagístico (nunca fumantes vs fumantes atuais e ex-fumantes), hipertensão, diabetes, doença renal crônica (DRC), doença valvar, doença arterial coronariana (DAC), doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e insuficiência cardíaca.
Duração da internação hospitalar e mortalidade intra-hospitalar
A duração média da internação hospitalar nos pacientes com FA de início recente no contexto de sepse foi de 24,70 ± 0,32 dias, superior à dos pacientes com sepse sem FA (20,44 ± 0,19 dias) e dos pacientes hospitalizados com FA de início recente sem sepse (20,89 ± 0,09 dias). As diferenças foram significativas em ambas as comparações (P < 0,001).
A mortalidade intra-hospitalar em 7 dias foi observada em 1.153 (14,99%) pacientes com sepse e FA de início recente, 1.261 (5,15%) pacientes com sepse sem FA, e 4.466 (4,69%) pacientes hospitalizados com FA de início recente sem sepse. Os pacientes com sepse e FA de início recente apresentaram risco 2x maior de mortalidade intra-hospitalar em 7 dias em comparação com aqueles com sepse que não desenvolveram FA.
Ao comparar pacientes com sepse e FA de início recente com pacientes hospitalizados por FA de início recente sem sepse, a mortalidade em 7 dias também foi maior no grupo com sepse.
A mortalidade intra-hospitalar em 30 dias ocorreu em 2.292 (29,80%) pacientes com sepse e FA de início recente, 2.299 (9,38%) pacientes com sepse sem FA, e 12.063 (12,66%) pacientes hospitalizados com FA de início recente sem sepse. A mortalidade foi maior nos pacientes com FA de início recente e sepse, tanto em comparação com os com sepse apenas, quanto com os com FA sem sepse.
Em comparação aos pacientes com sepse sem FA, os pacientes com FA de início recente durante a sepse apresentaram maior risco de choque séptico em 7 dias.
Sobrevivência após a alta hospitalar
O tempo mediano de sobrevida após a alta hospitalar foi de 1,48 anos para pacientes com sepse e FA de início recente, 2,49 anos para pacientes com sepse sem FA, e 3,41 anos para pacientes hospitalizados com FA de início recente sem sepse.
Pacientes com sepse e FA de início recente que sobreviveram até a alta hospitalar apresentaram maior mortalidade no seguimento do que aqueles que sobreviveram à sepse sem desenvolver FA durante a internação.
Acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca e infarto agudo do miocárdio pós-alta
Acidente vascular cerebral (AVC) pós-alta ocorreu com maior frequência em pacientes com sepse e FA de início recente, quando comparados aos pacientes com sepse que não apresentaram FA.
Internações pós-alta por insuficiência cardíaca e infarto agudo do miocárdio (IAM) foram mais frequentes em pacientes com sepse e FA de início recente, quando comparados com aqueles com sepse sem FA, bem como em relação àqueles com FA de início recente sem sepse.
Limitações
Primeiramente, os dados são do Reino Unido, representando majoritariamente pacientes idosos e brancos, o que pode não ser aplicável a países com diferentes estruturas demográficas.
Em segundo lugar, como em qualquer investigação baseada em registros eletrônicos de saúde, é possível que alguns casos de FA tenham sido classificados incorretamente devido a erros de codificação. Por fim, como em toda análise observacional, não é possível inferir causalidade, apenas associação.
Conclusões
A fibrilação atrial durante a sepse é comum e não é um achado inocente. Comparados aos pacientes com sepse sem FA, aqueles com FA de início recente durante a sepse apresentaram maior tempo de internação, maior risco de desenvolver choque séptico e maior mortalidade intra-hospitalar. Pacientes com sepse e FA de início recente tiveram também taxas mais altas de AVC, insuficiência cardíaca, infarto do miocárdio e mortalidade após a alta hospitalar.
Portanto, o monitoramento ativo deve ser realizado, já que a FA tem importantes implicações prognósticas em curto e longo prazo, e requer manejo adequado para prevenção de complicações tromboembólicas e mortalidade.
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