CBMI 2024: Controvérsias no manejo do choque séptico
O tratamento do choque séptico geralmente envolve a infusão de noradrenalina como droga de primeira escolha. A prática comum é aumentar progressivamente a dose de noradrenalina até um ponto em que se considera a adição de uma segunda droga, como a vasopressina, conforme recomendado nas diretrizes.
Sabemos que a utilização de catecolaminas em doses elevadas pode levar a efeitos adversos significativos, como arritmias e imunossupressão.
Durante o Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI 2024), o Dr Luciano Azevedo trouxe a discussão em torno da possibilidade de uma terapia multimodal que utilize diferentes drogas vasoativas para reduzir os efeitos adversos das catecolaminas. Isso inclui a combinação de noradrenalina com vasopressina e potencialmente a angiotensina II (ainda não disponível no Brasil), visando uma abordagem mais segura e eficaz.
A ideia é que diferentes drogas possam agir em múltiplos receptores vasculares, reduzindo a necessidade de altas doses de catecolaminas, que estão associadas a um aumento no risco de morte e eventos adversos cardiovasculares.
Vasopressina
A vasopressina pode atuar como uma estratégia poupadora de catecolaminas, permitindo a redução das doses de noradrenalina. Estudos mostraram que a vasopressina pode reduzir a necessidade de diálise e a incidência de fibrilação atrial.
Angiotensina II
A angiotensina II, embora aprovada em alguns países, ainda não está disponível no Brasil. Estudos mostraram que a angiotensina II pode reduzir a necessidade de catecolaminas, mas não teve poder para avaliar desfechos de mortalidade.
Azul de Metileno
O azul de metileno é mencionado como uma opção terapêutica, mas a evidência atual é limitada e sugere que seu uso deve ser considerado precocemente, antes que o paciente esteja em estado crítico.
Corticosteroides
O uso de corticoisteroides, como a fludrocortisona e a hidrocortisona, pode ser uma estratégia para poupar catecolaminas. Estudos mostram resultados divergentes, mas a combinação de hidrocortisona com fludrocortisona demonstrou benefícios na mortalidade.
Betabloqueadores para choque séptico
As catecolaminas, embora eficazes, têm efeitos adversos significativos, incluindo impactos no sistema imunológico e na microbiota. A necessidade de alternativas mais seguras é enfatizada, levando à consideração os betabloqueadores.
Estudos em modelos animais mostram que os beta bloqueadores são geralmente bem tolerados e podem aumentar a sobrevivência sem causar danos. Eles têm propriedades anti-inflamatórias e cardioprotetoras, restaurando a densidade dos receptores beta-adrenérgicos.
Um estudo inicial de Dr. James Berke com 26 pacientes em choque refratário mostrou que o uso de propranolol resultou em aumento da pressão arterial e melhora em gases sanguíneos e produção urinária. A sobrevivência foi observada em pacientes com choque hiperdinâmico.
Uma revisão de estudos recentes sugere que o uso de beta bloqueadores pode ser seguro, mas muitos estudos são de um único centro e podem ter viés. Um estudo de Roma focou em pacientes com altas doses de norepinefrina, mostrando que o uso de esmolol melhorou a função cardíaca e a recuperação renal.
Um estudo que envolveu múltiplos centros, não encontrou diferenças significativas em desfechos entre grupos tratados com esmolol e placebo, com uma tendência de aumento na mortalidade no grupo de esmolol. A dose total de norepinefrina foi mais elevada, sugerindo que a monitorização inadequada pode ter contribuído para resultados negativos.
O Dr. Mervyn Singer de Londres discutiu a importância de monitorar adequadamente os pacientes, considerando a causa da taquicardia e a resposta ao tratamento. A taquicardia pode ser um sinal de estresse simpático excessivo ou uma resposta compensatória a uma função cardíaca inadequada, e os estudos sugerem que os betabloqueadores são mais eficientes no primeiro grupo.
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Azul de metileno no choque séptico – qual a evidência?
A sepse envolve uma resposta inflamatória complexa, com ativação de complementos e coagulação, resultando em disfunção mitocondrial e lesão endotelial. O aumento do óxido nítrico e a ativação de citocinas como TGF-beta e IL-10 levam à síndrome de resposta anti-inflamatória compensatória (CARS). A vasodilatação é um aspecto central do choque séptico, resultando em hipoperfusão de órgãos e dependência patológica de oxigênio.
O azul de metileno atua inibindo a guanilato ciclase, o que pode ajudar a evitar a vasodilatação excessiva e facilitar a ação da noradrenalina. A farmacocinética do azul de metileno inclui pico de concentração plasmática em 30 minutos e meia-vida de 5 a 6 horas, com doses seguras variando de 1 a 3 mg/kg.
Estudos e evidências
Um estudo de 2023 com 76 pacientes em choque refratário não mostrou resultados positivos ao usar azul de metileno em fase avançada do choque.
Um ensaio randomizado realizado por um grupo de pesquisa em 2023 avaliou o uso do azul de metileno na fase precoce do choque, mostrando uma retirada mais precoce de vasopressores no grupo que recebeu azul de metileno.
Não mostrou resultados positivos ao usar azul de metileno em fase avançada do choque.
Meta-análises recentes indicam que o azul de metileno pode ser benéfico, mas ainda há falta de consenso sobre a dosagem e a duração do tratamento.
Derressuscitação ativa: quando iniciar?
O Dr. Bruno Besen abordou o conceito de derressuscitação ativa, um tema recente na literatura médica, com poucos estudos disponíveis. Trouxe a definição de fases no manejo do choque, conforme proposto por Jean-Louis Vicent e De Baker que descrevem quatro fases: salvamento, otimização, estabilização e restrição. A fase de restrição é onde se busca um balanço hídrico negativo, especialmente em pacientes que não respondem à ressuscitação inicial. A importância do manejo do balanço hídrico é enfatizada, com referências a estudos que demonstraram que a administração controlada de fluidos pode levar a melhores desfechos, como a redução do tempo de ventilação mecânica, mesmo que não tenha mostrado impacto direto na mortalidade.
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A derressuscitação ativa refere-se à estratégia de remoção de fluidos em pacientes que não estão urinando espontaneamente após a ressuscitação inicial. A ideia é evitar a sobrecarga hídrica e suas complicações.
Fases do manejo do choque:
- Fase de salvamento: Intervenções iniciais para restaurar a pressão arterial.
- Fase de otimização: Ajuste do consumo de oxigênio e monitoramento da resposta ao tratamento.
- Fase de estabilização: Reconhecimento de disfunções orgânicas e foco em minimizar complicações.
- Fase de restrição: Busca por um balanço hídrico negativo, onde se considera a possibilidade de diuréticos ou diálise.
Os diuréticos são utilizados para controlar o balanço hídrico, mas sua administração deve ser baseada na resposta do paciente. A utilização de diuréticos não necessariamente melhora os desfechos clínicos, mas ajuda a evitar a sobrecarga hídrica. A administração deve ser considerada em pacientes com sinais de sobrecarga, como edema ou dispneia.
A necessidade de um entendimento mais profundo sobre a deressuscitação ativa e suas implicações clínicas é enfatizada, com a expectativa de que novas evidências ajudem a guiar a prática clínica.
O manejo cuidadoso do balanço hídrico em pacientes críticos, com a necessidade de intervenções ativas em casos de sobrecarga pode melhorar os desfechos clínicos.
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