Desde o início da pandemia da Covid-19, postula-se que a manutenção do de IECAs e BRAs (excluindo-se o sacubitril-valsartano), poderia piorar o desfecho da doença, levando ao desenvolvimento de uma forma grave e fatal da Covid-19. A teoria se baseia no conhecimento fisiopatológico da inter-relação entre a fisiopatologia do SARS-Cov-2 e o mecanismo bioquímico de ação dos medicamentos anti-hipertensivos inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA).
Estudos observacionais que trouxeram alguma informação a respeito da questão mostraram resultados conflitantes. Alguns especialistas chegaram a sugerir potencial benefício em se manter o uso das referidas medicações mediante diagnóstico da infecção. Tem-se discutido a questão de se manter ou suspender uso dos inibidores do SRAA frente a um diagnóstico de Covid-19 com base apenas em conhecimento fisiopatológico e em dados preliminares não definitivos, oriundos de estudos clínicos observacionais.
IECAs ou BRAs na Covid-19
Ontem, no último dia do congresso da European Society of Cardiology (ESC 2020), foi publicado e apresentado o BRACE CORONA trial, um ensaio clínico randomizado, pragmático, multicêntrico, que avaliou o impacto de se descontinuar tratamento clínico com IECAs ou BRAs nos resultados clínicos de pacientes hospitalizados por Covid-19 em suas formas leve e moderada.
A grande importância desse estudo clínico randomizado residiu na já conhecida associação entre comorbidades cardiovasculares e piora de desfechos clínicos na Covid-19. Também tem-nos chamado bastante a atenção o conhecimento da possível relação fisiopatológica entre fármacos rotineiramente utilizados no tratamento de importantes e frequentes morbidades cardiovasculares e alterações em desfechos clínicos da infecção. A grande questão seria descontinuação ou manutenção do uso dessas medicações frente ao diagnóstico da citada doença.
O conhecimento da fisiopatologia da Covid-19, principalmente do fato de o vírus SARS-Cov-2 utilizar-se do receptor de angiotensina 2, R-AG2, localizado principalmente na membrana plasmática do pneumócito, para adentrar essa célula e iniciar, gerou hipóteses inúmeras hipóteses teóricas. Algumas postulam potencial benefício, ao passo que outras, possível malefício associado com a manutenção do uso dessas medicações em pacientes que venham a ter o diagnóstico.
A principal preocupação clínica tem sido que a inibição do SRAA possa vir a determinar um desfecho mais grave em pacientes com a Covid-19, caso as medicações responsáveis por essa inibição do SRAA (IECAs eBRAs) sejam continuadas frente ao diagnóstico. Estudos observacionais a respeito são conflitantes até o presente momento.
Alguns pesquisadores e especialistas, publicando editoriais com suas opiniões em renomadas revistas científicas, postularam, com base em conhecimento fisiopatológico apenas, ainda no início da pandemia, que o efeito de uso crônico e manutenção das referidas medicações tenderia a piorar desfechos na Covid-19. Após alguns estudos observacionais demonstrarem resultados conflitantes, observaram-se algumas opiniões de especialistas considerando o oposto do antes referido, ou seja, possível benefício na Covid-19, associado à manutenção do uso dos citados fármacos.
Resultados do BRACE CORONA
O BRACE CORONA trial trouxe-nos uma evidência clínica de alto valor científico, como primeiro estudo randomizado que comparou descontinuação versus manutenção de medicamentos inibidores do SRAA (IECAs e BRAs) em pacientes com Covid-19.
O estudo mostrou que não houve nenhuma diferença nos desfechos clínicos entre as duas estratégias, descontinuação ou manutenção dos medicamentos que inibem o SRAA, nos desfechos clínicos da Covid-19.
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Referência bibliográfica:
- Lopes RD, Macedo AVS, de Barros E Silva PGM, et al. Continuing versus suspending angiotensinconverting enzyme inhibitors and angiotensin receptor blockers: Impact on adverse outcomes in hospitalized patients with severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2)–The BRACE CORONA Trial. Am Heart J. 2020;226:49-59. doi:10.1016/j.ahj.2020.05.002
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