A mortalidade do choque séptico é elevada ainda, mesmo após 3 décadas de avanços no diagnóstico e tratamento. As taxas de mortalidade giram em torno de 40% a 50% (só para ter ideia, a mortalidade da sepse sem choque saiu de 35%-40% na década de 1990 para patamar de 15%-20% na atual década).
Como a sepse é uma síndrome, várias doenças infecciosas podem precipitar sua ocorrência e o hospedeiro também pode apresentar várias doenças crônicas (ou comorbidades), que juntas influenciam a chance de sobrevivência. Como as duas forças de aumento de gravidade são estas duas (onde está a infecção e qual é a doença crônica preexistente), se conseguimos curar ou amenizar uma das duas, teoricamente há menor mortalidade.
Para comprovar esta ideia, 2 estudiosos americanos abordaram as características e o prognóstico de pacientes sépticos que não tinham comorbidades no momento da admissão hospitalar.
Objetivos e Metodologia:
O estudo foi de coorte retrospectiva, entre 2018 e 2019 no estado americano do Texas. A partir de uma enorme base de dados de hospitalização, eles procuraram por códigos de CID 10 de sepse e de disfunções orgânicas, além de procurar códigos secundários de doenças associadas (comorbidades) listadas no índice de Charlson e mais algumas doenças (obesidade, desnutrição, doenças mentais e uso de substâncias ilícitas e de álcool).
O desfecho principal foi a mortalidade no curto prazo, que englobou a morte intra-hospitalar e as mortes em outras instituições como hospitais de transição e asilos. Secundariamente, a mortalidade intra-hospitalar foi analisada. Diferentemente de outros estudos sobre prognóstico de pacientes de UTI, que geralmente consideram a mortalidade hospitalar como principal desfecho, os autores argumentaram que atualmente deve-se agregar o encaminhamento para outras instituições de transição como asilos e hospitais de pacientes pós-agudos prolongadamente hospitalizados. É nestas instituições que muitos pacientes são encaminhados, seja para reabilitar ou para ter cuidados de fim de vida. Pode haver perda de seguimento e consequente subestimação do prognóstico em estudos mais clássicos com a mortalidade hospitalar unicamente como desfecho.
Resultados:
Foram analisadas 120.371 hospitalizações por sepse, sendo a taxa de infecções comunitárias e hospitalares de 8 para 1. Seis mil, seiscentos e onze (5,5%) não tinham comorbidades. Estes pacientes foram 5,8% daqueles com infecção vinda da comunidade e 3,0% daqueles com infecção hospitalar.
Algumas características desta parcela pequena de pacientes foram marcantes:
– São mais jovens (36% versus 56% para faixas acima de 65 anos);
– Têm o dobro de taxa de falta de seguro de saúde se comparados aos doentes com comorbidades (20% vs 10%);
– Os sítios de infecção foram muito semelhantes;
– Apresentaram menor taxa de disfunções: respiratória, renal e neurológica;
– Internaram menos em UTI – 66% vs 81%, usando menos ventilação mecânica (15% vs 31%) e hemodiálise (1,6% vs 11%);
– Tiveram alta para casa mais frequentemente (71% sem comorbidades vs 41% com comorbidades).
Os pacientes sem comorbidades têm menor mortalidade no curto prazo: 11,7% versus 28,2%, com diferença estatística muito marcante. Esta grande diferença persistiu se a infecção era comunitária (11% vs 25%) ou hospitalar (22% vs 49%). Em análise multivariada, pacientes sem comorbidades apresentaram cerca de 40% menos mortes no curto prazo (odds ratio 0,62); no entanto não houve diferença estatística de mortalidade intra-hospitalar entre pessoas sem ou com comorbidades (odds 0,95, com intervalo de confiança entre 0,85 e 1,05).
Esta observação também foi vista em estudo americano prévio de Alrawashdeh e colaboradores, no qual a mortalidade hospitalar foi semelhante com ou sem comorbidades. Talvez este fato demonstra que há subestimação da gravidade de pacientes sem doenças prévias, que também são mais jovens, e eles sofrem menor taxa de intervenções que os outros com comorbidades; ou mesmo que pacientes mais graves e com doenças associadas são deslocados para ter seu final de vida em outras instituições e a estatística não aparece na “conta” do hospital de origem.
Uma dificuldade entre os estudos de Alrawashdeh e Oud/Garza foi de classificar corretamente as comorbidades pelos códigos de CID relatados em prontuários. Não há ainda uma padronização de como fazer isso, ao contrário da classificação de códigos CID para sepse, que está estabelecida. Por outro lado, uma diferença entre os 2 estudos é a época observada – Alrawashdeh coletou dados entre 2009 e 2015, enquanto Oud/Garza fizeram mais recentemente entre 2018 e 2019 – houve avanços no cuidado da sepse entre estes períodos.
Veja também: Combinação de hidro e fludrocortisona para tratar choque séptico
Mensagens para o dia-a-dia:
A mortalidade de curto prazo por sepse é menor em pacientes sem comorbidades, seja para infecções comunitárias ou hospitalares;
No entanto a mortalidade hospitalar é semelhante, o que leva a crer que transferências de pacientes sépticos com comorbidades para instituições de longa permanência e asilos é mais comum e transfere a incidência de piores prognósticos para depois da hospitalização índice;
Pacientes sem comorbidades apresentam sítios de infecção da mesma maneira que aqueles com comorbidades, mas com menor taxa de disfunções orgânicas e menor uso de suporte invasivo, como ventilação mecânica e terapia substitutiva renal.
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